Imigração de Leste: riquezas e desafios

Homilia de D. Dionisio Lachovicz, da Ucrânia, na 34ª Peregrinação Internacional do Migrante e Refugiado a Fátima Seja Louvado Nosso Senhor Jesus Cristo! Excelências Reverendíssimas – D. António Marto, D. António Vitalino, D. Joseph Voss… (em ucraniano ao bispo Michael Koltun), estimados padres concelebrantes, irmãs e irmãos em Cristo, queridos migrantes de todas as nações, línguas e culturas unidos num único Povo de Deus, neste Santuário. Confesso que senti apreensão e medo ao ser designado para proferir a homilia neste grande evento em Fátima como representante da Igreja Greco-Católica da Ucrânia, e ter que falar em nome do nosso Arcebispo-Mór, Cardeal D. Lubomyr Husar. A mesma apreensão me assaltou por ter que abordar temas dificeis e complexos como as migrações e o mandamento da castidade, tema escolhido pelo Santuário para a catequese aos peregrinos ao longo deste ano. Durante uma minha recente viagem de comboio, no passado dia 27 de Julho, de Bucareste para Bucovina, senti dentro do meu coração o drama do imigrante. O que significa deixar a pátria, a família; enfrentar novos mundos, outros desafios, perigos e dificuldades; a nostalgia de um viver longe dos entes queridos. No sacolejar do comboio procurei rezar e pensar na homilia de Fátima. De repente, quase adormecendo, regressei aos meus tempos de criança – lá na minha aldeia no Brasil – e lembrei-me das primeiras leituras religiosas, precisamente os livrinhos sobre as aparições de Fátima. Recordei-me imediatamente do pedido da conversão ao Evangelho, da “dança do Sol”, da promessa da conversão da Rússia. Naquele tempo vivenciava na minha alma juvenil a experiência dos três pastorinhos – beatos Francisco e Jacinta e Lúcia – e acreditava na promessa de Nossa Senhora: de que Rússia, um dia, se converteria! Para mim essa promessa era muito importante por ser descendente daqueles imigrantes que partiram forçados da Rus de Kiev para o distante Brasil, em finais do séc. XIX. Durante essa oração meditada no comboio romeno, a minha mente viajou subitamente até Moscovo, por volta do início do mês de Julho de 1988. Como havia perdido os documentos durante uma viagem pela União Soviética, deambulei preocupado ao redor dos muros do Kremlin. Tive uma sensação de extrema fragilidade diante do poder da força militar da União Soviética. E perguntei-me ao caminhar pelas redondezas dos altos e intransponíveis muros: será que não poderão cair como caíram outrora os muros de Jericó? Poderá a promessa da N. Sra. de Fátima ser atendida? A realidade é que, diante dessa promessa, os muros não conseguiram resistir! A partir de 1988, ano em que se celebrava o Milénio do Cristianismo na Rus de Kiev, apareceram as primeiras fendas nos muros de Berlim. Desmorona-se o sistema comunista soviético, rasgam-se as cortinas de ferro e abrem-se os muros do Kremlin. A prisão dos povos chega ao fim! Nações inteiras puderam respirar o primeiro ar da liberdade e os cristãos saíram da escuridão das catacumbas para a luz do Sol. Ao caírem os muros e rasgarem-se as cortinas de ferro, o mundo inteiro percebeu o mal que o sistema soviético ateu conseguiu fazer nas pessoas e na sociedade, além da falência total do seu sistema económico. Nessas regiões apareceram então outras cabeças da serpente do mal… A falência do sistema soviético gerou novas estruturas da morte. O índice de mortalidade passou a superar o dos nascimentos. A Rússia e a Ucrânia têm hoje o maior índice de abortos no mundo. Surge a indústria do sexo, a exploração e o tráfico de mulheres. Milhões de pessoas do Leste Europeu foram forçadas a emigrar em busca de pão, a abandonar as terras que são consideradas os celeiros da Europa. As imensas riquezas desses países foram parar às mãos de poucos oligarcas. Como consequência desse fenómeno pós-soviético, no decorrer dos últimos 10 anos, a população da Ucrânia diminuiu em cerca de 7 milhões de pessoas. Os países industrializados da Europa deparam-se actualmente com o novo fenómeno, o da imigração de povos do Leste Europeu, na sua maioria de procedência eslava, de escrita com alfabeto cirílico, cultura e ritos religiosos diferentes. Nós somos testemunhas desse processo e hoje foi-nos dada a oportunidade de mostrar uma faceta dessa emigração, da cultura e rito oriental próprio desses povos: o “segundo pulmão da Igreja”, expressão muito familiar ao saudoso Papa João Paulo II. No entanto, a busca pelo pão em terras estrangeiras, provoca a quebra dos laços familiares na terra natal. O pai imigra para Portugal, a mãe vai para a Itália. Os filhos ficam por conta das avós. Está a surgir a realidade do órfão virtual: os meninos de rua abastecidos com o dinheiro enviado pelos pais. Meninos de rua diferentes, com dinheiro no bolso, mas sem o calor e a ternura da família. A rua traz a droga e o sexo fácil. O sexo como dom de Deus e fonte de vida transforma-se assim em indústria da morte. Como resolver os grandes problemas duma imigração que é sequela de um sistema injusto e criminoso? Como recuperar o sentido da vida, da família, da castidade, da pureza num contexto saturado de dor, separação e fortíssimas tentações de infidelidade? É possível ser honesto num mundo de mentiras e exploração? É possível ainda viver a cultura da vida dentro do contexto da cultura da morte? Do ponto de vista humano parece impossível, apesar de tanto esforço dispensado pelos Governos e pela Sociedade, pela Igreja e suas organizações de caridade. Todavia, sim, é possível! È preciso olhar para o alto! Para o alto, na direcção do sol e acharemos a solução. Acredito que o milagre da “dança do Sol” poderá repetir-se, apesar das tempestades morais do contexto actual. Nossa Senhora pede-nos conversão! É preciso converter-se da dimensão horizontal, das mazelas humanas, erguer os olhos rumo ao alto, recuperar diálogo singelo com Deus, a simplicidade da oração do rosário, e lá se descobrirá a fonte da justiça, fidelidade e vida. Redescobriremos a fonte do eterno Amor! È preciso receber esse alimento que desce do Céu, e não ficar apenas à mercê do maná desta vida, como nos lembra o Evangelho de hoje. Os nossos pais comeram o maná e morreram. Só o pão que desce do Céu é que dá a vida! A recuperação da dimensão vertical, da fidelidade a Deus, nos fará renovar a fidelidade em relação à família, o respeito pela vida que brota do ventre de uma mãe, a responsabilidade pelos filhos. A pureza na nossa relação com Deus, faz nascer a pureza nas nossas relações humanas e sociais, sem hipocrisia e sem mentira. O reencontro com Deus, faz acontecer o milagre do reencontro com as nossas famílias, apesar das dificuldades e separações temporárias. A fidelidade a Deus, faz recuperar a fidelidade à esposa/esposo, à vida transparente, casta e pura. Esse grande milagre poderá acontecer hoje se o pedido de conversão de Nossa Senhora for acolhido por cada um de nós. Acontecerá o milagre da “dança do Sol”, pois o Sol verdadeiro – Deus, faz inverter os valores e mudar as coordenadas da humanidade actual. Poderá acontecer também o novo milagre da conversão da Rússia numa sociedade mais justa e humana, acontecerá também a nossa conversão e a “reversão” do fenómeno migratório, isto é, o regresso dos imigrantes à sua Pátria, enriquecidos com a cultura do país que os acolheu e robustecidos pela fé recebida dentro do espaço deste santuário. Em Fátima, hoje acontece o milagre! Chegámos peregrinos de várias latitudes – portugueses emigrantes dispersos pelos Mundo, trabalhadores imigrantes em Portugal procedentes de várias nações, refugiados á procura de paz e liberdade – aqui todos irmanados na fé em Cristo, com o coração ao Alto, em direcção do Sol, donde veio Nossa Senhora, cheia de luz. Aqui podeis reencontrar a vossa fé, a luz para a vossa vida de migrantes, a solução dos vossos problemas pessoais e familiares e o conforto da Igreja que vos ama com uma mãe. O que é Fátima? O que significa Fátima para cada um de nós? Vamos descobrir a partir daquele que, como ninguém, tem grande experiência da mensagem de Fátima, D. Serafim Ferreira e Silva, bispo emérito desta diocese, através da sua “Canção de Fátima”: « Fátima, altar do mundo, sacramento… Fátima, amor fecundo, fonte de paz e de graça… Fátima é ser total, um todo em unidade… Fátima é um abrigo, um cenáculo, sinal bem alto e profundo Fátima é mensagem, sanatório, lugar de encontro… Fátima é farol de luz, é bandeira de paz, é mistério sem segredos…» E conclui, o senhor D. Serafim: « a Senhora, que se mostrou “mais brilhante que o Sol”, pede a vida interior e espiritual, e promete que a Civilização do Amor “triunfará” (p. 91) ». Sigamos o convite de S. Paulo na sua carta aos Efésios, para que desapareça do meio de nós toda a espécie de malícia. Em contrapartida, sejamos benévolos uns com os outros, misericordiosos, perdoando-nos como Deus nos perdoou. E a exemplo do profeta Elias, alimentados pelo pão que desce dos Céus, continuemos a caminhar em direcção ao Sol, ao monte Horeb, à Jerusalém celeste, em companhia de Maria, a Senhora da luz. Ámen. 13 de Agosto de 2006 . Dionísio Lachovicz, Bispo uxiliar do Arcebispo Maior de Kiev e Halytch e responsável pela Pastoral das Comunidades Ucranianas no Exterior

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