Natal alentejano

O Alentejo, a mais descristianizada das regiões portuguesas, não deixa de ter formas notáveis de religiosidade nesta quadra. Na época de Natal, o canto ao Deus menino nas “palhas deitado” anima terras alentejanas, havendo ainda casos de “presépios vivos” e a representação de autos de Natal. A colocação de um madeiro de grandes proporções na principal praça das localidades é uma prática que insiste em permanecer. Fronteira e Barrancos são dois dos locais onde tal se verifica, mas um pouco por todo o Alentejo o madeiro ‘teima’ em aparecer. Em certas localidades do distrito de Évora a matança do porco é feita, antes do Natal, para se assegurar o abastecimento da missadura (Consoada). À mesa cabe sempre a carne do porco, confeccionada de variadas formas. Instrumentos musicais típicos desta zona, nomeadamente a zabumba, (instrumento de percussão feito com um cântaro de barro, cuja boca é tapada com uma pele de borrego), aparecem timidamente em algumas Missas do Galo. Em Moura, há poucos anos, a zabumba ainda tocou na Igreja de S.João Baptista. Tradição que se tem perdido é o beijar o Menino nas casas dos particulares. Actualmente o pároco e o sacristão já não levam a imagem aos montes e casas dos que por alguma razão não podem sair. Agora, quem quiser fazê-lo terá que se deslocar à igreja. Música O tributo ao Deus menino “em palhas deitado” é conhecido de todo o país: Eu hei-de dar ao Menino/Uma fitinha p’ró chapéu/E Ele também me há-de dar/Um lugarzinho no Céu… Olhei para a céu/Estava estrelado/Vi o Deus Menino/Em palhas deitado. Em palhas deitado/Em palhas esquecido/Filho de uma rosa/Dum cravo nascido Estas palavras disse a Virgem/Ai quando nasceu o Menino/Ai vinde cá meu anjo loiro/Meu sacramento divino Outro contributo incontornável do Natal Alentejano para a vivência da quadra em todo o Portugal é o “Natal de Évora”: O Menino está dormindo/Nas palhinhas despidinho/Os anjos lhe estão cantando:/Por amor, tão pobrezinho. O Menino está dormindo/Nos braços de S. José/Os anjos lhe estão cantando:/Gloria tibi, Domine. O Menino está dormindo/Nos braços da Virgem pura/Os anjos lhe estão cantando:/Glória a Deus lá nas alturas. O Menino está dormindo/Um sono de amor profundo/Os anjos lhe estão cantando:/Viva o Salvador do mundo O madeiro de Natal O madeiro é aceso na chaminé de todas as casas, onde o Menino Jesus coloca os brinquedos no sapatinho. Nos largos das vilas, aldeias ou cidades, e nos adros das igrejas são queimadas quase árvores inteiras na fogueira que aquece a noite de natal. Diz quem vive este Natal que o lume da chaminé é para o menino se aquecer quando vier pela noite dentro recompensar as crianças por se terem portado bem e terem ajudado a fazer o presépio. Vai-se buscar a lenha onde a houver sem necessidade de qualquer autorização: diz-se que é para “aquecer o Menino Jesus” e basta. A notável propensão do povo alentejano para a música fixou estas tradições em quadras: O Menino vai à lenha/Espetô-le um pico no pé/Chamou Nossa Senhora/ Respondê-le Sã José. Ó mê Menino Jesus/Encostado ó madêro/Ê vos dô a minh’alma/Fazei dela o travessêro Presépios e Roncas Os bonecos de Estremoz, em barro cozido e polícromo, dão vida a um dos presépios mais conhecidos do país, com várias figurinhas profano-religiosas. Ainda hoje prestigiados artesãos ceramistas e barristas continuam a concebê-los num estilo muito próprio, numa diversidade de modelos, dimensões e cores. Os presépios caseiros davam origem a visitas às casa na vizinhança. Em Elvas era habitual entoarem-se cânticos natalícios acompanhados pela “Ronca”, um instrumento semelhante à zabomba espanhola. Este instrumento pode ser feito de uma panela de barro, cântaro de lata ou de um pote.A ronca leva uma pele a tapar a boca do recipiente, no centro da qual há uma cana. A qualidade da pele é muito importante por causa do som. Por isso se usam peles de cabra ou borrego, e ainda de bexiga de porco. A Missadura Da preparação da mesa para a véspera de Natal fala-nos longamente o livro “Etnologia do Natal Alentejano”, (PESTANA, M. Inácio, Portalegre 1978). Em algumas terras do distrito de Évora, tanto quanto é possível, faz-se a matança do porco antes do Natal, para se assegurar o abastecimento da “missadura”. Esta missadura (Consoada) ocorre em cada lar logo a seguir à missa do galo e na sua ementa inclui-se toda a variedade de carne de porco. A Consoada é a seguir à Missa de Natal porque até lá o que se come propriamente ao jantar do dia 24 de Dezembro nas casas alentejanas é a sopa de cação, pescada frita, bacalhau, ou outro peixe, acompanhado com batatas, couve-flor ou grelos. Esta regra tem a ver com o antigo preceito da abstinência, que embora já não exista na liturgia ainda é respeitada por muitos. “Quem não jejua dos Santos ao Natal, ou é besta ou animal”, dizia um velho ditado popular.

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Agência ECCLESIA

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