Mensagem do Bispo de Santarém para a Quaresma 2008

«A alegria da vida nova em Cristo» Queridos amigos e irmãos na mesma fé e na mesma esperança: No tempo da Quaresma escrevo-vos, como em anos anteriores, para partilhar convosco a preocupação de viver frutuosamente este tempo favorável de renovação interior que nos prepara para a vida nova da Páscoa. A Quaresma procura avivar no coração de todos nós o apelo fundamental com que Jesus inicia a sua pregação: “Convertei-vos e acreditai no Evangelho”. A alegria da fé e da vida nova em Cristo alcança-se através da conversão. Como Jesus, que iniciou a Sua vida pública com um retiro de 40 dias no deserto, também nós hoje precisamos de tempo e ambiente propícios para escutar a voz de Deus e prestar atenção ao que é prioritário na nossa vida. De facto, tudo passa tão rápido, vivemos de tal forma dispersos com tantas solicitações e superficialidades, tão preocupados com a nossa própria imagem e iludidos com as nossas perfeições, que nos falta abertura e disposição para nos convertermos ao caminho diferente do Evangelho. Nesta situação devemos entender a Quaresma como uma oportunidade que Deus nos oferece para preparar o tempo pleno da eternidade. Na verdade, através dos exercícios quaresmais, aproximamo-nos de Deus e Ele de nós para enriquecer a nossa existência e nos orientar na conversão. Por isso, acho oportuno insistir no apelo que dirigi a todos os fiéis da diocese na Carta Pastoral deste ano: Para viver a novidade do Evangelho é necessário converter-se. Converter-se é mudar, é colocar-se no caminho do Senhor que conduz à alegria, à liberdade e à misericórdia. É uma exigência que decorre do nosso Baptismo. Parece tão claro e tão simples mas a prática torna-se muito difícil. Na verdade, cada um tem a tendência de pensar que quem deve mudar são os outros ou a sociedade. Mas a conversão começa no coração de cada um e não se alcança sem esforço e exercício. Lembro, a propósito da conversão e dos exercícios espirituais, o conhecido exemplo de Santo Inácio de Loiola. Depois de uma juventude guiada pelas vaidades do mundo, teve um momento de paragem forçada devido a um acidente de guerra que o imobilizou muito tempo no leito. Na convalescença entregou-se à leitura de livros sobre a vida de Cristo e de santos. Deixou-se cativar por esta leitura que lhe propunha ideais diferentes dos que vivia. Descobriu um mundo novo, até então ignorado, e a sua vida pareceu-lhe muito vazia. A perspectiva de seguir o exemplo da vida dos santos enchia-o de uma alegria duradoura, ao contrário da tristeza que lhe deixava o sonho das glórias mundanas. Sentiu-se pecador e concluiu que tinha que mudar de vida. Mais tarde confessa: “Não sabia ainda que coisa fosse a humildade, ou o amor ou a paciência ou a discrição”. À medida que avançou na conversão aprendeu, com laborioso sacrifício, a ser discreto, paciente, humilde e afectuoso. A partir da sua experiência religiosa escreveu uma obra que ainda hoje continua a produzir frutos abundantes de vida cristã: “Os exercícios espirituais” em que resume a sua proposta de conversão (“Exercícios para que o homem se vença a si mesmo e ponha ordem na sua vida…”). Inspirado neste exemplo, convido-vos a valorizar os exercícios espirituais próprios da Quaresma. A nossa época descobriu a importância dos exercícios físicos para cultivar a boa forma corporal. Paralelamente, para desenvolver a vida espiritual, precisamos de nos exercitar espiritualmente pelas práticas tradicionais do tempo quaresmal. Exercitemo-nos, portanto, no recolhimento interior. Se tivermos oportunidade participemos num retiro espiritual, segundo as propostas feitas e de acordo com as nossas disponibilidades. As paróquias que puderem organizem um dia de retiro para os fiéis interessados. Se não tivermos essa possibilidade, podemos dedicar momentos determinados ao recolhimento, à leitura espiritual, oração e meditação, tanto na própria casa, como na Igreja ou noutro espaço. Dediquemos mais tempo à oração, exercitando a atenção para que seja um encontro com Deus e não uma repetição mecânica e distraída de fórmulas. A nossa cultura não favorece a atitude de oração e de meditação. Rezar exige esforço e perseverança para nos elevarmos até Deus. Recomendamos a educação da atitude orante em família, seguindo a proposta do Secretariado da Pastoral Familiar. Os grandes orantes da Bíblia ensinam-nos que a oração é um combate: Contra quem? Contra tudo o que nos dispersa e distrai. O combate espiritual da vida nova do cristão é inseparável do combate da oração (Cf CIC 2725). Outro exercício fundamental é a escuta da Palavra de Deus na Sagrada Escritura. Procuremos retomar a “lectio divina” como pedagogia que nos permite descobrir, no texto escrito da Bíblia, a Palavra viva de Deus. Nela encontramos a luz para seguir o caminho da conversão à misericórdia, à liberdade e à alegria: “É tão grande a força e a virtude da palavra de Deus que se torna o sustento e o vigor da Igreja, a firmeza da fé para os seus filhos, alimento da alma e fonte pura e perene de vida espiritual” (DV 21). O jejum e a esmola são outros exercícios que exprimem e educam na conversão. No socorro aos necessitados vamos ao encontro do próprio Cristo: “Aquele que tiver bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o coração, como pode estar nele o amor de Deus” (1Jo,3,17). O Santo Padre Bento XVI oferece-nos, para esta Quaresma, uma bela carta sobre o significado profundo da esmola. É um exercício que nos conduz à misericórdia para com os necessitados. Educa também para a liberdade no desapego dos bens do mundo. Gera alegria pois há mais alegria em dar do que em receber (Cf Act 20,35). No ano passado a nossa renúncia totalizou 34.500 Euros, entregues à diocese de Bafatá, Guiné Bissau, e à de Lubango. Este ano podemos oferecer metade para o projecto “Renascer para a esperança”, uma obra de promoção humana dos Padres Vicentinos na diocese de Maputo, Moçambique. Outra metade para uma iniciativa de evangelização dos Padres Combonianos na diocese de Rumbek, no Sudão. A todos agradeço a atenção e desejo que, através dos exercícios quaresmais, cresça em nós a graça baptismal segundo a recomendação do bispo São Gregório de Nanzianzo (sec IV): “Conservai a pureza do Espírito e purificai-vos sempre mais. Nada agrada tanto a Deus como a conversão e a salvação do homem, para quem se destinam todas estas palavras e mistérios. Sede como astros resplandecentes no meio do mundo, isto é como uma força vivificante para os outros homens. Se assim fizerdes chegareis a ser luzes perfeitas na presença daquela grande luz que brilha no céu, iluminados mais claramente pelo esplendor puríssimo da Trindade”. + Manuel Pelino Domingues, Bispo de Santarém

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