Nota Pastoral para a vivência do Ano da Fé na Diocese de Viana do Castelo

Esta é a Nossa Fé: Cristo em Nós

O Ano da Fé (de 11 de outubro de 2012 a 24 de novembro de 2013) foi proclamado pelo Santo Padre Bento XVI para nele comemorarmos dois dos eventos mais determinantes para a vida da Igreja, nos últimos anos: o II Concílio do Vaticano (iniciado há 50 anos, no dia 11 de outubro) e a publicação do Catecismo da Igreja Católica (faz em 11 de outubro 20 anos). “Será – segundo a expectativa do Santo Padre – uma ocasião propícia para introduzir a totalidade da estrutura eclesial num tempo de particular reflexão e redescoberta da fé.”[1]

Nesse sentido, está programado, para a nossa Diocese de Viana do Castelo, um conjunto de iniciativas, cujo significado e objetivo se podem sintetizar no lema que escolhemos – Esta é a nossa fé: Cristo em nós – que passo a explicar:

1. Esta é a nossa fé: a fé que nos gloriamos de professar

As palavras iniciais do lema provêm da liturgia. “Esta é a nossa fé. Esta é a fé da Igreja, que nos gloriamos de professar, em Jesus Cristo, Nosso Senhor” é a exclamação com que o presidente das celebrações do Batismo de crianças e do Crisma reage à profissão de fé proferida, respetivamente, pelos pais e padrinhos e pelos crismandos. Num caso como no outro, toda a assembleia é convidada a associar-se à fé professada, pelo menos com o amen conclusivo. São palavras que exprimem, ao mesmo tempo, gratidão e orgulho:

São de gratidão, porque, conforme nos diz o Catecismo da Igreja Católica, “a fé é um dom sobrenatural de Deus. Para crer, o homem tem necessidade dos auxílios interiores do Espírito Santo.”[2] É semelhante ao que se passa, a nível humano, entre um pai e o seu filho: o amor que este nutre pelo pai, deve-o, habitualmente, ao amor que o pai tem por ele. Entre Deus e nós acontece o mesmo, mas num grau infinitamente superior: Não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados (1 Jo 4, 10). E até para a descoberta deste amor impensável e a correspondente entrega de fé ao Deus que assim nos ama, é Ele que vem ao nosso encontro, através de tantos meios e pessoas que nos oferece, sobretudo na sua Igreja.

Daí também o sentido do orgulho ou profunda satisfação que sentimos com a nossa fé, um sentimento que deriva da sua componente humana. É que “a fé exige a vontade livre e a lucidez do ser humano, quando este se abandona ao convite divino.”[3] Mas como a iniciativa vem de Deus, gloriar-se por e ao professar a fé significa, na prática, gloriar-se do que Ele faz em nós e por meio de nós. Ele próprio no-lo diz repetidamente na Sagrada Escritura: Quem se gloria, glorie-se no Senhor.[4] Por isso gloriar-se em Deus é um dos modos, talvez o melhor, de Lhe agradecermos e de, assim, fortalecermos a filial comunhão que a Ele nos une. Como recorda Santo Agostinho, os crentes “fortificam-se acreditando.”[5]

É nesse contexto que o Santo Padre, para este Ano da Fé, manifesta a expectativa de que os cristãos, nos diversos âmbitos da sua vida eclesial, “encontrarão forma de fazer publicamente a profissão do Credo.”[6] Na nossa Diocese, irão ser disponibilizados meios para que cada um de nós possa tê-lo sempre à mão nas três fórmulas oficiais na Igreja: a do Símbolo dos Apóstolos (a mais antiga), a do Símbolo Niceno-Constantinopolitano (a mais elaborada) e a fórmula dialogada (usada na Vigília Pascal e nas celebrações do Batismo e do Crisma). Teremos assim a possibilidade de rezar o Credo com mais frequência (se possível diária), individual e coletivamente (em família, grupo ou comunidade). Façamo-lo como sugere Santo Agostinho: “O Credo seja para ti como um espelho! Mira-te nele, para ver se realmente crês em tudo o que defines como fé. E alegra-te cada dia na tua fé!”[7]

Tratando-se de símbolos ou sínteses das verdades fundamentais da nossa fé, e para que as possamos proclamar com a gratidão e o orgulho próprios de quem realmente crê, peço que se atenda ainda ao seguinte:

2. A fé que nos gloriamos de conhecer

A razão para este conhecimento é-nos indicada pelo Catecismo da Igreja Católica: “É inerente à fé o desejo do crente de conhecer melhor Aquele em quem se acreditou e de compreender melhor o que Ele revelou; um conhecimento mais profundo exigirá, por sua vez, uma fé maior e cada vez mais abrasada em amor.”[8] Trata-se de uma espiral idêntica à do amor entre as pessoas: quanto melhor conhecemos alguém que amamos, maior é o nosso amor por essa pessoa; e quanto mais a amamos, melhor a desejamos conhecer.

Daí que seja este um dos pontos em que o Papa mais insiste: a fim de celebrarmos “este Ano de forma digna e fecunda, deverá intensificar-se a reflexão sobre a fé, para ajudar todos os crentes em Cristo a tornarem mais consciente a sua adesão ao Evangelho, sobretudo num momento de profunda mudança como este que a humanidade está a viver.” Por isso, “descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada, e refletir sobre o próprio ato com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano.”[9]

Porque estamos conscientes deste compromisso, é na formação da fé que iremos apostar, através de algumas iniciativas já programadas e a programar. Das que têm uma dimensão diocesana, destaco em primeiro lugar as que se destinam ao Clero: as Jornadas de Formação Permanente, a realizar durante a Semana da Diocese e nas quais serão analisados o decreto conciliar Presbiterorum Ordinis sobre o Ministério e Vida dos Sacerdotes e outros documentos posteriores da Igreja que tratam do mesmo tema. Para refletirmos sobre as incidências das diretivas conciliares e pós-conciliares na vida pessoal, comunitária e pastoral dos sacerdotes na nossa Diocese, teremos dez Assembleias do Clero, uma por mês e em cada um dos Arciprestados. Queremos desta forma ajudar cada padre a ser realmente aquilo que, segundo S. Paulo, o identifica: um homem de Deus que, na sua vida e missão, combate o bom combate da fé.[10]

Concomitantemente prestaremos especial atenção à formação dos seus principais colaboradores nas três áreas da vida das comunidades paroquiais: a catequese, a liturgia e a ação sociocaritativa. Para tal, o Instituto Católico propõe-se colocar em ação, a partir do presente ano pastoral, além da Escola de Teologia e Ciências Humanas já em atividade há vários anos, mais três Escolas: a Escola de Ministérios (catequéticos, litúrgicos e caritativos), a Escola de Música Sacra e a Escola de Espiritualidade. Além da formação específica de cada uma, terão um tronco teológico comum, estruturado de acordo com o plano próprio do Catecismo da Igreja Católica.

E nisto não fazemos mais que seguir as orientações do Papa, quando diz: “Para chegar a um conhecimento sistemático da fé, todos podem encontrar um subsídio precioso e indispensável no Catecismo da Igreja Católica (…), um dos frutos mais importantes do Concílio Vaticano II. (…) Nele, de facto, sobressai a riqueza de doutrina que a Igreja acolheu, guardou e ofereceu durante os seus dois mil anos de história. Desde a Sagrada Escritura aos Padres da Igreja, desde os Mestres da teologia aos Santos que atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma memória permanente dos inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na doutrina, para dar certeza aos crentes na sua vida de fé.”[11]

Para a sua descoberta, saúdo outras iniciativas pensadas, não só para a divulgação do Catecismo, como sobretudo para a sua leitura pessoal e em grupos, nomeadamente pelos jovens que no Youcat encontram uma versão a eles adaptada.

3. A fé que nos gloriamos de celebrar, em especial na liturgia

É na liturgia que se alcança “o cume para o qual se dirige toda a atividade da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde provém toda a sua força.”[12] É nela que mais frequente e solenemente proclamamos o Credo, pelo qual, geralmente a seguir às leituras bíblicas, exprimimos a nossa fé como obediência (do latim obauditio) à audição (do latim auditio) da Palavra de Deus. “Obedecer (…) na fé é submeter-se à palavra escutada, por a sua verdade ser garantida por Deus, que é a própria verdade.”[13]

Mas “fonte e cume de toda a vida cristã”[14] é principalmente a Eucaristia, em cujo centro Jesus Cristo, o Filho Unigénito de Deus, nos oferece o seu “Corpo entregue por nós” e o seu “Sangue derramado por nós” – o principal “Mistério da Fé” – que acolhemos e contemplamos numa atitude de profunda adoração e num silêncio expressivo do respeito mais sagrado. E, depois de sacramentalmente O comungarmos, “tornamo-nos um com Deus, como o alimento com o corpo”, como disse S. Francisco de Sales a propósito da Sagrada Eucaristia.[15] Por esta e outras razões, a Eucaristia “é o resumo e a súmula da nossa fé: «A nossa maneira de pensar está de acordo com a Eucaristia; e, por sua vez, a Eucaristia confirma a nossa maneira de pensar».”[16]

Na nossa Diocese, o Ano da Fé será iniciado, a 14 de outubro, com a solene celebração da Eucaristia, à mesma hora (11 horas) e em cada um dos Arciprestados. Para que nela possa participar o maior número possível de fiéis, não haverá nesse Domingo, em toda a Diocese, outras celebrações eucarísticas, com exceção das vespertinas. Deste modo, reforçaremos também a comunhão que a todos nos une na mesma Igreja e que tem na comunhão do Corpo e Sangue de Cristo a sua fonte principal: Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, porque participamos desse único pão (1 Cor 10, 17).

Exige-se por isso um cuidado especial na preparação e realização, não só desta celebração eucarística, mas de todas as outras, ao longo do ano e mesmo em dias de semana. Evitemos tudo o que possa levar à sua banalização e instrumentalização, respeitando todas as orientações e normas da Igreja neste campo e, acima de tudo, a grandeza e beleza do mistério celebrado. Esperamos que as Escolas de Ministérios, de Música Sacra e de Espiritualidade, tal como o Encontro Diocesano de Liturgia ajudem a melhorarmos, ainda mais, a qualidade das nossas celebrações.

É tão grande o mistério celebrado na liturgia, em especial a eucarística, que, se for verdadeiramente apreendido, tem necessariamente de prolongar-se para além da celebração. Prolonga-se, primeiramente, em atos diretamente ligados a ela, como são a adoração eucarística fora da Missa e as procissões eucarísticas, ambas com grandes tradições entre nós e com um valor que está a ser (re)descoberto, designadamente por crianças e jovens.

Prolonga-se também noutras ocasiões e formas de oração que, como “relação viva com Deus”, tem na liturgia o seu lugar privilegiado e é, não só “a porta para a fé”[17], mas a própria fé em ação. Daí que S. Tiago lhe chame oração da fé (Tg 5, 15), uma oração cuja eficácia é indicada por Jesus: Tudo o que pedirdes na oração, acreditai que já o recebestes e assim vos sucederá (Mc 11, 24). É que, diz Ele ainda, tudo é possível a quem acredita (9, 23). É possível, porque no crente, que incondicionalmente se confia a Deus pela oração, passa a atuar o mesmo Deus, a quem nada é impossível (Lc 1, 37).

Dê-se, por isso, neste Ano da Fé, um lugar privilegiado a esta oração da fé, pessoal e comunitária, e ver-se-á como a promessa de Jesus de facto se realiza, nomeadamente em dois outros efeitos da comunhão com Deus assim vivida – a fé vivida na prática da caridade e a fé testemunhada:

4. A fé que nos gloriamos de viver pela prática da caridade

Se a fé nasce e vive do amor infinito que Deus tem por nós, ela só existe se atua pelo amor (Gal 5, 6). Consequentemente, a caridade é o barómetro da fé: Se alguém disser: “Eu amo a Deus”, mas tiver ódio ao irmão, esse é um mentiroso; pois aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê (1 Jo 4, 20). Ou, por outras palavras: a fé, se ela não tiver obras, está completamente morta (Tg 2, 17).

Mas, sendo verdade que a fé precisa das obras da caridade, também é verdade o inverso: “a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida.” Por isso, “fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra realizar o seu caminho.”[18]

Neste campo, temos de começar pela caridade entre nós cristãos, já que é ela que, conforme diz Jesus, nos identifica: Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros (Jo 13, 34-35).

Esta exortação é feita na última Ceia, um contexto que nos remete para a vivência da Eucaristia, e será com ela que, conforme referi atrás, iniciaremos o Ano da Fé. Que todos aqueles que nela participarem, o façam também como expressão do seu amor pelos irmãos na fé, como de resto sempre deve acontecer. Procure cada um estar presente, não apenas por aquilo que precisa de Cristo e dos outros, mas também pelo muito que, levado pelo amor de Cristo, lhes pode dar, com a sua presença ativa, com a partilha de carismas e bens, com a sua fé e oração, na certeza de que, quanto mais dá e se dá, mais recebe. Não será a caridade assim vivida que sentimos fazer falta em muitas das nossas celebrações?

Orientado por este mesmo objetivo de reforçar a consciência de comunhão eclesial, está estruturado o programa das já mencionadas Escolas de Ministérios, de Música Sacra e de Espiritualidade: é comum a todas elas a mesma formação teológica baseada no Catecismo da Igreja Católica. Isto é, também nelas se realizam as palavras de S. Paulo acerca da comunhão da Igreja, Corpo de Cristo: Há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo; há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum. E isto, porque nos movemos por aquele caminho de perfeição que ultrapassa tudo: o da caridade que não acaba nunca (1 Cor 12, 4-7.31; 13, 8).

Finalmente, e ainda em ordem à efetiva vivência da caridade e comunhão da Igreja que formamos, iremos todos, padres e fiéis-leigos, esforçar-nos, neste Ano da Fé, para que seja total e definitivamente implementada na nossa Diocese a Legislação para a Administração dos Bens Temporais da Igreja, recentemente publicada. Para isso, o Instituto Católico proporá algumas ações de formação específica, dirigidas particularmente aos membros dos Conselhos Paroquiais para os Assuntos Económicos. Será bom que nenhuma Paróquia perca esta oportunidade.

Todos sabemos que a caridade, identificativa da Igreja, não se pode limitar ao âmbito estritamente eclesial. Seus destinatários privilegiados são todos os carenciados, sem distinção de raça, nação ou religião.

Graças a Deus, já muito se faz por eles na nossa Diocese, pelo que podemos aplicar a nós as palavras do Santo Padre: “De facto, não poucos cristãos dedicam amorosamente a sua vida a quem vive sozinho, marginalizado ou excluído, considerando-o como o primeiro a quem atender e o mais importante a quem socorrer, porque é precisamente nele que se espelha o próprio rosto de Cristo.”[19] E se vemos neles o rosto de Cristo, não podemos amá-los apenas por um simples impulso humano, mas levados por aquela fé que, vivida na comunhão com Deus, garante um amor genuíno e persistente e não se contenta com a ajuda material, indo até às raízes sociais, morais e espirituais das carências humanas.

Para que se atenda a toda esta abrangência da caridade, chamo a atenção principalmente de organismos e entidades cristãs da nossa Diocese, como a Caritas, as Conferências de S. Vicente de Paulo e as Instituições de Solidariedade Social da Igreja, e apelo a que se aproveite a proposta que a Escola de Ministérios preparou para a formação de cristãos disponíveis para colaborar na pastoral da saúde. Convido ainda todos os que puderem a dar todo seu apoio à Peregrinação dos Débeis que irá realizar-se a nível diocesano.

5. A fé que nos gloriamos de testemunhar

Para S. Paulo esta é uma necessidade vital –  Ai de mim, se não evangelizar! (1 Cor, 9, 16) – que deriva da fé no Evangelho: Diz a Escritura: «Acreditei; por isso falei». Com este mesmo espírito de fé, também nós acreditamos e por isso falamos, sabendo que Aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também nos há de ressuscitar com Jesus e nos levará convosco para junto d’Ele (2 Cor 4, 13-14).

Daí que este testemunho de fé seja também “um ato de justiça que estabelece ou que dá a conhecer a verdade”[20] – a verdade do Evangelho (Col 1,5) de que vivemos e que tem de manifestar-se em nós.

Dado o seu conteúdo, testemunhar o Evangelho é finalmente um impulso da caridade: O amor de Cristo nos impele, ao pensarmos que um só morreu por todos (…), para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles (2 Cor 5, 14-15) – e, n’Ele, vivam para aqueles por quem Ele deu a vida, incluindo os que ainda não descobriram quanto Ele os ama.

E quantos desejam conhecê-l’O! Muitos, talvez inconscientemente. Escreve o Santo Padre: “Não podemos esquecer que, no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não reconhecendo em si mesmas o dom da fé, todavia vivem uma busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo. Esta busca é um verdadeiro «preâmbulo» da fé, porque move as pessoas pela estrada que conduz ao mistério de Deus. De facto, a própria razão do homem traz inscrita em si mesma a exigência daquilo que permanece para sempre.”[21]

Com base nisto, pensamos, neste Ano da Fé, organizar ocasiões de diálogo com os não crentes: em palestras, exposições de obras de arte, concertos musicais, representações teatrais, divulgação literária… Em muitos casos, inserindo-nos em iniciativas de ordem cultural que a sociedade civil nos proporcione e intervindo nos meios de comunicação social, sempre que nos disponibilizarem oportunidades de o fazermos.

Nisso, como em qualquer outra forma de inserção no espaço em que cada um de nós vive, o mais importante é que o nosso testemunho, para ser credível, tem que ser de amor. O conteúdo e a fonte da nossa fé é o amor de Deus; e este transmite-se na medida em que se pratica, nomeadamente para com aqueles a quem queremos e devemos falar de Deus e assim despertá-los para a fé. Neste amor de Deus, vivo em cada um de nós, se fundamenta e exprime a dimensão eclesial da fé:

6. Esta é a nossa fé: a fé da Igreja

Por ser “uma resposta livre à proposta de Deus que Se revela”, por esta razão, “a fé é aquilo que uma pessoa tem de mais pessoal.”[22] Daí que, nas suas três fórmulas, o Credo seja proferido na primeira pessoa do singular: “(sim) creio.”

No entanto, a fé “não é um ato isolado. Ninguém pode acreditar sozinho, tal como ninguém pode viver sozinho. Ninguém se deu a fé a si mesmo, como ninguém a si mesmo se deu a vida. Foi de outrem que o crente recebeu a fé; a outrem a deve transmitir. (…) Cada crente é, assim, um elo na grande cadeia de crentes. Não posso crer sem ser amparado pela fé dos outros, e pela minha fé contribuo também para amparar os outros na fé.”[23]

Por outras palavras: “Recebemos a fé da Igreja e vivemos em comunhão com todas as pessoas com quem partilhamos a nossa fé.”[24] Sentimos isso, sobretudo quando, na sua proclamação, unimos a nossa voz à de outros participantes na mesma assembleia litúrgica. E talvez o sintamos ainda mais, quando nessa assembleia estão pessoas de línguas diferentes e cada uma diz “(sim) creio” na sua própria língua. Então compreendemos melhor a Palavra de Deus transmitida por S. Paulo: Há um só Corpo e um só Espírito, como há uma só esperança na vida a que fostes chamados. Há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo. Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, atua em todos e em todos Se encontra (Ef 4, 4-6).

Procuremos, no Ano da Fé, reforçar esta unidade eclesial, na consciência de que cada um de nós é membro de uma mesma comunidade cristã, na sua Paróquia que, por sua vez, pertence a uma Diocese e esta faz parte de uma só Igreja de Jesus Cristo. Esse é um dos objetivos da maior parte das atividades programadas a nível diocesano, com realce para duas: a Eucaristia de Abertura, na qual, para acentuar a comunhão eucarística vivida à mesma hora em toda a Diocese, será lida uma mensagem que irei dirigir a todos os diocesanos, como seu Bispo; e a Assembleia Diocesana conclusiva, a realizar a 24 de novembro de 2013, o Domingo no qual, em comunhão com toda a Igreja e na mesma fé à escala mundial, celebraremos a Solenidade em que todos os cristãos reconhecem e proclamam Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo. Deste modo,

7. A nossa fé será ainda mais, e fundamentalmente, Cristo em nós

A expressão “Cristo em nós”, que faz parte do lema para o Ano da Fé na nossa Diocese, inspira-se no título da Carta Pastoral “Cristo em Vós: a Esperança da Glória” que escrevi há um ano, isto é, no início do segundo após a minha entrada nesta Igreja diocesana que o Senhor me deu a graça de dirigir como Bispo.

Conforme escrevi na introdução, a Carta visa ajudar cada leitor a encontrar-se pessoalmente com Cristo – um encontro que, segundo palavras do Papa Bento XVI aí citadas, está “no início do ser cristão” e “dá à vida um novo horizonte e, desta forma, um rumo decisivo.” É exatamente esse, o mesmo objetivo que o Santo Padre, com grande insistência, volta a propor como caminho para o Ano da Fé: “fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo.”[25]

Por isso a minha Carta Pastoral, como proposta desse mesmo caminho da fé, ganha ainda mais atualidade. Até porque, mais do que uma simples e única leitura, importa percorrer, pessoal e repetidamente, o itinerário que nela proponho. Mais: todas as iniciativas, já em curso ou ainda propor, para a renovação e revitalização da vida cristã na nossa Diocese, só serão possíveis e terão pleno sentido se tiverem como fundamento e nelas se concretizar a fé que nos une a Deus, em Jesus Cristo Nosso Senhor, isto é, com Cristo em nós, como cristãos e sua Igreja.

Nesse caso, proclamar: “Esta é nossa Fé: Cristo em Nós” pode ser visto como uma exclamação de fé – a fé com que aderimos ao Evangelho que Deus, por meio do seu Apóstolo S. Paulo, nos resume e anuncia com as palavras: “Cristo em vós: a Esperança da Glória.”[26] Queira Deus que assim seja.

Coloquemos o olhar nos muitos “exemplos de fé” que o Santo Padre nos propõe como modelos e incentivo para a nossa vivência do Ano Fé.[27]

Contemplemos em primeiro lugar, e até por ser também a padroeira principal da nossa Diocese, Santa Maria que, pela graça divina e a sua total adesão de fé à Palavra do Anjo como escrava do Senhor (Lc 1, 38), se tornou Mãe de Deus e nossa Mãe. Por isso ela foi tão feliz: porque acreditou (1, 45).

Acolhamos também o exemplo dos outros dois padroeiros desta Diocese que percorreram o mundo semeando a fé da Igreja: São Teotónio e o Bem-aventurado Bartolomeu dos Mártires. O primeiro iniciou na nossa Diocese a sua caminhada de fé, o segundo aqui a terminou e aqui está sepultado.

Que todos eles, juntamente com os padroeiros das nossas comunidades paroquiais, nos protejam, neste Ano da Fé, com a sua intercessão junto de Deus!

Viana do Castelo, 8 de setembro de 2012, Festa da Natividade da Virgem Santa Maria

 

† Anacleto Oliveira – Bispo de Viana do Castelo

 

http://www.diocesedeviana.pt/resources/Ano-da-Fe/Nota-Pastoral2012-WEB.pdf

 


[1] Bento XVI, Carta Apostólica A Porta da Fé, n. 4.

[2] Catecismo da Igreja Católica, n. 179.

[3] Youcat – Catecismo Jovem da Igreja Católica, n. 21.

[4] 1 Cor 1,31; 2 Cor 10, 17, com a citação de Jer 9,23.

[5] Citação de Bento XVI, A Porta da Fé, n. 7.

[6] Ibidem, n. 8.

[7] Citação do Youcat, p. 29.

[8] Catecismo da Igreja Católica, n. 158

[9] Bento XVI, A Porta da Fé, n. 8 e 9.

[10] 1 Tim 6, 11.12. A expressão Homem de Deus é aplicada no AT aos que recebem um encargo divino e por S. Paulo (também em 2 Tim 3, 17) a quem é ordenado para dirigir uma comunidade cristã.

[11] Bento XVI, Porta da Fé, n. 11.

[12] II Concílio do Vaticano, Constituição Sacrosanctum Concilium, n. 10.

[13] Catecismo da Igreja Católica, n.º 144. A expressão obediência de fé aparece em Rom 1, 5 e 16, 26.

[14] II Concílio do Vaticano, Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 11.

[15] Citação do Youcat, p. 125.

[16] Catecismo da Igreja Católica, com uma citação de S. Irineu.

[17] Youcat, n. 469.

[18] Bento XVI, A Porta da Fé, n. 14.

[19] Ibidem, n. 14.

[20] Catecismo da Igreja Católica, n. 247, onde se acrescentam as palavras do Decreto Ad Gentes do II Concílio do Vaticano: “Todos os fiéis cristãos, onde quer que vivam, têm obrigação de manifestar, pelo exemplo de vida e pelo testemunho da palavra, o homem novo de que se revestiram pelo Batismo e a virtude do Espírito Santo com que foram robustecidos na Confirmação.”

[21] Bento XVI, A Porta da Fé, n. 10.

[22] Catecismo da Igreja Católica, n. 166, e Youcat, n. 24.

[23] Catecismo da Igreja Católica, ibidem.

[24] Youcat, ibidem.

[25] Bento XVI, A Porta da Fé, n. 2; vejam-se ainda os n. 6, 7, 8, 11, 13 e 15.

[26] Em Col 1, 27.

[27] Bento XVI, A Porta da Fé, n. 13.

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