Moçambique: Cabo Delgado parece «um cenário de um filme de terror»

«A sensação é que a província de Cabo Delgado não pertence a Moçambique», afirma a irmã Mónica da Rocha que acolhe refugiados em Lichinga

Lichinga, Moçambique, 31 mar 2021 (Ecclesia) – A irmã Mónica da Rocha, das Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima (IRNSF), afirma que Cabo Delgado parece “um cenário de um filme de terror” e alerta para as necessidades das pessoas que se refugiam em Lichinga, a 454 quilómetros.

“Sinto revolta e impotência perante esta realidade. Revolta porque considero que há muito se poderia ter acabado com esta guerra tão cruel e sem sentido, a começar pelo próprio governo que internamente se mantém em silêncio e passa uma mensagem ao povo de que tudo está bem e sob controlo”, revela a religiosa natural de Arouca num testemunho enviado à Agência ECCLESIA.

Segundo a irmã Mónica da Rocha, a sensação é que a “província de Cabo Delgado não pertence a Moçambique”, porque nas notícias nacionais “pouco ou nada é relatado” sobre a situação em Cabo Delgado, e os jornalistas que iam denunciando algumas situações “foram ameaçados ou desapareceram”.

Os conflitos armados na região de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, provocaram mais de 700 mil deslocados e de duas mil mortes e estão na origem de uma crise humanitária que se vem agravando desde 2017.

A Congregação das Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima (IRNSF) está em Lichinga, na província do Niassa, desde outubro de 2001, a 454 quilómetros de Cabo Delgado onde chegam pessoas que fogem aos ataques armados.

“Eles vieram de repente e fugimos todos de casa, só tivemos tempo de esconder na pocilga dos porcos, mas, nem todos conseguimos. Os que foram apanhados foram cortados aos bocados para que os que estavam escondidos acabassem por aparecer mas conseguimos ficar em silêncio”, disse um grupo de sobreviventes.

A religiosa portuguesa, que está há três anos em Lichinga, sente “impotência” ao ouvir os relatos e ver o sofrimento de quem ajuda e partilhou alguns testemunhos.

“Tocaram o sino da igreja e as pessoas saíram de casa e reuniram-se no meio da aldeia, como costumavam fazer quando era preciso dar alguma informação importante. Eles mandaram as crianças embora e pegaram fogo às pessoas que não fossem muçulmanas e quem tentava fugir era morto a tiro”, acrescentaram.

A irmã Mónica da Rocha contextualiza que quando começaram a chegar os deslocados, o governo criou alguns centros de apoio e campos com tendas mas esses espaços tornaram-se insuficientes e muitas pessoas foram acolhidos nos bairros.

A missão da Congregação das Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima em Lichinga é composta por duas religiosas e quatro jovens aspirantes e recebem cerca de 160 crianças em idade pré-escolar, auxiliam na pastoral paroquial mas, por causa da pandemia Covid-19, há mais de um ano que a “escolinha” está fechada e não têm atividades na paróquia e na comunidade envolvente.

Um ataque em Palma, no último dia 24, provocou dezenas de mortes, segundo o Ministério da Defesa moçambicano; o autoproclamado ‘Estado Islâmico’ reivindicou na segunda-feira o controlo da vila, junto à fronteira com a Tanzânia.

O pároco, o padre António Chamboco, que não estava em Palma na altura do ataque, adiantou que tem poucas informações sobre os cristãos e não sabe se a igreja e a casa paroquial foram destruídas.

“Sobre os cristãos, tenho algumas notícias a partir das pessoas que foram resgatadas e já chegaram a Pemba. Um coordenador respondeu nas proximidades da fronteira com a Tanzânia, o outro fugiu para Nangade; Dos outros cristãos não se sabe quase nada”, desenvolveu em declarações à Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), enviadas hoje à Agência ECCLESIA.

CB/PR

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