Mensagem de Quaresma do bispo de Portalegre-Castelo Branco

Cumprir o acordado e assumir a dívida

 

De novo a Quaresma, tempo privilegiado para fazer uma auto sindicância e rever a dívida, causa da grande crise que a todos afeta. Há dívidas que procuramos, na esperança de melhorar as condições de vida e com a certeza de que as podemos pagar. Há dívidas contraídas por momentos de necessidade extrema e outras por necessidade de arriscar em projetos de crescimento económico. Há, porém, dívidas que não se devem contrair pois só servem para aparentar o que se não é nem tem. Há dívidas provocadas por loucuras inexplicáveis, por vaidades e levezas, por falta de austeridade e por administrações desastrosas. Há, ainda, outra espécie de dívidas muito mais terríveis e prejudiciais, a influenciar mercados, bancos, bolsas e agiotas, e que estão também na génese de algumas daquelas que enumerámos. São, por exemplo, as dívidas à honestidade, à honradez, à fortaleza de ânimo, à justiça, à família, à vida, ao trabalho, à coerência, à dedicação, ao interesse pelos outros, à partilha, à solidariedade, à fidelidade, à conversão… São mesmo muitos os credores!…

Endividados até às orelhas ao básico da convivência social sadia, e como se isso não bastasse, empoleiramo-nos no escadote das nossas razões para saudar e acolher a preguiça, os preconceitos, a autosuficiência, o pensar que a culpa é dos outros, o comodismo subjetivista, o egoísmo e quejandos que alegremente nos comprometem ainda mais e fazem aumentar, mergulhar e afundar na bancarrota, pessoal e coletiva. Desta crise de endividamento gigantesco só conseguiremos libertar-nos quando decidirmos investir a diversidade dos talentos que nos foram dados, com amor, como dom; quando, de toalha à cinta e sem luvas, não tivermos medo de sujar as mãos e formos capazes de olhar ao redor e reconhecer onde podemos e devemos investir a nossa inteligência, a nossa vontade, o nosso coração e os talentos doados.

E quando a retoma for palpável, constataremos que devemos muito mais, que somos extremamente devedores e sem possibilidade de voltar as costas à pacífica e sofredora presença dos credores: os pobres, os injustiçados, o próximo. Embora, por condescendência amorosa do bom Deus, tenhamos a vida inteira para o fazer, há dívidas que não se podem negociar nem se conseguem pagar por mais que as tentemos amortizar. Que o digam os Santos: viveram num frenesim constante para amar cada vez mais. Sem quererem acompanhar a moda, sem reivindicar nem propalar as suas ações para se fazerem valer e ser aplaudidos, consideravam-se em situação de “lixo”!… “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer”(Lc 17,10).

Estas dívidas pertencem ao âmbito do Amor. A Caridade nunca está paga, está sempre em aberto por mais que procuremos cumprir as nossas obrigações para connosco, para com os outros, para com Deus. Há sempre a possibilidade de mais e melhor. Aos Romanos, São Paulo aconselhava: “Não fiqueis a dever nada a ninguém, a não ser isto: amar-vos uns aos outros”(13, 8). E Jesus Cristo foi claro: “Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35).

 

Esperança na seriedade

A Quaresma é este tempo de esperança na seriedade. É tempo de atitude alegre na alegria que Cristo nos veio trazer. A Quaresma dispõe-nos para acolher a Palavra de Deus e celebrar os Sacramentos. Convoca-nos para penetrar no mistério de Deus que é Amor e nos ama infinitamente. Convida-nos a rever a situação da fidelidade aos compromissos batismais, ao acordado: ao acordado e assinado, geralmente pelos pais e padrinhos; desafia-nos a investir, a aplicar os dons que Deus nos deu, isto é, a fazer aquilo que deve ser feito para nosso bem e bem de todos. E se tudo pode ser olhado como rica consequência do Batismo, a preparação e celebração do Sacramento da Reconciliação levam-nos a ver e a rever o nível da fidelidade ao Deus que é Amor, a pedir-Lhe perdão de coração contrito e a renovar o desejo de continuar a investir, com caridade e amor, nos bens que não perecem e a traça não corrói, de olhos postos na Cruz de Cristo e no Cristo da Cruz, ressuscitado, vivo e presente em cada pessoa.

Bento XVI, na sua mensagem para esta Quaresma, diz-nos que se trata de “um percurso marcado pela oração e a partilha, pelo silêncio e o jejum, com a esperança de viver a alegria pascal”. Apoia-se na Carta aos Hebreus, onde o autor aconselha a que “Prestemos atenção uns aos outro, para nos estimularmos ao amor e às boas obras” (10,24). O Santo Padre desenvolve o tema falando da responsabilidade pelo irmão e do dom da reciprocidade para caminharmos juntos na santidade, através do amor, do serviço e das obras boas.

Mesmo tendo a certeza que isso vai acontecer, apelamos a todas as Comunidades Paroquiais, a começar pelas suas instâncias de animação pastoral, a que assumam o seu trajeto quaresmal com determinação e ousadia, em etapas concretas e programadas, em que todos sejam envolvidos e estimulados, a começar com a bênção e imposição das Cinzas. Mais do que admiradores a olhar para o Céu e inativos, Cristo deseja seguidores, felizes e determinados.

Como hoje se torna fácil comunicar, pedimos a todos os responsáveis pelas comunidades paroquiais a que partilhem uns com os outros, de um ao outro canto da Diocese, as iniciativas que vão tomando pois podem ajudar e animar a todos. Estou certo que até a concretização do Sínodo vai lucrar. A vivência da Quaresma levará os mais distraídos e aqueles que ainda não começaram a trabalhar em e para o Sínodo, a reconhecer que têm uma grande dívida a pagar, e que a têm de pagar com mais dedicação, com muito amor e até ao fim. Por este sinal vos hão de conhecer…

Atendendo à situação que vivemos, a renúncia quaresmal deste ano reverterá para o Fundo Social Diocesano, cuja gestão é feita pela Cáritas Diocesana em prol dos mais carenciados nas paróquias da Diocese.

Portalegre, 13 de fevereiro de 2012

D. Antonino Dias, bispo de Portalegre-Castelo Branco

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