Mensagem para o Dia Mundial do Turismo 2010

Com o tema Turismo e biodiversidade, proposto pela competente Organização Mundial, o Dia Mundial do Turismo quer oferecer sua contribuição a este 2010, declarado pela Assembleia Geral das Nações Unidas “Ano Internacional da Diversidade Biológica”.

 

Tal proclamação nasce da profunda preocupação “pelas repercussões sociais, económicas, ambientais e culturais da perda da diversidade biológica, incluídas as consequências adversas que entranha para a consecução dos objectivos de desenvolvimento do Milénio, e destacando a necessidade de adoptar medidas concretas para inverter esta perda”. (1)

 

A biodiversidade, ou diversidade biológica, faz referência à grande riqueza de seres que vivem na Terra, assim como ao delicado equilíbrio de interdependência e interação que existe entre eles e com o meio físico que os acolhe e condiciona. Esta biodiversidade se traduz nos diferentes ecossistemas, dos quais são um bom exemplo os bosques, os pantanais, as savanas, as selvas, o deserto, os recifes de corais, as montanhas, os mares, ou as zonas polares.

 

Perante isto se pairam três grandes perigos, que requerem uma solução urgente: a mudança climática, a desertificação e a perda da biodiversidade. Esta última está se desenvolvendo nos últimos anos a um ritmo sem precedentes. Estudos recentes indicam que, a nível mundial, estão ameaçados ou em perigo de extinção 22% dos mamíferos, 31% dos anfíbios, 13.6% das aves e 27% dos recifes. (2)

 

Existem numerosos sectores de actividade humana que contribuem grandemente a estas mudanças, e um deles é, sem dúvida alguma, o turismo, o qual se situa entre os que têm experimentado um maior e rápido crescimento. Ao respeito, podemos recordar as cifras que nos oferece a Organização Mundial do Turismo (OMT). Os turistas internacionais foram de 534 milhões em 1995, e 682 milhões em 2000 e as previsões que apareciam no informe Turism 2020 Vision são de 1006 milhões para o ano de 2010, e que chegariam a 1561 milhões em 2020, com um crescimento médio anual de 4.1%. (3) E a estas cifras de turismo internacional teria que acrescentar as mais importantes do turismo interno. Tudo isto nos mostra o forte crescimento deste sector económico, o que comporta alguns importantes efeitos na conservação e uso sustentável da biodiversidade, com o consequente perigo de que se transforme num sério impacto meio ambiental, especialmente pelo consumo desmedido de recursos limitados (como a água potável e o território) e pela grande geração de contaminação e resíduos, superando as quantidades que seriam assumíveis por uma determinada zona.

 

A situação se agrava pelo fato de que a procura turística se dirige cada vez mais aos destinos da natureza, atraída pelas suas inumeráveis belezas, o que supõe um impacto importante nas populações locais, na sua economia, no seu meio ambiente e em seu património cultural. Este facto pode ser um elemento prejudicial ou, ao contrário, contribuir significativamente e em modo positivo à conservação do património. O turismo vive assim um paradoxo. Se por um lado surge e cresce graças à atracção de paisagens naturais e culturais, por outro lado estes podem chegar a ser deteriorados e inclusive destruídos pelo mesmo turismo, o que significa ser rejeitados como destinos e não gozar da atracção que era na origem.

 

Por tudo isso, devemos afirmar que o turismo não pode eximir-se de sua responsabilidade na defesa da biodiversidade, pelo contrário, deve assumir um papel activo na mesma. O desenvolvimento deste sector económico deverá ser acompanhado inevitavelmente dos princípios de sustentabilidade e respeito à diversidade biológica.

 

De tudo isto se preocupou seriamente a comunidade internacional, e sobre o tema realizaram-se reiterados pronunciamentos. (4) A Igreja quer juntar a sua voz, a partir do espaço que lhe é próprio, partindo da convicção que ela mesma “sente o seu peso de responsabilidade pela criação e deve fazer valer esta responsabilidade também na esfera pública. Ao fazê-lo, não tem apenas de defender a terra, a água e o ar, como dons da criação que pertencem a todos, mas deve sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo”. (5) Embora evitando de intervir sobre soluções técnicas concretas, a Igreja, se preocupa de chamar a atenção para a relação entre o Criador, o ser humano e a criação. (6) O Magistério reitera insistentemente a responsabilidade do ser humano na preservação de um ambiente íntegro e sadio para todos, a partir do convencimento que “a tutela do ambiente constitui um desafio para toda a humanidade: trata-se do dever, comum e universal, de respeitar um bem colectivo”. (7)

 

Como foi indicado pelo Papa Bento XVI na sua encíclica Caritas in veritate, “o crente reconhece o resultado maravilhoso da intervenção criadora de Deus, de que o homem se pode responsavelmente servir para satisfazer as suas legítimas exigências — materiais e imateriais — no respeito dos equilíbrios intrínsecos da própria criação”, (8) e cujo uso representa para nós “uma responsabilidade que temos para com os pobres, as gerações futuras e a humanidade inteira”. (9) Por isso, o turismo deve respeitar o meio ambiente, procurando alcançar uma perfeita harmonia com a Criação, de modo que, garantindo a sustentabilidade dos recursos de que depende, não origine irreversíveis transformações ecológicas.

 

O contacto com a natureza é importante e, portanto, o turismo deve esforçar-se para respeitar e valorizar a beleza da criação, a partir do convencimento de que “muitos encontram tranquilidade e paz, sentem-se renovados e revigorados quando entram em contacto directo com a beleza e a harmonia da natureza. Existe aqui uma espécie de reciprocidade: quando cuidamos da criação, constatamos que Deus, através da criação, cuida de nós”. (10)

 

Todavia há um elemento que torna ainda mais exigente este esforço, isto é, na sua busca de Deus, o ser humano descobre algumas vias para aproximar-se ao Mistério, que tem como ponto de partida a criação. (11) A natureza e a diversidade biológica nos falam do Deus Criador, o Qual se faz presente na sua criação, “de fato, partindo da grandeza e beleza das criaturas, pode-se chegar a ver, por analogia, o seu Criador” (Sb 13,5), “pois foi o Principio e Autor da beleza quem as criou” (Sb 13, 3). É por isso que o mundo na sua diversidade, “oferece-se ao olhar do homem como rasto de Deus, lugar no qual se desvela a sua força criadora, providente e redentora”. (12) Por este motivo, o turismo, aproximando-se à criação em toda a sua variedade e riqueza, pode ser ocasião para promover ou acrescentar a experiência religiosa.

 

É urgente e necessário encontrar um equilíbrio entre o turismo e a biodiversidade biológica, em que ambos se apoiem mutuamente, de modo que desenvolvimento económico e protecção do ambiente não apareçam como elementos opostos e incompatíveis, mas tenda a conciliar as exigências de ambos. (13)

 

Os esforços de proteger e promover a diversidade biológica na sua relação com o turismo passam, em primeiro lugar, por desenvolver estratégias participativas e partilhadas, nas quais se comprometem os diversos sectores envolvidos. A maioria dos governos, instituições internacionais, associações profissionais do sector turístico e organizações não governamentais defendem, com uma visão a longo prazo, a necessidade de um turismo sustentável, como única forma possível para que o seu desenvolvimento seja ao tempo economicamente rentável, proteja os recursos naturais e culturais, e sirva de ajuda real na luta contra a pobreza.

 

As autoridades públicas devem oferecer uma legislação clara, que proteja e potencie a biodiversidade, reforçando os benefícios e reduzindo os custos do turismo, e também vigiar para o cumprimento das normas. (14) Para que isto aconteça devem prever certamente uma importante inversão em planeamento e em educação. Os esforços governamentais deverão ser maiores nos lugares mais vulneráveis e onde a degradação tenha sido maior. Quiçá em alguns deles, o turismo deveria ser restrito ou, até mesmo evitado.

 

Pede-se ao sector empresarial do turismo de “planejar, desenvolver e conduzir seus empreendimentos minimizando impactos e contribuindo para a conservação de ecossistemas sensíveis, do meio ambiente em geral e levando benefícios às comunidades locais e indígenas. (15) Por isso, seria conveniente realizar estudos prévios da sustentabilidade de cada produto turístico, evidenciando os aportes positivos reais com os riscos potenciais, a partir da convicção de que o sector não pode buscar o objectivo do máximo benefício a qualquer custo. (16)

 

Finalmente, os turistas devem ser conscientes de que a sua presença em alguns lugares nem sempre é positiva. Com este fim, devem ser informados sobre os benefícios reais que comporta a conservação da biodiversidade, e ser educados em modo compatível ao turismo sustentável. Assim mesmo deveriam reclamar às empresas turísticas propostas que contribuam realmente ao desenvolvimento do lugar. Em nenhum caso, nem o território nem o património histórico-cultural dos destinos devem sair prejudicados em favor do turista, adaptando-se aos seus gostos e desejos. Um esforço importante, que de modo especial deve realizar a pastoral do turismo, é a educação à contemplação, que facilite aos turistas descobrir os rastos de Deus na grande riqueza da biodiversidade.

 

Assim, graças a um turismo que se desenvolve em harmonia com a criação, facilitar-se-á no coração do turista o louvor do salmista: “ó Senhor, nosso Deus, como é glorioso teu nome em toda a terra!” (Sal 8,2).

 

Cidade do Vaticano, 24 de Junho de 2010

+ Antonio Maria Vegliò, Presidente

+ Agostino Marchetto, Arcebispo Secretário

 

NOTAS:

1 – Organização das Nações Unidas, Resolução A/RES/61/203 aprovada pela Assembleia Geral, 20 de Dezembro de 2006.

2 – Cfr. J.-C. Vié, C. Hilton-Taylor and S. N. Stuart (eds.), Wildlife in a Changing World. An analysis of the 2008 IUCN Red List of Threatened Species, International Union for Conservation of Nature and Natural Resources, Gland, Switzerland, 2009, p. 18: http://data.iucn.org/dbtw-wpd/edocs/RL-2009-001.pdf

3 – Cfr. http://www.unwto.org/facts/eng/vision.htm

4 – Um primeiro documento a referir é a carta do Turismo Sustentável, aprovada na “Conferencia Mundial de Turismo Sustentável”, celebrada na ilha espanhola de Lanzarote de 27 a 28 de Abril de 1995. De forma conjunta, a Organização Mundial de Turismo (OMT), o World Travel & Tourism Council (WTTC) e o Conselho da Terra elaboraram em 1996 o informe Agenda 21 para a Indústria de Viagens e Turismo: Para um desenvolvimento ambientalmente sustentável, que traduz em um programa de acção para o turismo a Agenda 21 das Nações Unidas para a promoção do desenvolvimento sustentável (e foi adoptada na Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro em 1992). Outra referência importante é a Declaração de Berlim, documento conclusivo da “Conferência internacional de Ministros de Meio Ambiente sobre biodiversidade e turismo”, que foi realizado na capital alemã de 6 a 8 de Março de 1997. Quiçá seja este documento a contribuição mais importante, devido a sua elaboração, influência, difusão e aos seus signatários. Alguns meses depois assinou-se a Declaração de Manila sobre o impacto social do turismo, de onde se destacou a importância de uma série de princípios a favor da sustentabilidade turística. Como fruto da “Cúpula Mundial do Ecoturismo”, organizada em Maio de 2002 pela OMT, com apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), publicou-se a Declaração de Quebeque sobre o ecoturismo. No marco do “Convénio sobre Diversidade Biológica” editaram-se, no ano de 2004, as Directrizes sobre a Diversidade Biológica e Desenvolvimento do Turismo. A todos estes documentos de índole internacional deve-se unir os numerosos manuais e compêndios de boas práticas que em relação a este tema foi publicado pela OMT, e entre as quais se pode destacar a intitulada Por um turismo mais sustentável: Guia para responsáveis políticos, editada em 2005 em colaboração com o PNUMA.

5 – Bento XVI, Carta encíclica Caritas in veritate, n. 51, AAS 101 (209), p. 687.

6 – Cfr. Bento XVI, Mensagem para a celebração do XLIII Dia Mundial da Paz 2010, 8 de Dezembro de 2009, http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/messages/peace/documents/hf_ben-xvi_mes_20091208_xliii-world-day-peace_po.html

7 – Conselho Pontifício “Justiça e Paz”, Compêndio da Doutrina Social da Igreja, Libreria Editrice Vaticana, Cidade do Vaticano 2004, n. 466. Cfr. João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, n. 40: AAS 83 (1991) p. 843.

8 – Bento XVI, Carta encíclica Caritas in veritate, n. 48, l.c., p. 684.

9 – Ibidem.

10 – Bento XVI, Mensagem para a celebração do XLIII Dia Mundial da Paz 2010, n. 13, l.c.

11 – Cfr. Catecismo da Igreja Católica, Libreria Editrice Vaticana, Cidade do Vaticano 1977, n. 31.

12 – Conselho Pontifício “Justiça e Paz”, Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 487, l.c.

13 – Cfr. Ibidem, n. 470.

14 – Cfr. Benedicto XVI, Carta encíclica Caritas in veritate, n. 50, l.c., p. 686.

15 – Cúpula Mundial del Ecoturismo, Informe Final. Declaração de Quebeque sobre o ecoturismo, 22 de Maio de 2002, Organização Mundial do Turismo e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Madrid 2002, recomendação 21.

16 – Cfr. Organização Mundial do Turismo, Código Ético Mundial para o Turismo, 1 de Outubro de 1999, art. 3 §4: http://www.unwto.org/ethics/full_text/en/full_text.php?subop=2

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top