Relatório da Fundação AIS sublinha impacto dos ataques contra populações civis
Lisboa, 22 jun 2023 (Ecclesia) – A violência jihadista em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, colocou o país na classificação mais grave de violações à liberdade religiosa no mundo, no relatório publicado hoje pela fundação pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (AIS).
“Os ataques de insurreição aumentaram em Moçambique por parte de um grupo jihadista filiado no Daesh chamado Ahlu Sunnah wa Jama’a (ASWJ) – conhecido localmente como Al-Shabaab (sem relação com o Al-Shabaab, filiado da Al-Qaeda na Somália) e internacionalmente como IS-Moz”, indica o documento, enviado à Agência ECCLESIA.
O território moçambicano é identificado como um dos países em que a situação da liberdade religiosa piorou, no período em análise – entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022 – e integra o elenco de 28 Estados “marcados a vermelho”, como nações que se “transformaram, de alguma forma nos locais mais perigosos do mundo para a prática livre da religião”.
Esta categoria aborda situações de perseguição, crimes de ódio e violência desencadeada por motivos religiosos, representando 14% dos 196 países sob análise no Relatório 2023 sobre a Liberdade Religiosa no Mundo.
O documento cita um relatório do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, segundo o qual o IS-Moz conta com “pelo menos 1000 militantes” que tentam capturar Cabo Delgado para estabelecer “um regime islâmico separatista”.
“Os incidentes violentos registados em 2022 – assassinatos, raptos, pilhagens e destruição de propriedade – aumentaram 29%”, adverte a AIS.
Estes ataques foram significativos, uma vez que a violência foi principalmente dirigida contra civis (cristãos e muçulmanos), representando 66% de todos os eventos violentos, mais do que em qualquer outra região do continente. Até à data, mais de um milhão de pessoas estão deslocadas internamente.
O relatório precisa que a concentração da atividade jihadista é “especialmente evidente na região do Sahel, em torno do Lago Chade, em Moçambique e na Somália”, acrescentando que a mesma está a alastrar-se para os países vizinhos.
No início da última semana, o bispo de Pemba apelou para que o governo moçambicano “decrete luto”, face às notícias que dão conta de mais de 1350 mortos no “massacre” de Palma, em 2021
O ataque terrorista de 24 de março de 2021 teria provocada dezenas de mortes, segundo as autoridades locais, mas uma investigação do jornalista norte-americano Alex Perry aponta para números muito superiores.
D. António Juliasse, bispo de Pemba, citado pela Fundação AIS, diz que a confirmarem-se esses números, “houve um massacre” e o governo deve decretar “luto nacional”.
A 9 de junho, durante a homilia da Missa de encerramento da formação permanente dos missionários, o responsável católico deixou votos de que a população possa chorar e homenagear os seus mortos.
“Se os dados não são refutáveis, então nós tivemos aqui em Cabo Delgado um massacre que ninguém mencionou antes. Somadas as outras mortes desta guerra, são milhares de famílias a quem não se prestou condolências”, referiu D. António Juliasse.
O bispo de Pemba, que é também presidente da Comissão Episcopal de Justiça e Paz de Moçambique, afirmou ainda esperar que o governo se pronuncie sobre a investigação do jornalista norte-americano.
“Espero que o governo se dê ao trabalho de confirmar os dados divulgados, faça o reconhecimento público do sucedido e, se aplicável, decrete simbolicamente um momento de luto nacional para que os moçambicanos chorem por outros moçambicanos barbaramente massacrados em Palma”, sustentou.
Para o responsável católico, é necessário criar “memória coletiva de forte repúdio a atos deste tipo”.
A informação que a Diocese de Pemba enviou à Fundação AIS esclarece ainda que, segundo o relatório publicado pelo jornalista Alex Perry, responsáveis governamentais e da empresa petrolífera no local “omitiram os dados” referentes à verdadeira dimensão do ataque.
OC