Migrações, sinal dos tempos

Homilia de D. António Vitalino, bispo de Beja e presidente da CEMH 1. O deserto e a terra árida vão alegrar-se, a estepe exultará e dará flores belas como narcisos. Vai cobrir-se de flores e transbordar de júbilo e de alegria…Verão a glória do Senhor, e o esplendor do nosso Deus. Fortalecei as mãos débeis, robustecei os joelhos vacilantes. Dizei aos que têm o coração pusilânime: «Tomai ânimo, não temais!» Eis o vosso Deus, … que vem salvar-vos (Is 35, 1-4). Amados peregrinos, estamos aqui neste lugar sagrado da Cova da Iria, vindos de muitos pontos da terra, precisamente para escutar a voz de Deus, transmitida à humanidade por Jesus Cristo, filho de Maria, que há 89 anos aqui dela se fez eco junto dos três pastorinhos de Fátima, os bem-aventurados Francisco e Jacinta e a sua prima Lúcia. Se nos convertermos e rezarmos, acabará a guerra e haverá paz, condições essenciais para o desenvolvimento dos povos e para a convivência pacífica entre todos. Aqui ressoa de nova torna-se quase realidade a mensagem do profeta Isaías, dirigida a um povo exilado e quase a perder a sua identidade: Tomai ânimo, não temais. O vosso Deus vem em pessoa salvar-vos. Aqui vimos fortalecer as nossas mãos débeis, robustecer os nossos joelhos vacilantes, animar o nosso coração pusilânime. Esta peregrinação de Agosto, dedicada aos migrantes e refugiados, é, mais que qualquer outra, um sinal concreto da mensagem do profeta Isaías. Aqui estamos para receber a força de Deus. Hoje, mais que nunca, vivemos num mundo em constante mobilidade e, mesmo aqueles que aguentam permanecer nas suas aldeias, partilham das alegrias e tristezas, esperanças e desânimos dos seus vizinhos ou familiares que se puseram a caminho à procura de melhores condições de vida ou da liberdade, que, por diferentes razões, lhes era negada na sua terra. Na sua mensagem para o dia mundial do migrante e refugiado o Papa Bento XVI chama a este fenómeno um sinal dos tempos, que tem os seus aspectos positivos, mas também muitos negativos, sobretudo quando motivado pela fome, pela guerra, pela falta de liberdade política ou religiosa, pela perseguição de quem não é da mesma raça, cor ou credo religioso ou pelos instintos descontrolados de muitas pessoas, que, para os satisfazer, exploram os mais débeis, sobretudo mulheres e crianças. Os meios de comunicação social falam-nos, frequentemente, de imigração clandestina relacionada com casas de alterne, mas não mencionam aqueles que exploram esses imigrantes e estão por trás do seu tráfico. 2. Aqui, junto da Mãe de Jesus, viemos fortalecer a nossa esperança, a nossa fé e caridade, para sabermos viver em paz e hospitaleiramente com todos os nossos irmãos, sejam eles da nossa família ou de outros países, que aqui procuram o que não encontraram noutra parte. Connosco eles querem contribuir para a transformação das terras desertas e secas em terras povoadas e irrigadas com a linfa da vida. Apesar do desemprego, a Europa já não consegue subsistir sem o contributo dos imigrantes. A redução da natalidade entre nós deixou muitas aldeias desertas e muitos sectores da vida social e laboral sem as forças activas necessárias. Há terras a transformar-se em matagais, com idosos ameaçados pelas chamas dos incêndios; há doentes à espera de uma companhia amiga, que lhe dê consolação e ajuda na sua debilidade; há herdades por cultivar e culturas a apodrecer nos campos por falta de mão de obra para trabalhos que os nossos jovens já não procuram. E a listagem de sectores carecidos de trabalhadores poderia continuar, para nos consciencializarmos da necessidade que temos de imigrantes, mas sobretudo para assumirmos a atitude que S. Pedro nos recomendava na segunda leitura desta Missa: Praticai entre vós a hospitalidade. 3. No Evangelho de hoje escutámos que também Jesus teve de deixar a sua terra por motivos de ordem política e religiosa. Herodes não queria concorrentes ao seu poder, nem mesmo de ordem religiosa. Os poderes absolutos e os fanatismos do poder, seja político ou religioso, não toleram a diferença, o pluralismo. Têm de Deus uma ideia uniformista e intolerante. Não querem admitir que a diversidade é querida por Deus e existe até no próprio Deus, como Ele se nos revelou em Jesus Cristo. O nosso Deus é Trindade de pessoas, unidas por um amor infinito, que é a essência do próprio Deus. Deus é amor, diz o Novo Testamento e repetiu-o de modo actual e belo o nosso Santo Padre, na sua primeira encíclica. Vivemos um tempo de apregoada democracia e tolerância, mas na realidade perseguimos aqueles que são diferentes. Vivemos um relativismo redutor das diferenças sexuais, religiosas, culturais e outras, esquecemos que a diferença é o alimento da unidade, o desafio da complementaridade, a base do amor, a condição da criatividade, o sinal e sacramento da Trindade. Aqui em Fátima, nesta peregrinação internacional dos migrantes e refugiados, embora provenientes de diversos países ou vivendo em diversas partes do mundo, sentimo-nos e somos de verdade uma grande família dos filhos de Deus, que junto de cruz de Cristo, acolheu Maria como Mãe no íntimo do coração. Aqui prometemos-lhe fazer o que seu Filho, Jesus Cristo, nos disse ou disser, a ela recorremos em todas as nossas aflições. E, por certo, cada um de nós, sente as dificuldades de muitos companheiros de caminho pelas terras onde vivemos. Há muita gente a morrer de fome ou a viver em condições sub-humanas e por isso anda pelo mundo à procura de trabalho justamente remunerado. Alguns ficam pelos caminhos, no deserto, no mar ou nas fronteiras e são tratados como criminosos, só porque não resignaram a vegetar em países sem condições de vida humana. Outros caem nas mãos de exploradores em escrúpulos, que roubam a sua dignidade e os usam para satisfazer os seus vícios. Muitos vivem e trabalham fora dos seus países, mas são vistos e tratados com inveja, como se fossem ladrões dos nossos empregos e do nosso pão. Outros ainda são obrigados a fugir das suas terras, para evitar a prisão, os maus tratos e a própria morte, vivendo como refugiados noutros países. E em todas estas categorias de migrantes podemos encontrar casos de maior ou menor violência, que nos deveria envergonhar de mais parecermos lobos e inimigos do que seres humanos e filhos de Deus. 4. Amados peregrinos, a história da humanidade mostra-nos muito sofrimento causado pelo próprio homem, pelo pecado do homem, mas também nos aponta muitas tentativas de ajuda para mudança de rumo, para que não aceitemos o mal como uma fatalidade. Olhando para Jesus Cristo e Maria, vemos neles a aurora da vitória do bem pela escuta e seguimento das suas palavras, que são mensagem de Deus, pelo exemplo das suas vidas, pela oração, pelo perdão, pelo amor, pelo dom da vida. Aqui em Fátima estamos mais sensíveis a estas mensagens, que Nossa Senhora repetiu neste lugar há 89 anos e nos transmitiu através da linguagem simples dos três pastorinhos: convertei-vos, fazei penitência, rezai pela conversão dos pecadores, deixem de ofender a Nosso Senhor, rezai o rosário… então haverá paz, acabará a guerra, a Rússia converter-se-á…Continua a ser urgente a escuta deste apelo. Muitos continuam a chafurdar no pecado e até exigem a protecção da lei para as suas atitudes criminosas, egoístas, para a sua cultura do pecado e da morte. As guerras e as ameaças de novas guerras não são do passado e do presente, mas serão uma realidade no futuro, se não nos convencermos todos que o testemunho da vida de Jesus é o único que pode salvar a humanidade e o mundo. Ele proferiu e viveu as bem-aventuranças, que nos desafiam a pautar por elas a nossa vida. Felizes os mansos, porque possuirão a terra. Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu (Mt 5, 5-10). 5. Irmãos, Jesus Cristo chama-nos, interpela-nos, mas também nos acompanha e está connosco aqui, agora e sempre. Nesta celebração peçamos-Lhe que fortaleça a nossa esperança e o nosso empenho por um mundo melhor. Com Cristo, radicados n’Ele e em união uns com os outros, bispos, padres, consagrados, pais, filhos, jovens e adultos, seremos uma força, que nenhuma dificuldade fará recuar no compromisso de seguir Jesus. Aqui estamos, Senhor. Fazei de nós vossos mensageiros. Com Maria, que escolheu este lugar e os três pastorinhos para relembrar ao mundo o Evangelho, boa nova de salvação para todos, queremos também nós comprometer-nos a tomar como lema da nossa vida a resposta de Maria à vontade de Deus: faça-se em mim segundo a vossa vontade. Fátima, 12 de Agosto de 2006 + D. António Vitalino, Bispo de Beja e presidente da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana de Portugal

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Agência ECCLESIA

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