Diariamente estamos a ser confrontados e intimamente tocados pela preocupante situação económica e social em que Portugal e outros países ocidentais se encontram mergulhados. Todos nos sentimos envolvidos por este fenómeno de carácter cada vez mais global. Multiplicam-se as análises elaboradas por especialistas na matéria, frequentes sinais de alerta, arriscam-se previsões a curto e médio prazo, mais ou menos pessimistas sobre o futuro. A perspectiva cristã nestas situações deve ser encarada com serenidade e alicerçada sobre a dinâmica da esperança, capaz de mobilizar um esforço generoso e colectivo em favor dos cidadãos afectados pela crise, na convicção de que depois da tempestade virá a bonança. Entretanto, porém, não podemos cruzar os braços ou encolher os ombros, na expectativa de que a crise não nos atinja. Urge agir porque há vítimas que solicitam auxílio. Estamos conscientes de que a procura de soluções políticas para ultrapassar este complexo problema incumbe prioritariamente aos poderes públicos, aos governantes legitimamente mandatados para promover e administrar o bem comum, com equidade ética, justiça e paz. A eles compete acompanhar com atenção e sabedoria o evoluir das comunidades a que presidem, particularmente nos momentos mais difíceis, consagrando singular cuidado às parcelas mais frágeis da população. Nesta tarefa, os governantes são coadjuvados pelas instituições que deles dependem, particularmente pelas que actuam nesta área social. A Igreja e os cristãos que a constituem, em razão da sua missão e competência, não podem ficar alheios a este fenómeno social. É verdade que a Igreja não se confunde com o poder político. Mas, no respeito pela independência e autonomia própria de cada um, sente que ambos servem a vocação pessoal e social dos mesmos seres humanos. Por isso, está sempre disponível para empreender uma sã cooperação, que se afigura condição essencial para se obter maior eficácia no serviço que se presta ao bem de todos (cf. GS. 76). Não se exclui, antes se requerer igualmente o contributo de todos os cidadãos, nomeadamente dos trabalhadores e empresários afectos à promoção e segurança no campo do trabalho. A comunidade cristã e as instituições de que dispõe sabem que nada que toque com os diversos aspectos da vida do ser humano, no âmbito material como no espiritual, nos pode ser alheio. Basta recordar a função emblemática desempenhada através dos séculos pelas misericórdias, orfanatos, asilos ou lares de idosos, os apoios em momentos de epidemias e de catástrofes, que deixaram na história marcas indeléveis do génio do cristianismo. As questões sociais têm merecido a atenção da Igreja através dos tempos, com particular acuidade a partir do papa Leão XIII com a carta encíclica “Rerum Novarum 1891”. Desde então, têm sido frequentes as tomadas de posição da Igreja sobre problemas de ordem social como este que estamos a viver. No nosso tempo, é clara a posição assumida pelo C. Vat. II: «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração» (GS. 1). Muito antes, nos primeiros séculos do cristianismo, já S.to Ireneu tinha afirmado: «A glória de Deus é o homem vivo». Consciente dessa missão, no início desta Quaresma, o bispo desta diocese de Viana do Castelo dirige a todos os diocesanos uma sentida exortação, um vivo apelo, a darmos as mãos a fim de empreender uma ajuda solidária e fraterna às vítimas desta recessão económica. A todas as instituições diocesanas encorajamos a que estejam preparadas e cada vez mais atentas às situações criadas pela actual crise e às consequências funestas dela emergentes. Tendo como base os estudos que vão sendo publicados, afigura-se-nos que as faixas mais vulneráveis da sociedade são: os desempregados ou em risco de o serem; as famílias monoparentais perante o risco de perda do emprego, único braço de sustento da família; os reformados com magras pensões sociais, os idosos que não acompanharam o aumento do nível de vida verificado nas últimas décadas, os jovens à procura do primeiro emprego e as populações imigrantes em busca de trabalho, agora ainda mais escasso. Especial atenção devem merecer-nos as famílias com crianças ou jovens em idade escolar. Este nosso apelo dirige-se prioritariamente a todas e cada uma das paróquias e outras comunidades cristãs, que não deixarão de o ter em conta nos seus projectos e orçamentos, nomeadamente na moderação de gastos dispensáveis na programação das festas religiosas e outros eventos, a fim de alargar a sua capacidade de auxílio; às Cáritas diocesana e paroquiais, às Misericórdias e respectivas instituições, às Conferências Vicentinas e outras associações de fiéis com notório e reconhecido empenho neste serviço humanitário e de solidariedade cristã. Papel relevante poderão vir a desempenhar também os Centros Sociais Paroquiais pela relação de proximidade que os caracteriza, pela implantação de que beneficiam dentro das mesmas comunidades e pelo largo saber adquirido na já longa experiência de serviço aos mais carenciados. Para isso, deverão poder contar com o generoso contributo individual de todos e cada um dos fiéis. Aqueles que presidem a estas ou a outras instituições similares, bem como os que delas fazem parte pela sua partilha de bens, descobrirão a melhor forma de prestar este serviço aos cidadãos atingidos pela presente crise. Hoje, as instituições de apoio social utilizam novos métodos na prestação de serviços, podem dispor de adicionais meios materiais e acrescida qualidade de condições técnicas, o que lhes permitirá alargar o âmbito da sua actuação e atingir um nível cada vez mais elevado de humanização dos serviços prestados. A capacidade criativa, “a fantasia da caridade”, deve estar sempre presente no horizonte dos objectivos a atingir, em ordem à qualidade e delicadeza de trato nos serviços de atendimento à pessoa em situação de carência. Estamos prestes a iniciar o tempo da Quaresma, tempo de reflexão cristã, de renovação espiritual, de purificação e de partilha fraterna, significadas pelo jejum, abstinência e esmola. A Igreja diocesana, por sua parte, destina desde já à Cáritas diocesana a maior parte da «renúncia quaresmal» do corrente ano, reforçando o seu habitual orçamento, para que esta possa atender às situações mais prementes. Apenas um terço será destinado à manutenção dos Seminários diocesanos, suavizando assim os encargos económicos dos pais dos nossos alunos. É com muita esperança que levamos até vós, em forma de Mensagem Pastoral, esta preocupação de amor fraterno. Os irmãos carentes agradecem e Deus vos retribuirá “cem por um”. No dia litúrgico de S. Teotónio, Viana do Castelo, 18 de Fevereiro de 2009. + José Augusto Pedreira, Bispo de Viana do Castelo