Luísa Gonçalves, Diocese do Funchal
Quando era pequena lembro-me de quão tristes eram os dias que antecediam a Páscoa. Especialmente a sexta-feira! Era um dia que parecia nunca mais ter fim. Na minha casa, mas especialmente na casa dos meus avós paternos, a avó e as tias tratavam de ter tudo limpo e arrumado antes do meio-dia.
A partir dessa hora, o silêncio tomava conta das casas. Não raras vezes, o céu ficava negro e chovia. Estavam reunidas as condições para a avó Mariazinha falar do que se estava a passar com Jesus e contar episódios de pessoas que tentaram desafiar “o divino”, como ela dizia, mas que se deram mal. Um desses episódios relatava o caso de uma mulher que tinha insistido em cozer milho – prato típico da culinária madeirense – e este não só não ficou com a consistência que devia, como ficou todo manchado de sangue.
O sábado já era um dia mais leve. Depois do meio-dia, então, era um instante para o tempo passar. Ao fim da tarde já se começava a preparar o almoço do dia seguinte que, pelos ingredientes, não tínhamos dúvidas seria de festa. E era!
No domingo, o avô Brinquinho, sobrenome e não alcunha, recebia os filhos e os netos em casa. O silêncio dava lugar à alegria. Eu que morava ali mesmo ao lado ansiava pelo momento em que com os netos numa rodinha, o avô distribuía os sacos de amêndoas da Casa Santo António, a única fábrica que na ilha as fazia e ainda faz.
Eram tão grandes que nos faziam parecer hamsters com a comida armazenada num canto da boca. Eu sabia que as minhas não podiam faltar porque tinha jogado com o avô ao ‘balamento’ – os jogadores tentam-se antecipar uns aos outros dizendo a palavra balamento e quem mais vezes a disser ganha – e eu tinha ganho.
Claro que também íamos a todas as celebrações religiosas. Lembro-me de não gostar, mesmo nada, quando a minha mãe me levava a ver o Senhor morto. Era invadida por uma tristeza que me levava às lágrimas e que não sabia explicar. Só mais tarde, consegui perceber: o Senhor era o Filho de Deus que deu e dá a vida por nós.
Mas a morte não foi o suficiente para derrotar Jesus. E então Ele ressuscitou! Era este o grande motivo da nossa alegria. Para já, perceber isto bastava. Claro que, com o andar do tempo, fomos entendendo melhor o significado da morte na cruz daquele que, ao contrário de nós, não cometera qualquer pecado.
Fomos percebendo que ao aceitarmos Jesus Cristo como nosso Salvador, também vamos ressuscitar com Ele e receber a vida eterna. A morte pode ser assustadora, mas depois vem a recompensa de uma eternidade de alegria junto de Deus!
Mas no mundo de hoje, onde ainda grassa o egoísmo, a ganância, a fome e a guerra, Jesus tem de voltar a viver uma e outra vez o seu sofrimento e morte. E nós, como Ele, somos obrigados a morrer e a ressuscitar todos os dias. Pelo menos enquanto não nos deixarmos transformar verdadeiramente, enquanto houver fome e guerra, ganância e egoísmo.
Luísa Gonçalves, jornalista