Moçambique: Padre Ézio Toller tem 55 anos de missão partilhada «com a vida difícil do povo»

Missionário italiano esteve sequestrado cerca de três meses e meio durante a guerra civil

Foto Cruz Vermelha Portuguesa, Moçambique, Beira, Praia Nova, depois do ciclone Idai

Lisboa, 21 mar 2019 (Ecclesia) – O padre Ézio Toller, missionário italiano da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos), dedica-se há 55 anos a “partilhar a vida difícil do povo” de Moçambique, que vive agora a catástrofe depois do ciclone Idai.

“Onde estava o ciclone deu alguns sinais, ventania forte, também bastante chuva, porém não foi tanto como a cidade da Beira, que foi muito atingida. Agora estamos a ouvir os grandes desastres e estão a prever ainda mais, com chuvas e as descargas das barragens, há muito perigo”, referiu à Agência ECCLESIA.

De passagem por Lisboa, o padre Ézio Toller realça que está “habituado a estar em Moçambique” para onde quer “regressar” depois de “um pouco de férias” em Itália.

“Como cada povo tem a sua história. Uma história com tantos períodos de paz e de guerra: 16 anos de guerra, antes 10 anos de guerra no tempo colonial”, contabilizou.

O missionário italiano recorda “momentos muito difíceis” também existiram “momentos de uma certa calma”, numa vida que tem sido participada e partilhada com o povo moçambicano.

“Podíamos ter deixado tudo e ir aos lugares mais cómodos, mas aceitamos partilhar com o povo. A nossa vida de missionários é mesmo estar com o povo, partilhar a vida difícil do povo; entregamos a nossa vida para estar junto com o povo, manifestar a nossa união”, afirmou.

Padre Ézio Toller; Foto Agência Ecclesia/MC

O o religioso explica que agora a Igreja Católica em Moçambique “tem bastante pessoal” natural do país lusófono, “a maioria” numa Igreja que “está a crescer”, o que “é bom sinal”, também pelo “trabalho missionário feito nos anos anteriores”.

“Como cristãos estão a aumentar, os sacerdotes e religiosos e religiosas também, os bispos são quase todos moçambicanos. A Igreja está ao serviço do povo, não é o povo que está ao serviço da Igreja, ajuda o povo a ter sentimentos de convivência com todos, com todas as situações políticas”, analisa.

Neste âmbito, realça que o povo “tem esta consciência que a Igreja fez muito, trabalhou muito, e continua a trabalhar”, ao lado das pessoas, e defende os seus “direitos naturais e religiosos”.

Nesta partilha de 55 anos de vida em Moçambique, o padre Ézio Toller lembra que 1986 foi prisioneiro dos guerrilheiros da Renamo, os “bandidos armados” como “eram chamados”, que ocupavam “quase todos o território” onde vivia com mais dois missionários na missão de Mualama, e tinham a cerca de dois quilómetros “um grupo de soldados do Governo”.

“Três vezes de manhã, muito ced,o os guerrilheiros começavam a disparar, durante uma hora e meia, depois ficavam em silêncio escondidos de baixo das árvores, e da casa víamos cabeças no capim. Vinham à nossa casa, estavam cansados, deitavam as armas na varanda e pediam comida”, conta o entrevistado.

“Num sábado devíamos ir visitar as comunidades cristãs e pelas 04h00 da manhã ouvi bater forte na porta. Vi pela janela que a casa estava cercada pelos guerrilheiros; 15 minutos depois começamos a caminhada que calculei em 700 quilómetros, 15 horas por dia”, recorda.

A caminhada terminou numa “última grande base, onde havia talvez 1000 guerrilheiros”, onde foram entrevistados por uma jornalista americana que divulgou a prisão dos religiosos, que durou três meses e meio; foram depois entregues à Cruz Vermelha Internacional no Maláui, regressando a Maputo num “avião do Governo”.

“Tínhamos medo de ir a Maputo, podiam julgar-nos amigos da Renamo, dos guerrilheiros”, assinala, contando que quem os recebeu no Ministério dos Negócios Estrangeiros, e lhe deu um abraço, foi Pedro Afonso Comissário (embaixador em Portugal entre 1996 e 2001), a quem deu aulas no seminário em Lourenço Marques.

Os Dehonianos estão em Moçambique há 72 anos; o missionário italiano, nascido em Trento, esteve no Colégio Missionário, na Diocese do Funchal, durante dois anos, entre 1958-1960, antes de ruma a África.

“Alguma coisa foi feita, Deus é que sabe. A nossa presença é reconhecida, lembram-se dos missionários antigos, como agora dos missionários naturais de Moçambique”, assinalou o padre Ézio Toller.

Padres Aldo Marchesinio e Ézio Toller; Foto Agência Ecclesia/MC

Os missionários, explica, estão “empenhados” em atividades religiosas e sociais”, que fazem parte do carisma de Dehonianos, “e o povo reconhece”.

“O trabalho do padre médico – sacerdote Aldo Marchesini – reconhecido oficialmente; Nas escolinhas tantas atividades, e também temos a escola de arte e ofícios com todas as atividades sociais, como mecânica, carpintaria, informática”, concluiu o padre Ézio Toller.

CB/OC

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top