Mensagem do Bispo de Vila Real sobre o cinquentenário do Cristo Rei

«No Cinquentenário do Cristo Rei: a soberania de Cristo»

1 – Estive no Domingo passado em Almada a participar no cinquentenário da inauguração do Monumento Nacional a Cristo Rei. Pude observar o enorme espaço envolvente, subir o elevador até à varanda que se abre no sopé da estátua propriamente dita, e contemplar o panorama que dali se divisa sobre Lisboa, sobre o Tejo e a sua famosa ponte.
Penso que foi a primeira vez que ali estive fisicamente, mas o que vi corresponde ao que trazia na memória de tantas vezes ouvir falar dele e ver a sua imagem. Há cinquenta anos ainda não era padre, mas lembro-me da campanha feita durante os anos da instrução primária e da juventude para angariar donativos para a sua construção.

Como é sabido, a primeira ideia do monumento nasceu em 1934 como um sonho do cardeal Cerejeira que, em visita ao Brasil e perante o deslumbramento do Cristo do Corcovado, desejou ter algo semelhante em Portugal e na sua diocese. Mais tarde, em 1940, esse desejo foi assumido por todos os Bispos de Portugal reunidos em Fátima que, perante a ameaça da IIª Grande Guerra, formularam o voto de erigir um monumento a Cristo Rei se Portugal fosse poupado da guerra. Deste modo, o monumento a Cristo Rei é mais que um monumento piedoso de carácter afectivo e regional, é a expressão de um voto solene da Igreja em Portugal em honra de Jesus Cristo, Rei e Senhor da História. «Este será sempre um sinal de gratidão nacional pelo dom da Paz», disse na inauguração o cardeal Cerejeira.
O monte onde se levanta o monumento é um vasto espaço que se encontra a 113 metros acima do nível das águas do Tejo. O monumento tem 110 metros de altura, sendo 82 do pedestal e 28 da imagem de Cristo Rei. A cabeça da imagem mede 4,05 metros, o coração esculpido no peito 1,89 m, cada braço 10 metros e, da extremidade do dedo da mão à da outra mão, 28 metros. O peso total da construção é de 40 mil toneladas e a sapata de suporte tem 14 metros de profundidade. O projecto é da autoria do arquitecto António Lino, do engenheiro Francisco de Melo e Castro, e dos mestres escultores Francisco Franco e Leopoldo de Almeida.
A primeira pedra da obra seria lançada no dia 18 de Dezembro de 1949 e, dez anos depois, em 17 de Maio de 1959, dia do Pentecostes desse ano, fez-se a inauguração solene, com a presença de todos os bispos portugueses e dos cardeais do Rio de Janeiro e de Lourenço Marques (hoje Maputo), das mais altas autoridades de Portugal e de uma multidão de 300.000 pessoas. O Papa de então, João XXIII, enviou uma rádio mensagem. Tanto na inauguração em 1959 como agora no cinquentenário esteve presente a imagem peregrina de Nossa Senhora e Fátima, levada expressamente da capelinha das Aparições na Cova da Iria.
Até Julho de 1999 Almada e todo o espaço do monumento estavam integrados na diocese ou Patriarcado de Lisboa, passando nessa data para a diocese de Setúbal.
Com a construção da nova basílica da Santíssima Trindade em Fátima, foi removida a «cruz alta» que ali se levantava e oferecida ao Cristo Rei de Almada onde se encontra em frente ao santuário.
2 – Todas estas circunstâncias ajudam a perceber a dimensão deste monumento: o seu carácter público, eclesial, um voto relativo à Paz, intimamente ligado a Fátima e quase prolongamento da sua mensagem. Por isso, muitos falam da união dos dois corações, o «Sagrado Coração de Jesus», cuja devoção já vinha do séc XVII com as aparições a Santa Margarida Maria Alacoque em Paray-le-Monial em França, e o «Coração Imaculado de Maria», revelado em Fátima. Tanto num caso como no outro, revela-se a faceta maior do mistério de Deus e da sua Mãe na sua relação com mundo – o amor, a misericórdia, o apelo à conversão.
O vínculo mariano, indissoluvelmente ligado ao monumento, é muito sentido entre o povo que tem mais dificuldade em compreender o mistério do «senhorio» de Cristo. Quando se fala de Cristo «Rei», esta palavra tem algo de anacronismo, soa a tempos passados, a militâncias de massas e a grandes manifestações públicas. Era o tempo de Pio XI, na década de 1930, tempo da Acção Católica por ele criada. Na celebração do Domingo passado, ainda encontrei homens e mulheres bem conhecidos na área pública que ali estavam a lembrar o ano em que, jovens e adolescentes de dez, quinze e dezasseis anos mas já imbuídos do espírito da Acção Católica, tomaram parte na inauguração do monumento.
Hoje, em clima de democracia e de laicidade dos Estados (mas não da sociedade), a realeza de Cristo assume-se de modo diferente: mais que afirmação visível e maciça nos espaços públicos, o senhorio de Jesus Cristo estabelece-se pela assimilação interior dos critérios do Evangelho na vida pessoal, familiar e social, nos serviços de qualidade prestados nas estruturas sociais e na comunidade humana, seguindo os critérios de verdade, de justiça, de vida, de santidade e de paz. Por essa razão, antes da Eucaristia do dia dezassete deste mês de Maio e da homenagem a Nossa Senhora no dia dezasseis, as celebrações jubilares incluíram um «Simpósio sobre a solidariedade» realizado na FIL em Lisboa na sexta-feira anterior, dia quinze.
Quando do alto do Cristo Rei contemplava o Tejo e a cidade de Lisboa, o meu pensamento voou até à infância, aos anos em que centenas de crianças e adultos enchiam a igreja paroquial nas primeiras sextas-feiras; lembrei-me das duas grandes estampas do Coração de Jesus e do Coração de Maria expostas na sala maior da casa onde nascia; fixei os Jerónimos e a Torre de Belém, recordei as lições da escola primária e a saída das caravelas do Tejo com a Cruz de Cristo, o nome primitivo de «Terras de Vera Cruz» dado pelos navegadores ao Brasil, a designação de Macau como «a cidade do Santo Nome de Deus de Macau»; e recordei a reflexão do Curso de Filosofia sobre a organização cristã sociedade e sobre a filosofia e a teologia da História, a guerra colonial de África a partir de 1960, a independência desses povos e o seu percurso político. Lembrei-me também da imagem do Coração de Jesus na frontaria do nosso Seminário, do monumento público ao Coração de Jesus em S.Tomé do Castelo, dos santuários do Senhor do Monte em Boticas e do Senhor da Piedade em Montalegre.
Como estamos em clima de Ano Paulino, vale a pena ler com atenção os textos de Paulo e confrontar a o modo como ele fala de Jesus Cristo nas suas cartas. Não tem um ar de «piedade formal», não fala propriamente de «corações» com o risco de se ficar nos símbolos e não entrar na relação da pessoa do Filho de Deus. Paulo fala do seu encanto e gratidão pela pessoa concreta de Jesus Ressuscitado, da sua presença viva na história de Israel e do mundo, e, para o caracterizar, utiliza uma linguagem viva e densa, mormente nas cartas aos Colossenses e aos Efésios: «Cristo é a imagem de Deus invisível, o Primogénito de toda criatura, nEle foram criadas todas as coisas no céu e na terra, visíveis e invisíveis. Ele é a cabeça da Igreja que é o seu corpo, é o Primogénito de entre os mortos», Ele está antes de tudo e acima de tudo e nEle tudo subsiste». «Cristo é a realização do plano eterno de Deus acerca do mundo, plano escondido aos antigos e ultimamente revelado aos homens». Da realização desse plano na história, algo vamos captando através dos sinais dos tempos mas a sua compreensão total só se fará na glória, onde nos será dado conhecer o comprimento, largura, altura e profundidade do amor de Cristo que ultrapassa todas as medidas». 

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Agência ECCLESIA

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