Missionário com ‘M’ grande

Homenagem ao Pe. José Afonso Moreira, assassinado em Angola A notícia caiu que nem uma bomba: o P. José Afonso Moreira foi morto no Bailundo. Fiz logo um filme na minha cabeça. Recordei-me que, já no ano 86, não era ainda padre, li e multipliquei um texto dele que dizia: ‘Acabei de aterrar no Bailundo, a 3 de Setembro. Logo que aterrei, disseram-me: ‘A sua casa queimou, mas você fez bem em vir’. Quase não acreditei. Fui imediatamente ver. No ataque de ontem, a casa ardeu totalmente. Até as paredes racharam. Não resta uma grama que não seja cinza, que ainda está quente. Há um ano e meio foi a residência da Missão que ardeu. Que me resta? Tudo e nada. Ficou a vida que é tudo. O resto não é nada. Mas, para quem apostou morrer em pé, este reduzir a nada, este recomeçar do zero tantas vezes, parece que faz vergar os joelhos. Até quando, meu Deus? (…) O socorro que preciso só pode ser dado por Deus. E Ele o tem dado. Ele não falha. Os olhos não choram porque há muito secaram as lágrimas. Mas o coração sangra.(…). Não se preocupem demasiado. Agora vivo na sacristia. Apesar de perder a residência da Missão (o ano passado) e agora esta da vila, ainda vivo melhor que os cristãos’. (‘Acção Missionária’, Dezembro 1986, p.2). Este texto encheu-me as medidas e utilizei-o muito nas reuniões dos jovens. Quando, em 1989 cheguei a Angola, tive a alegria de trabalhar no planalto e de o encontrar com alguma frequência. Aí pude testemunhar a sua estatura missionária e, em 1991, escrevi um texto a que dei o título: ‘Missionários com M grande!’. Lá disse: ‘Cá no Huambo encontrei-me com Missionários cujo nome só pode ser escrito com M Grande e cujo compromisso eclesial pelo povo sofredor desta Angola merece ser gravado nas páginas da História da Igreja que se escreve neste chão e no coração desta gente(…). Encontrei o P. Afonso Moreira, grande missionário de um Bailundo esmagado por conquistas e reconquistas sucessivas que só podem martirizar. O P. Moreira é, para quem fala com ele, alguém que apostou ficar com a sua gente por qualquer preço, á espera da Paz, tentando transformar em esperança uma situação para a qual o povo não vê saída’. (‘Acção Missionária’, Março 1991, p.5 e ‘Encontro’, Abril 1991, pp.19-20). Nascido em Fortunho, S. Tomé do Castelo, Vila Real, a 26 de Janeiro de 1926, partiu para Angola em 1951 e chegou ao Bailundo em 1963, donde nunca mais saiu. No centenário da Missão, celebrado a 28 de Julho de 1996, o P. Moreira fez um balanço muito corajoso. E escreveu: ‘Nem tudo são rosas no Bailundo. Se me perguntarem se houve dificuldades, respondo: onde não há dificuldades não há vida. Fugir às dificuldades é morrer com os olhos abertos. Isso não vale! Os sucessivos combates e bombardeamentos, bem como o isolamento extremo e as necessidades de toda a ordem foram ( e são) o ‘pão nosso de cada dia’ muitos dias e noites nos últimos anos. (…). As comunidades cristãs do Bailundo estão muito vivas. É uma Igreja que cresce em liberdade. Os catequistas têm sido uns heróis. Muitos sofreram até à morte. Sofreram perseguições, castigos e até à morte. Nem todos os mártires têm o seu nome no calendário.’ (‘Acção Missionária’, Janeiro 1997, p.8). Tive a oportunidade de o encontrar, em Dezembro passado, quando visitei Angola. Era um homem a chegar aos 80 anos, cheio de vida, de força, de projectos, feliz pela paz que chegou a Angola. Passei no Bailundo, mais uma vez, e pude constatar a destruição que a guerra provocou. Sempre com o P. Moreira ali na linha da frente. Bandidos, uma das sobras de todas as guerras, atacaram-no, desprotegido, naquela noite do dia 8 de Fevereiro. Mataram-no a sangue frio. Angola encheu-se de consternação e vergou-se perante a estatura e o testemunho deste homem que deu tudo à Missão. Angola presta-lhe homenagem no funeral realizado no Bailundo na manhã de 10 de Fevereiro. Portugal junta-se ao luto da família, na sua terra natal a 15 de Fevereiro, às 15h. Que descanse em Paz. Tony Neves, Missionário Espiritano

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top