Musicalmente: porque a Música penetra mais fundo na alma humana

A cultura grega, matriz da identidade cultural europeia ocidental, usava a Música como um dos pilares estruturantes do seu sistema educativo, para além da ginástica. Mas têm origem muito anterior aos Pitagóricos as práticas musicais que ainda hoje se observam sem excepção em todos os povos do planeta. Seja nas liturgias das principais religiões – que criaram todas elas uma linguagem musical própria – nos ritos de passagem, nos momentos de lazer ou de celebração, na publicidade e no marketing, em civilizações distantes no tempo ou no espaço, em sociedades ricas ou do terceiro mundo, a Música está sempre presente. Porquê? Pergunta Platão no 3.º livro da sua República. A resposta é clara e imediata: porque esta penetra mais fundo na alma humana. Mas o som e a Música não são somente opções das sociedades, são também uma escolha biológica. Talvez porque vivemos numa civilização das imagens e dos olhares, escapa-nos que na evolução dos corpos que somos e habitamos o som tem primazia às imagens. Repare-se que os olhos têm pequenas portadas que lhes permitem descansar enquanto os ouvidos estão sempre abertos. O nosso Programador deixou que esta função do olhar pudesse ser interrompida temporalmente enquanto os sons estão permanentemente a ser processados. Ouvimos a dormir o que ouvimos acordados. E se atendermos ao facto do nosso sistema auditivo estar completamente acabado ao 4.º mês de gestação enquanto um recém-nascido ainda distingue somente contornos e contrastes, percebemos o quanto os sons importam ao ser humano. Mas se a audição é o primeiro sentido acabado, tudo indica que será igualmente o último que o ser humano processa. Já num estado terminal, o corpo não reage ao tacto ou à visão, mas ainda se processa som no seu cérebro. De resto, quem já experimentou uma anestesia geral sabe que o último sentido a perder é a audição, e o primeiro a recuperar é igualmente a audição. É pois anterior à consciência este lugar que os sons ocupam nas nossas vidas. E os sons quando pensados e organizados elevam-se a uma outra dimensão, a da Música. Que nos embala e irrita, que nos vende automóveis e anuncia amigos do outro lado dos telemóveis, que compramos em rodinhas brilhantes ou bilhetes de sala, mas que definitivamente nos acompanha em todas as circunstâncias pessoais e profissionais ao longo de toda a nossa vida. E se saber Música nada tem que ver com o conhecimento de uma qualquer notação, fazer Música também não é sinónimo de tocar um instrumento musical. São muito mais os músicos que não tocam instrumentos e não sabem ler uma pauta dos que os outros. Porque a Música não é feita essencialmente de sons, mas de ideias. Por isso nos importa partilhar a Música como uma dimensão que interpreta, transfigura e nos apresenta o mundo em que vivemos e nós próprios, e não somente como um caixote de discos ou partituras, que também é. A canção de embalar que a mãe ternamente canta para o bebé aninhando-o no seu colo e olhando-o nos olhos é Música de um nível tão elevado quanto a mais complexa sinfonia de Mahler. A ténue pulsação que um dedo de um idoso acamado teima em fazer no lençol enquanto à sua beira se canta uma música do seu tempo da juventude pode ter um nível performativo superior à técnica que o aluno de piano faz numa audição do seu conservatório. E quando um recluso irrompe em lágrimas por ter acabado de cantar junto à porta da sua cela algumas árias de Mozart, fruiu certamente os sentimentos que o D. Giovanni evoca num nível tão intenso quanto o público de São Carlos depois de uma produção de luxo. E aqueles para quem as palavras não existem, ou porque o seu corpo os impede de verbalizar, ou porque a sua mente as não admite, têm nas estruturas rítmicas e melódicas uma porta com o mundo e com os outros. Porque será que o gago quanto canta perde a gaguez? O som transporta as palavras para um outro domínio bem mais complexo e poderoso. E porque ouvimos os nossos avós dizerem que quem canta reza duas vezes? Porque os sons vindo de mais de dentro também voam para mais alto. E porque diz o povo que quem canta seus males espanta? Porque a Música penetra mais fundo na alma humana. Paulo Lameiro http://samp.pt/content/view/158/ Novas Primaveras: Programa de Música Teatro e Dança para idosos http://samp.pt/content/view/155/2/ Ópera na Prisão: Programa de Musicoterapia em contexto prisional http://samp.pt/content/view/14/32/ Berço das Artes: Plano de estudos para famílias com bebés http://www.concertosparabebes.com Concertos para Bebés: Programa de fruição musical para bebés http://samp.pt/content/view/16/34/ Musicoterapia: programas de sensibilização e formação da Escola de Artes SAMP

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top