Microcrédito e solidariedade

O movimento “microcrédito” fez, durante a última década, um caminho sustentado em todo o mundo e, também, em Portugal. Do balanço que a nível internacional, e em Portugal, é razoável hoje fazer pode dizer-se que o seu futuro, enquanto instrumento de intervenção social eficiente, se apresenta, também, sustentável.
São múltiplas as configurações que vem apresentando, que variam de acordo com as características culturais e socioeconómicas dos diferentes países, a capacidade de mobili-zação dos destinatários e o empenho e obje-ctivos dos promotores. Não importa determo-nos, agora, sobre esses diferentes matizes mas, antes, referir alguns dos seus traços essenciais, onde a componente “solidariedade” constitui um dos suas principais factores de sustentabilidade do microcrédito.

Em primeiro lugar, para que haja microcrédito, o crédito tem que ser pequeno e ter como destinatários pessoas que não possuem condições materiais, ou pessoais, para poder ser aceites como clientes, pelas regras correntes de funcionamento do sistema financeiro. Depois, temos que estar perante pessoas que demonstram uma vontade empenhada de promover o desenvolvimento de um negócio, que inclui o seu próprio emprego. Existem outras características importantes que contribuem para a consolidação do microcrédito, mas as enunciadas constituem os seus elementos focais.

Em Portugal, durante a última década, por iniciativa da Associação Nacional de Direito ao Crédito (ANDC) e, naturalmente, dos promotores dos negócios, foram criadas cerca de 1400 empresas, com uma percentagem de sucesso de mais de 90% relativamente ao capital reembolsado. Uma vez que a legislação portuguesa não permitia o exercício de actividade creditícia por instituições não financeiras, o que a ANDC não era, foi esta constrangida, mas com sucesso, a celebrar protocolos com bancos (BCP, CGD e BES) que se ocupavam da concessão do crédito. Recentemente, uma destas instituições, embora continuando a trabalhar com a ANDC, desenvolveu a sua própria iniciativa de microcrédito.

O microcrédito é, no entanto, muito mais do que a concessão do crédito e esse muito mais tem vindo a ser protagonizado, com grande empenhamento, pela ANDC. É por aí que passam os caminhos da solidariedade.
Os destinatários do microcrédito são, em geral, desempregados ou em risco de o poderem vir a ser, pobres e outras pessoas que, por uma circunstância ou outra, se vêem impossibilitados de encontrar uma via fácil de inserção no mercado do trabalho. São, também, pessoas que, apesar do seu empenhamento em querer mudar de vida, na situação em que se encontram, não estão habilitadas a poder, sozinhas, preparar as medidas administrativas e outras, de natureza logística, indispensáveis à obtenção do crédito e ao arranque do negócio. Para além disso, quando o negócio já se encontra em funcionamento, o microempresário vai necessitar, com frequência, de apoio técnico e pessoal que nenhuma administração pública ou privada pode prestar e que apenas o pode ser em condições de eficiência, através da mobilização de vontades pessoais empenhadas. Este movimento tem um nome: solidariedade. No microcrédito designa-se, habitualmente, por acompanhamento.
Este acompanhamento é um elemento essencial para a manutenção da chama do entusiasmo do empreendedor e do sucesso do negócio.

Garantidos com rigor os pressupostos anteriores, o microcrédito pode e deve, nestas condições, tornar-se num caminho incontorná-vel na luta contra a pobreza.

Manuel Brandão Alves
Professor Catedrático do ISEG, Universidade Técnica de Lisboa

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