O 25 de Abril no mundo do trabalho

Recordações dos tempos que antecederam o 25 de Abril de 1974 Lápis azul na “Voz do Trabalho» Dois meses depois do 25 de Abril de 1974 realizou-se o congresso nacional da Liga Operária Católica (LOC) que não “trouxe grandes alterações nas linhas programáticas” porque “já tínhamos o nosso ideário”. A grande modificação foi a “fusão da LOC masculina e feminina” mas não foi uma consequência do 25 de Abril. Era “uma aspiração antiga” – disse à Agência ECCLESIA Fernando Branco, da Equipa Executiva da LOC. Passados 30 anos deste acontecimento que revolucionou a vida dos portugueses, Fernando Branco refere que, actualmente, “há a consciencialização de um compromisso mais efectivo nas estruturas onde se joga o destino dos trabalhadores”. Uma preocupação “crescente” porque os congressos “têm sido essenciais para a renovação do Movimento” e “estreitámos os contactos internacionais” – sublinhou Fernando Branco. Após o 25 de Abril, a LOC “intensificou” os cursos, encontros e publicações. Outrora isto não acontecia porque “a estrutura estava voltada para dentro”. Para além desta situação “havia um certo cuidado no falar” e até “tivemos vários números de jornal que foram cortados pela censura”. Não era uma questão de “progressismo” mas “nós pugnávamos pela justiça” e por uma sociedade “mais consentânea com os princípios do Evangelho” – acentuou Fernando Branco. O «lápis azul» cortava “muitos artigos de opinião” que se faziam apesar de “serem doutrina pura da Igreja”. E adianta: “o director da «Voz do Trabalho», Manuel Alpiarça, teve muitos artigos cortados”. Os projectos do Movimento “não agradavam” mas “nós éramos porta-vozes da Doutrina Social da Igreja” – realça João Gomes. Da Revolta da Sé ao 25 de Abril Antes do 25 de Abril, na questão da Intentona da Sé (1959), alguns militantes cristãos estiveram envolvidos e foram presos. Situações “desagradáveis” e o “próprio João Gomes e o Manuel Bidarra estiveram presos” devido ao seu “compromisso” – disse Fernando Branco. João Gomes, na altura jocista, recordou à Agência ECCLESIA os momentos na revolta da Sé que o levaram “à prisão durante três meses por duas vezes”. A luta era “difícil” mas no fim (25 de Abril) “adquirimos um marco positivo” – contou. A “repressão” era “efectiva” o que criava algum receio e levava as pessoas a não se comprometerem”. Com a «Revolução dos Cravos» alguns militantes da Acção Católica (AC) manifestaram a “sua alegria e júbilo”. Um desses elementos – João Gomes, na altura presidente da LOC e chefe de Redacção do jornal «República» – sublinha que “não escreveram nenhum comunicado” mas “enviamos algumas palavras aos nossos militantes”. Os cristãos foram um “factor determinante” para a “revolução se fazer e impor” mas “não éramos a maioria”. Ao nível dos ideais do 25 de Abril “temos feito um esforço para os viver e assumir”. A programação da LOC tem sido “aberta e alargada” onde “não existem pressões”. Depois do 25 de Abril de 1974, o esclarecimento é superior e “ninguém nos impede que no nosso jornal («Voz do Trabalho») possamos publicar as conclusões e vários artigos de opinião” – menciona Fernando Branco. Por sua vez, João Gomes, fundador do Fórum Abel Varzim, salienta que “temos melhorado muito” mas a distribuição da riqueza “está muito longe” do desejado nos momentos seguintes ao 25 de Abril. No aspecto social “estamos a fugir dos ideais” porque “o governo é neo-liberal”. Preocupações Sociais Para a actual coordenadora nacional da Juventude Operária Católica (JOC), Catarina Soares refere a situação actual “não era aquela que as pessoas desejavam”. Os direitos dos trabalhadores – acentua Catarina Soares – estão “a ser violados” e nota-se, ao nível do trabalho, uma “maior precariedade”. Se nem tudo foram «rosas», a coordenadora nacional da JOC refere que também “evoluímos noutros pontos”. Em décadas anteriores, a Acção Católica tinha “outra força” porque as pessoas “não tinham tanta escolha”. Actualmente, os militantes têm “uma gama variada de Movimentos. Outras opções”. Cesário Borga, jornalista da RTP e antigo jocista, recordou também à Agência ECCLESIA os tempo passados naquele Movimento da Acção Católica antes do 25 de Abril. Apesar de integrar a JOC até aos inícios da década de 70, este jornalista refere que as prioridades passavam “pela actuação no mundo operário” e pelas “questões sociais”. Os militantes da JOC daquela geração “empenharam-se muito na actuação sindical”. E acentua: “criação de espaços de liberdade dentro dos sindicatos”. A questão da fé e “a inserção na vida” foram objecto de algumas reflexões. A “consciência política era muito forte” mas desligada dos partidos políticos. Aliás – realça Cesário Borga – muitos dos militantes daquela geração nem depois da revolução dos cravos se “agregaram a partidos políticos”. Existia uma concepção “autónoma e independente”. A preocupação dos jocistas estava na “construção de uma sociedade mais livre e socialmente empenhada” – disse este jornalista. A Doutrina Social da Igreja (DSI) tinha uma influência decisiva no pensamento da altura, especialmente as “encíclicas de João XXIII e as consequências do Concílio Vaticano II”. As pessoas actuavam por causas e “não por interesses”. E recorda o exemplo da ida dos jovens para a Guerra Colonial que “teve um efeito acelerador na consciência das pessoas”. Os militantes “condenavam a guerra” mas só “tínhamos dois caminhos possíveis: desertar ou ficar em Portugal”. As posições da JOC estavam “inspiradas no sentido cristão da vida” mesmo quando estas “eram um bocado rebeldes” em relação às normas da “Hierarquia da Igreja” – sublinha Cesário Borga. E exemplifica: “eu fui um dos que assinei o manifesto dos 101”. Um documento que estava “contra os grandes postulados dos regime”. As consequências vieram depois – na altura Cesário Borga era presidente diocesano da JOC – porque “fui repreendido, inclusivamente pelo meu assistente”. Quando alertavam as pessoas para a “consciência social”, Cesário Borga referiu que “não tínhamos medo das represálias” porque “éramos muito voluntariosos”. Acções que demonstravam uma certa “ideia cristã do sacrifício” porque mesmo que alguém fosse preso “ficava sempre o contributo para alguma coisa”. Trinta anos depois do 25 de Abril de 1974, Cesário Borga afirma que a JOC “continua com os mesmo ideais” mas “não tem o mesmo protagonismo e destaque da altura”. E finaliza: “a marca de ter passado pela JOC nunca se apaga; a minha formação humana foi colhida lá”. Luis Filipe Santos

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