Moçambique: Bispos de África Austral criticam violência sobre população e pedem que «bem comum» prevaleça sob «interesses particulares, partidários e de grupo»

Conferências dos Bispos Católicos da África Austral apelam ao respeito pelo «descontentamento» e pelas «manifestações pacíficas» do povo moçambicano

Foto: Lusa/EPA

Cidade do Cabo, 08 nov 2024 (Ecclesia) – Os bispos da África austral afirmaram-se “chocados e entristecidos” com a violência das “forças de segurança” perante protestos “pacíficos” do povo moçambicano e criticam o governo sul-africano por “certificar as eleições” sem escutar a voz do povo.

“Lamentamos a decisão do nosso governo na África do Sul de certificar as eleições apesar das queixas generalizadas e a sua rapidez em felicitar um partido que ‘ganhou’ quando as populações no terreno sentem que as suas vozes não foram ouvidas. Será difícil continuar a reprimir a vontade de pessoas que querem ser livres. Se o atual governo continuar nesta via, será impossível governar o país e a vida tornar-se-á mais miserável”, pode ler-se num comunicado enviado à Agência ECCLESIA.

A Conferência dos Bispos Católicos da África Austral sublinha o “princípio básico da Doutrina Social da Igreja Católica” que leva ao dever de todas as partes colocarem “o bem comum acima de todos os interesses particulares, partidários e de grupo”.

“Ficámos muito chocados e entristecidos ao assistir à dura repressão das forças de segurança em resposta a um protesto tão pacífico. Rezamos por aqueles que morreram devido aos efeitos da violência e desejamos uma recuperação rápida aos que ficaram feridos”, afirma o comunicado.

Os bispos de África do Sul, Botswana e Suazilândia fazem eco da mensagem gravada em vídeo pelo arcebispo de Maputo, D. João Carlos Nunes, onde apela “à contenção e ao respeito pelo direito de manifestação e à abstenção de destruição de património público e privado”.

“Juntamo-nos a Vossa Excelência no seu apelo à Nação para que «tenha a coragem de dialogar, apure os resultados das eleições de forma transparente, publicando e comparando os editais originais detidos pelos diferentes atores, crie espaços de colaboração na governação e pondere um possível governo de unidade nacional; envolva instituições competentes e sérias do país na gestão dos processos eleitorais, presentes e futuros; e dê a Moçambique um futuro de esperança»”, esclarecem no comunicado.

A população moçambicana tem procurado as ruas da capital para manifestar o seu descontentamento face aos resultados do processo eleitoral, apresentados a 24 de outubro, que indicaram o candidato da Frelimo, Daniel Chapo, como vencedor das eleições gerais realizadas a 9 de outubro.

A Conferência Episcopal de Moçambique havia já apelado, a 22 de outubro, à “coragem para o diálogo” e para a importância de repor a verdade dos factos, perante indícios de “fraude grosseira” nas eleições de 9 de outubro.

O candidato Venâncio Mondlane que, segundo a Comissão Nacional de Eleições ficou em segundo lugar, não reconhece os resultados e convocou uma semana de manifestações e paralisações em todo o país, apelando à marcha rumo à Maputo.

Os bispos de África Austral manifestam a sua desilusão perante a esperança que tinham em que as eleições “dessem início a uma atmosfera democrática pacífica”, encerrando a “violência e do sofrimento que afeta as pessoas comuns” de Moçambique.

“Ficámos muito tristes ao ler a vossa declaração divulgada a 22 de outubro de 2024: «Mais uma vez, houve fraude em grande escala, como o enchimento de urnas, avisos falsos e muitas outras formas de encobrir a verdade. As irregularidades e as fraudes, em grande parte cometidas impunemente, reforçaram a falta de confiança nos órgãos eleitorais, em dirigentes que abdicam da sua dignidade e desprezam a verdade e o sentido de serviço que deve nortear aqueles a quem o povo confia o seu voto. Desta forma, levam o povo a confirmar as suas suspeitas e a pôr em causa a legitimidade dos eleitos»”, sublinham.

“Os bispos moçambicanos foram inequívocos na declaração de que «certificar uma mentira é uma fraude»”, recordam os responsáveis eclesiais, citando a nota dos bispos moçambicanos.

Por ocasião das eleições moçambicanas, os bispos da África Austral haviam assinalado “o contexto de grande descontentamento e de uma forte exigência popular de reforço do Estado de direito e de maior transparência na administração eleitoral”.

Os responsáveis afirmam que a “certificação dos resultados” foi uma “mentira”, perante a “expressão de descontentamento em relação aos resultados eleitorais por parte de multidões de pessoas que protestavam pacificamente”.

“Juntamo-nos a vós no apelo às autoridades para que abordem as causas do descontentamento em relação a estas eleições e respeitem a vontade do povo moçambicano. Caso a situação se deteriore, apelamos à região da SADC (África do Sul, Angola, Botsuana, Lesoto, Malavi, Maurício, Moçambique, Namíbia, República Democrática do Congo, Seicheles, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue) para lidar com estas consequências”, informa ainda o comunicado.

Os bispos da África Austral terminam a nota com a intenção de visita a realizar brevemente como “expressão da solidariedade para com o povo moçambicano e a Igreja em Moçambique nestes tempos de provação”.

“Moçambique merece a verdade, a paz, a tranquilidade e a tolerância!”, pedem os responsáveis eclesiais de África Austral.

LS

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