Meditações do Papa Francisco para a Via-Sacra de Sexta-feira Santa

«Em oração com Jesus, no caminho da cruz»

Foto: Lusa

Introdução

Senhor Jesus, olhamos para a vossa cruz e compreendemos que destes tudo por nós. Dedicamo-Vos este tempo. Queremos passá-lo ao pé de Vós, que rezastes desde o Getsémani até ao Calvário. No Ano de Oração, unimo-nos ao vosso caminho de oração.

 

Evangelho segundo São Marcos (14, 32-37)

Chegaram a uma propriedade chamada Getsémani (…). Tomando consigo Pedro, Tiago e João, começou a sentir pavor e a angustiar-Se. E disse-lhes: «(…) Ficai aqui e vigiai». Adiantando-Se um pouco, caiu por terra e orou (…): «Abbá, Pai! Tudo Te é possível; afasta de Mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres». Depois, foi ter com os discípulos, encontrou-os a dormir e disse a Pedro: «(…) Nem uma hora pudeste vigiar!»

Senhor, preparastes com a oração cada uma das vossas jornadas e agora, no Getsémani, preparais a Páscoa. Abbá, Pai! Tudo Te é possível – dizeis Vós –, porque a oração é antes de tudo diálogo e intimidade; mas é também luta e súplica: afasta de Mim este cálice! E é abandono e oferta: mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres. Assim, em oração, entrastes pela porta estreita do nosso sofrimento e atravessaste-la profundamente. Sentistes medo e angústia (cf. Mc 14, 33): medo diante da morte, angústia sob o peso do nosso pecado que experimentastes sobre Vós, enquanto Vos invadia uma amargura infinita. Mas, no apogeu da luta, rezastes «mais instantemente» (Lc 22, 44): assim transformastes a veemência do sofrimento em oferta de amor.

Uma coisa apenas nos pedistes: ficar convosco, vigiar. Não nos pedis o impossível, mas a proximidade. No entanto, quantas vezes me distanciei de Vós! Quantas vezes, como os discípulos, em vez de vigiar dormi, quantas vezes não tive tempo ou vontade de rezar porque cansado, anestesiado pelas comodidades, ensonado na alma. Jesus, repeti novamente para mim, para nós, vossa Igreja: «Levantai-vos e orai» (Lc 22, 46). Acordai-nos, Senhor, despertai-nos do torpor do coração, porque também hoje, sobretudo hoje, precisais da nossa oração.

 

  1. Jesus é condenado à morte

O Sumo Sacerdote ergueu-se no meio da assembleia e interrogou Jesus: «Não respondes nada ao que estes testemunham contra Ti?» Mas Ele continuava em silêncio e nada respondia. (…) Pilatos interrogou-o de novo, dizendo: «Não respondes nada? Vê de quantas coisas és acusado!» Mas Jesus nada mais respondeu, de modo que Pilatos estava estupefacto (Mc 14, 60-61; 15, 4-5).

Jesus, sois a vida, e acabais condenado à morte; sois a verdade, e suportastes um processo cheio de falsidades. Mas por que não reclamais? Por que não levantais a voz e explicais as vossas razões? Por que não refutais os eruditos e os poderosos, como sempre fizestes com tanto sucesso? A vossa reação é surpreendente, Jesus: no momento decisivo, não falais; calais-Vos. Porque, quanto mais forte é o mal, mais radical é a vossa resposta. E a vossa resposta é o silêncio. Mas o vosso silêncio é fecundo: é oração, é mansidão, é perdão, é o caminho para redimir do mal, para converter o que sofreis num dom que ofereceis. Jesus, dou-me conta de Vos conhecer pouco, porque não conheço suficientemente o vosso silêncio; porque no frenesim de correr e fazer, absorvido pelas coisas, tomado pelo medo de não continuar a figurar ou pela mania de me pôr no centro, não encontro tempo para parar e ficar convosco: para Vos deixar agir a Vós, Palavra do Pai que trabalhais no silêncio. Jesus, o vosso silêncio mexe comigo: ensina-me que a oração não nasce dos lábios que se movem, mas dum coração que sabe permanecer à escuta: porque rezar é fazer-se dócil à vossa Palavra, é adorar a vossa presença.

Rezemos dizendo: Falai ao meu coração, Jesus

Vós que respondeis ao mal com o bem                  Falai ao meu coração, Jesus

Vós que extinguis o clamor com a mansidão                      Falai ao meu coração, Jesus

Vós que detestais a crítica e as lamentações                    Falai ao meu coração, Jesus

Vós que me conheceis intimamente                        Falai ao meu coração, Jesus

Vós que me tendes mais amor do que me amo eu próprio                        Falai ao meu coração, Jesus

 

  1. Jesus carrega a cruz

Subindo ao madeiro,

Ele levou os nossos pecados no seu corpo,

para que, mortos para o pecado,

vivamos para a justiça:

pelas suas chagas fomos curados (1 Ped 2, 24).

Jesus, também nós carregamos cruzes, às vezes muito pesadas: uma doença, um acidente, a morte dum ente querido, uma desilusão afetiva, um filho que anda perdido, o emprego que falta, uma ferida interior que não cura, o fracasso dum projeto, a milésima expetativa para nada… Jesus, como se faz então para rezar? Como fazer quando me sinto esmagado pela vida, quando um fardo me pesa no coração, quando estou sob pressão e já não tenho força para reagir? A vossa resposta reside numa proposta: «Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei de aliviar-vos» (Mt 11, 28). Vir a Vós… mas eu fecho-me em mim: passo e repasso, sinto pena de mim mesmo, afundo na condição de vítima, um campeão de negatividade. Vinde a Mim: dizê-lo, não foi suficiente! Então vindes ao nosso encontro e carregais aos ombros a nossa cruz, para nos tirar de cima o seu peso. Desejais que lancemos sobre Vós fadigas e preocupações, pois quereis que nos sintamos livres e amados em Vós. Obrigado, Jesus! Uno a minha cruz à vossa, trago-Vos o meu cansaço e as minhas misérias, lanço sobre Vós todos os pesos do meu coração.

Rezemos dizendo: Venho a Vós, Senhor

Com a minha história                         Venho a Vós, Senhor

Com as minhas canseiras                Venho a Vós, Senhor

Com as minhas limitações e fragilidades              Venho a Vós, Senhor

Com os meus temores                       Venho a Vós, Senhor

Depondo toda a confiança no vosso amor                           Venho a Vós, Senhor

 

  1. Jesus cai pela primeira vez

Em verdade, em verdade vos digo: se um grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto (Jo 12, 24).

Caístes, Jesus! Em que pensais, como rezais com a face no pó? Mas sobretudo o que é que Vos dá a força para Vos levantardes? Enquanto estais com o rosto por terra, não podendo já ver o céu, imagino-Vos a repetir no coração: Pai, que estais nos céus. O olhar amoroso do Pai, que pousa sobre Vós, é a vossa força. Mas imagino também que, enquanto beijais a terra árida e fria, estejais a pensar no homem, tirado da terra, a pensar em nós, que estamos no centro do vosso coração; e repitais as palavras do vosso Testamento: «Isto é o meu corpo, que vai ser entregue por vós» (Lc 22, 19). O amor do Pai por Vós, e o vosso por nós. O amor: aqui está a mola que Vos faz levantar e prosseguir. Porque, quem ama, não fica por terra, recomeça; quem ama, não se cansa, corre; quem ama, voa. Jesus, peço-Vos sempre muitas coisas, mas só preciso duma: saber amar. Cairei na vida, mas, com o amor, poderei levantar-me e continuar para diante, como fizestes Vós, que sois perito em quedas. De facto a vossa vida foi um cair contínuo ao nosso encontro: de Deus para homem, de homem para servo, de servo para crucificado, até ao túmulo; caístes na terra como semente que morre; caístes para nos reerguer da terra e levar para o Céu. Vós que levantais do pó e fazeis renascer a esperança, dai-me forças para amar e recomeçar.

Rezemos dizendo: Jesus, dai-me a força de amar e recomeçar

Quando prevalece a desilusão                     Jesus, dai-me a força de amar e recomeçar

Quando caiem sobre mim os juízos dos outros                 Jesus, dai-me a força de amar e recomeçar

Quando nada funciona e me torno impaciente                 Jesus, dai-me a força de amar e recomeçar

Quando sinto que não aguento mais                       Jesus, dai-me a força de amar e recomeçar

Quando me oprime o pensamento de que nada mudará                           Jesus, dai-me a força de amar e recomeçar.

 

  1. Jesus encontra sua mãe

Então Jesus, ao ver ali ao pé a sua mãe e o discípulo que Ele amava, disse (…) ao discípulo: «Eis a tua mãe!» E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua (Jo 19, 26-27).

Jesus, os vossos abandonaram-Vos, Judas traiu-Vos, Pedro renegou-Vos: ficastes sozinho com a cruz. Mas está lá a vossa mãe. Não são necessárias palavras, bastam os seus olhos, que sabem enfrentar o sofrimento e ocupar-se dele. Jesus, no olhar de Maria cheio de lágrimas e de luz, encontrais a memória da ternura, das carícias, dos braços amorosos que sempre Vos acolheram e sustentaram. O olhar materno é o olhar da memória, que nos fundamenta no bem. Não se pode prescindir duma mãe que nos traz ao mundo, mas também não podemos prescindir duma mãe que nos ponha direitos, no mundo. Vós o sabeis e, da cruz, dais-nos a vossa própria mãe. Eis a tua mãe – dizeis ao discípulo, a cada um de nós: depois da Eucaristia, dais-nos Maria, a dádiva extrema antes de morrer. Jesus, no vosso caminho, serviu-Vos conforto a recordação do seu amor; também o meu caminho precisa de se fundar na memória do bem. Dou-me conta, porém, que a minha oração é pobre de memória: rápida, apressada, uma lista de necessidades para hoje e amanhã. Maria, detende a minha corrida! Ajudai-me a fazer memória: a guardar a graça, a lembrar o perdão e os prodígios de Deus, a reavivar o primeiro amor, a saborear as maravilhas da providência, a chorar de gratidão.

Rezemos dizendo: Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor

Quando reaparecem as feridas do passado                        Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor

Quando extravio o sentido e o fio das coisas                      Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor

Quando perco de vista os dons que recebi                         Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor

Quando perco de vista o dom que sou                    Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor

Quando me esqueço de Vos agradecer                  Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor.

 

  1. Jesus é ajudado pelo Cireneu

Quando [os soldados] O iam conduzindo, lançaram mão de um certo Simão de Cirene, que voltava do campo, e carregaram-no com a cruz, para a levar atrás de Jesus (Lc 23, 26).

Jesus, quantas vezes, diante dos desafios da vida, presumimos de os superar sozinhos! Como é difícil pedir uma mão, com medo de dar a impressão de não estarmos à altura, temos sempre a preocupação de bem parecer e nos exibir! Não é fácil fiar-se, e menos ainda entregar-se. Mas quem reza sabe que é um necessitado e Vós, Jesus, estais habituado a entregar-Vos na oração. Assim não desprezais a ajuda do Cireneu. Expondes as vossas fragilidades a ele, um homem simples, um agricultor que volta do campo. Obrigado porque, fazendo-Vos amparar na necessidade, apagais a imagem dum deus invulnerável e distante. Não sois imóvel no poder, mas invencível no amor, e ensinais-nos que amar significa socorrer os outros precisamente nisto: nas fragilidades de que se envergonham. Então as fragilidades transformam-se em oportunidades. Assim aconteceu ao Cireneu: a vossa fragilidade mudou a sua vida; e um dia dar-se-á conta de ter socorrido o seu Salvador, ter sido redimido através daquela cruz que levou. Para que a minha vida também mude, peço-Vos, Jesus: ajudai-me a baixar as defesas e deixar-me amar por Vós, precisamente no ponto onde tenho mais vergonha de mim mesmo.

Rezemos dizendo: Curai-me, Jesus!

De toda a presunção de autossuficiência              Curai-me, Jesus!

De pensar que consigo sem Vós e sem os outros                            Curai-me, Jesus!

Da mania do perfeccionismo                        Curai-me, Jesus!

Da relutância em entregar-Vos as minhas misérias                        Curai-me, Jesus!

Da pressa frente aos necessitados que encontro no caminho                 Curai-me, Jesus!

 

  1. Jesus é confortado pela Verónica que Lhe enxuga o rosto

Bendito seja Deus (…) o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação! Ele nos consola em toda a nossa tribulação, para que também nós possamos consolar aqueles que estão em qualquer tribulação (…). Na verdade, assim como abundam em nós os sofrimentos de Cristo, também, por meio de Cristo, é abundante a nossa consolação (2 Cor 1, 3-5).

Jesus, muitos acompanham o espetáculo bárbaro da vossa execução e, sem Vos conhecer nem conhecer a verdade, proferem sentenças e condenações, lançando sobre Vós infâmia e desprezo. O mesmo acontece hoje, Senhor, e nem sequer é preciso um cortejo macabro: basta um teclado para insultar e publicar sentenças. Mas, enquanto muitos gritam e condenam, abre caminho no meio da multidão uma mulher. Não fala; age. Não insulta; compadece-se. Vai contracorrente: sozinha, com a coragem da compaixão, arrisca por amor, encontra forma de passar por entre os soldados apenas para Vos dar o conforto duma carícia no rosto. O seu gesto passará à história, e é um gesto de consolação. Quantas vezes invoco a vossa consolação, Jesus! Mas a Verónica lembra-me que também Vós precisais da consolação: Vós, um Deus próximo, pedis a minha proximidade; Vós, meu consolador, quereis ser consolado por mim. Amor não amado, também hoje procurais no meio da multidão corações sensíveis ao vosso sofrimento, à vossa amargura. Procurais verdadeiros adoradores que, em espírito e verdade (cf. Jo 4, 23), permaneçam convosco (cf. Jo 15), Amor abandonado. Jesus, acendei em mim o desejo de estar convosco, de Vos adorar e consolar. E fazei que eu seja, em vosso nome, consolação para os outros.

Rezemos dizendo: Tornai-me testemunha da vossa consolação

Deus de misericórdia, próximo de quem tem o coração ferido                Tornai-me testemunha da vossa consolação

Deus de ternura, que Vos comoveis por nós                       Tornai-me testemunha da vossa consolação

Deus de compaixão, que detestais a indiferença              Tornai-me testemunha da vossa consolação

Vós que ficais triste quando aponto o dedo contra os outros                   Tornai-me testemunha da vossa consolação

Vós que não viestes para condenar, mas para salvar                     Tornai-me testemunha da vossa consolação.

 

  1. Jesus cai de novo sob o peso da cruz

[O filho mais novo], caindo em si, disse: (…) Levantar-me-ei, irei ter com o meu pai e vou dizer-lhe: «Pai, pequei (…)». E, levantando-se, foi ter com o pai. Quando ainda estava longe, o pai viu-o e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos. O filho disse-lhe: «Pai, pequei (…); já não mereço ser chamado teu filho». Mas o pai disse (…): «Este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado» (Lc 15, 17-18.20-22.24).

Jesus, a cruz pesa! Carrega o peso da derrota, do fracasso, da humilhação. Compreendo-o quando me sinto esmagado pelas coisas, metralhado pela vida e incompreendido pelos outros; quando sinto o peso excessivo e enervante da responsabilidade e do trabalho, quando estou comprimido pelas garras da ansiedade, assaltado pela melancolia, enquanto um pensamento sufocante me vai repetindo: não vais sair desta, desta vez não te erguerás. Mas há pior. Dou-me conta de tocar o fundo, quando volto a cair no mesmo: quando caio de novo nos meus erros, nos meus pecados, quando me escandalizo dos outros e depois apercebo-me de que não sou diferente. Não há nada pior do que ficar desiludido consigo mesmo, esmagado pelo sentimento de culpa. Mas Vós, Jesus, caístes várias vezes sob o peso da cruz, para estar perto de mim quando volto a cair. Convosco a esperança nunca acaba e, depois de cada queda, levanto-me outra vez, porque, quando erro, não Vos cansais de mim, mas ainda mais Vos aproximais. Obrigado por esperardes por mim; obrigado porque volto a cair tantas vezes e me perdoais infinitas vezes: sempre. Recordai-me que as quedas podem tornar-se momentos cruciais no caminho, porque me levam a compreender a única coisa que importa: que preciso de Vós. Jesus, gravai no meu coração a certeza mais importante: que só me levanto verdadeiramente quando Vós me levantais, quando me libertais dos pecados. Porque a vida não recomeça das minhas palavras, mas do vosso perdão.

Rezemos dizendo: Levantai-me, Jesus!

Quando, paralisado pela difidência, sinto tristeza e desânimo               Levantai-me, Jesus!

Quando vejo a minha inadequação e me sinto inútil                      Levantai-me, Jesus!

Quando prevalecem a vergonha e o medo de não conseguir                   Levantai-me, Jesus!

Quando me sinto tentado a perder a esperança               Levantai-me, Jesus!

Quando esqueço que a minha força está no vosso perdão                       Levantai-me, Jesus!

 

  1. Jesus encontra as mulheres de Jerusalém

Seguiam Jesus uma grande multidão de povo e umas mulheres que batiam no peito e se lamentavam por Ele (Lc 23, 27).

Jesus, quem é que Vos segue até ao fim pelo caminho da cruz? Não os poderosos, que Vos esperam no Calvário, nem os espetadores que estão longe, mas as pessoas simples, grandes aos vossos olhos e pequenas aos do mundo. São as mulheres a quem destes esperança: não têm voz, mas fazem-se ouvir. Ajudai-nos a reconhecer a grandeza das mulheres, daquelas que foram fiéis e estiveram perto de Vós na Páscoa, mas também daquelas que ainda hoje são descartadas, sofrendo ultrajes e violências. Jesus, as mulheres que encontrais batem no peito e choram por Vós. Não choram por si mesmas, mas por Vós; choram pelo mal e o pecado do mundo. A sua oração feita de lágrimas chega ao vosso coração. E a minha oração sabe chorar? Comovo-me diante de Vós, crucificado por mim, diante do vosso amor manso e ferido? Choro as minhas falsidades e a minha inconstância? À vista das tragédias do mundo, o meu coração permanece gelado ou enternece-se? Como reajo à loucura da guerra, a rostos de crianças que já não sabem sorrir, a mães que as veem desnutridas e famintas e não têm mais lágrimas para derramar? Vós, Jesus, chorastes por Jerusalém, chorastes pela dureza do nosso coração. Sacudi-me no meu íntimo, dai-me a graça de chorar rezando e de rezar chorando.

Rezemos dizendo: Jesus, enternecei o meu coração endurecido

Vós que conheceis os segredos do coração                       Jesus, enternecei o meu coração endurecido

Vós que Vos entristeceis face à dureza dos ânimos                       Jesus, enternecei o meu coração endurecido

Vós que amais os corações humildes e contritos                           Jesus, enternecei o meu coração endurecido

Vós que enxugastes com o perdão as lágrimas de Pedro                           Jesus, enternecei o meu coração endurecido

Vós que transformais o choro em canto                 Jesus, enternecei o meu coração endurecido.

 

  1. Jesus é despojado das suas vestes

«Senhor, quando foi que Te vimos com fome e Te demos de comer, ou com sede e Te demos de beber? Quando Te vimos peregrino e Te recolhemos, ou nu e Te vestimos? E quando Te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-Te?» E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: «Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 37-40).

Jesus, estas palavras disseste-las antes da Paixão. Agora compreendo a vossa insistência em identificar-Vos com os necessitados: Vós estivestes encarcerado; Vós sois tratado como estrangeiro, levado até fora da cidade para ser crucificado; Vós estais nu, despojado das vestes; Vós, doente e ferido; Vós, sedento na cruz e faminto de amor. Fazei que Vos veja nos atribulados e veja os atribulados em Vós, porque Vós estais neles, em quem é despojado de dignidade, nos cristos humilhados pela prepotência e a injustiça, por lucros iníquos obtidos à custa dos outros na indiferença geral. Olho para Vós, Jesus, despojado das vestes, e compreendo que me convidais a despojar-me de tantas exterioridades. Porque Vós não olhais para as aparências, mas para o coração. E não quereis uma oração estéril, mas caritativamente fecunda. Deus despido, desnudai-me também a mim. Porque é fácil falar, mas será que Vos amo de verdade nos pobres, a vossa carne ferida? Rezo por quem está despojado de dignidade? Ou rezo apenas para acudir às minhas necessidades e rodear-me de segurança? Jesus, a vossa verdade desnuda-me e leva-me a centrar no que importa: Vós crucificado e os irmãos crucificados. Dai-me a graça de o compreender agora, para não ser encontrado despojado de amor quando me apresentar diante de Vós.

Rezemos dizendo: Despojai-me, Senhor Jesus!

Do apego às aparências                    Despojai-me, Senhor Jesus!

Da couraça da indiferença               Despojai-me, Senhor Jesus!

De julgar que não toca a mim socorrer os outros              Despojai-me, Senhor Jesus!

Dum culto feito de respeitabilidade e exterioridade                       Despojai-me, Senhor Jesus!

Da convicção de que a vida corre bem, se eu estiver bem                         Despojai-me, Senhor Jesus!

 

  1. Jesus é pregado na cruz

Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, crucificaram-No a Ele e aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus dizia: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 33-34).

Jesus, trespassam-Vos braços e pés com cravos, dilacerando-Vos as carnes; mas é agora, quando o sofrimento físico é mais atroz, que brota dos vossos lábios a oração impossível: perdoais a quem Vos está cravando os pregos nos pulsos. E não apenas uma vez mas muitas, como recorda o Evangelho com esta forma verbal que indica uma ação repetida: dizíeis «Perdoa-lhes, Pai…». Convosco, Jesus, também eu posso encontrar a coragem de escolher o perdão, que liberta o coração e relança a vida. E, Senhor, não Vos basta perdoar-nos, quereis também desculpar-nos diante do Pai: não sabem o que fazem. Assumis a nossa defesa, fazeis-Vos nosso advogado, intercedeis por nós. Agora que as vossas mãos, com que abençoáveis e curáveis, estão pregadas, e que os vossos pés, com que leváveis a boa nova, já não podem caminhar, agora, na impotência, revelais-nos a omnipotência da oração. No cimo do Gólgota, manifestais-nos a sublimidade da oração de intercessão, que salva o mundo. Jesus, que eu reze não só por mim e pelos meus entes queridos, mas também por quem não me quer bem e me faz mal; que eu reze, segundo os desejos do vosso coração, por quem vive longe de Vós; que eu reze para reparar e interceder em favor de quantos, ignorando-Vos, não conhecem a alegria de Vos amar e ser perdoados por Vós.

Rezemos dizendo: Pai, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro

Pela dolorosa paixão de Jesus                      Pai, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro

Pelo poder das suas chagas                          Pai, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro

Pelo seu perdão na cruz                    Pai, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro

Por quantos perdoam por vosso amor                     Pai, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro

Por intercessão de quantos creem, adoram, esperam e Vos amam                           Pai, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro.

 

  1. Jesus grita o seu abandono

Desde o meio-dia até às três da tarde, as trevas envolveram toda a terra. Cerca das três horas da tarde, Jesus clamou com voz forte: «Eli, Eli, lemà sabactàni?», isto é, «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?» (Mt 27, 45-46).

Jesus, eis a oração inaudita! Gritais ao Pai o vosso abandono. Vós, Deus do céu, não trovejais respostas, mas perguntais porquê? No auge da Paixão, sentis a distância do Pai; e já nem O chamais Pai – como sempre –, mas Deus, como se já não conseguísseis identificar o seu rosto. Por que é que sucede isto? Para mergulhardes até ao fundo no abismo do nosso sofrimento. Fizeste-lo por mim, para que, quando vir apenas escuridão, quando experimentar o colapso das certezas e o naufrágio da vida, já não me sinta só, mas acredite que Vós estais lá comigo: Vós, Deus da comunhão, que experimentais o abandono para não mais me deixar refém da solidão. Quando gritastes o vosso porquê, fizeste-lo com um Salmo: assim trouxestes à oração a desolação mais extrema. Eis o que se deve fazer nas tempestades da vida: em vez de calar e guardar dentro, gritar por Vós. Glória a Vós, Senhor Jesus, porque não fugistes da minha confusão, mas viveste-la profundamente; louvor e glória a Vós que, assumindo todas as distâncias, fizestes-Vos próximo de quem está mais longe de Vós. E, na escuridão dos meus porquês, encontro-Vos a Vós, Jesus, luz na noite. E, no grito de tantas pessoas sozinhas e excluídas, oprimidas e abandonadas, revejo-Vos a Vós, meu Deus: fazei que Vos reconheça e Vos ame.

Rezemos dizendo: Jesus, fazei que Vos reconheça e vos ame

Nas crianças não nascidas e nas abandonadas               Jesus, fazei que Vos reconheça e vos ame

Em tantos jovens à espera de alguém que ouça o seu grito de dor                           Jesus, fazei que Vos reconheça e vos ame

Nos inúmeros idosos descartados              Jesus, fazei que Vos reconheça e vos ame

Nos presos e em quem vive sozinho                        Jesus, fazei que Vos reconheça e vos ame

Nos povos mais explorados e esquecidos                           Jesus, fazei que Vos reconheça e vos ame.

 

  1. Jesus morre entregando-Se ao Pai e dando ao bom ladrão o Paraíso

[Um dos malfeitores crucificado] disse: «Jesus, lembra-Te de mim quando estiveres no teu Reino». Ele respondeu-lhe: «Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso». (…) Dando um forte grito, Jesus exclamou: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito». Dito isto, expirou (Lc 23, 42-43.46).

Jesus, um malfeitor no Paraíso!!! Ele confia-Se a Vós, e Vós O confiais juntamente convosco ao Pai. Deus do impossível, dum ladrão fazeis um santo. Mais: no Calvário, mudais o curso da história. Fazeis da cruz, emblema do suplício, o ícone do amor; do muro da morte, uma ponte para a vida. Transformais as trevas em luz, a separação em comunhão, o sofrimento em dança, e o próprio túmulo – última estação da vida – no ponto de partida da esperança. Mas estas inversões, realizai-las connosco, nunca sem nós. Jesus, lembrai-Vos de mim: esta oração sincera permitiu-Vos fazer maravilhas na vida daquele malfeitor. Força inaudita da oração. Às vezes penso que a minha oração não seja ouvida, mas o essencial é perseverar, ter constância, recordar-se de Vos dizer: «Jesus, lembrai-Vos de mim». Lembrai-Vos de mim e o meu mal já não será última paragem, mas um recomeço. Lembrai-Vos, isto é, colocai-me de novo no vosso coração, mesmo quando me afastar, quando me perder na roda da vida que gira loucamente. Lembrai-Vos de mim, Jesus, porque ser recordado por Vós – assim no-lo mostra o bom ladrão – é entrar no Paraíso. Sobretudo lembrai-me, Jesus, que a minha oração pode mudar a história.

Rezemos dizendo: Jesus, lembrai-Vos de mim

Quando a esperança se desvanece e reina a desilusão                Jesus, lembrai-Vos de mim

Quando sou incapaz de tomar uma decisão                      Jesus, lembrai-Vos de mim

Quando perco a fé em mim e nos outros                Jesus, lembrai-Vos de mim

Quando perco de vista a grandeza do vosso amor                          Jesus, lembrai-Vos de mim

Quando penso que minha oração seja inútil                       Jesus, lembrai-Vos de mim.

 

  1. Jesus é descido da cruz e posto nos braços de Maria

Simeão (…) disse a Maria, sua mãe: «Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; uma espada trespassará a tua alma» (Lc 2, 34-35).

Maria, depois do vosso «sim», o Verbo fez-Se carne no vosso ventre; agora, reclinada sobre o vosso ventre, está a sua carne torturada: aquele menino que trazíeis nos braços é um cadáver dilacerado. E todavia, agora no momento mais doloroso, resplandece a vossa oferta: uma espada trespassa-Vos a alma e a vossa oração continua a ser um «sim» a Deus. Maria, nós somos pobres de «sins e ricos de «ses»: se tivesse tido pais melhores, se tivesse sido mais compreendido e amado, se a minha carreira tivesse corrido melhor, se não tivesse havido aquele problema, se eu ao menos deixasse de sofrer, se Deus me ouvisse… Ao perguntar-nos perpetuamente pelo porquê das coisas, sentimos dificuldade em viver o presente com amor. Vós teríeis muitos «ses» para dizer a Deus, mas ainda dizeis «sim». Forte na fé, acreditais que o sofrimento, permeado pelo amor, produz frutos de salvação; que o sofrimento com Deus não tem a última palavra. E, enquanto segurais nos braços Jesus inanimado, ressoam em Vós as últimas palavras que Ele Vos dirigiu: Eis o teu filho. Mãe, sou eu aquele filho! Acolhei-me nos vossos braços e debruçai-Vos sobre as minhas feridas. Ajudai-me a dizer «sim» a Deus, «sim» ao amor. Mãe de piedade, vivemos num tempo cruel e precisamos de compaixão: Vós, terna e forte, ungi-nos de mansidão: dissolvei as resistências do coração e os nós da alma.

Rezemos dizendo: Tomai-me pela mão, Maria

Quando cedo a recriminações e a fazer a vítima              Tomai-me pela mão, Maria

Quando deixo de lutar aceitando conviver com as minhas falsidades                    Tomai-me pela mão, Maria

Quando vou adiando e não encontro a coragem de dizer «sim» a Deus

Tomai-me pela mão, Maria

Quando sou indulgente comigo mesmo e inflexível com os outros                           Tomai-me pela mão, Maria

Quando quero que a Igreja e o mundo mudem, mas eu não mudo                           Tomai-me pela mão, Maria.

 

  1. Jesus é colocado no túmulo de José de Arimateia

Ao cair da tarde, veio um homem rico de Arimateia, chamado José; que também se tornara discípulo de Jesus. Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. (…) José tomou o corpo, envolveu-o num lençol limpo e depositou-o num túmulo novo, que tinha mandado talhar na rocha (Mt 27, 57-60).

José: o nome que juntamente com o de Maria está no alvorecer do Natal, marca também a aurora da Páscoa. José de Nazaré sonhou e corajosamente levou Jesus para O salvar de Herodes; tu, José de Arimateia, tomas o corpo d’Ele, sem saber que um sonho impossível e maravilhoso se vai realizar lá mesmo, no túmulo que deste a Cristo quando pensavas que Ele não poderia fazer mais nada por ti. Ao contrário, é mesmo verdade que toda a dádiva feita a Deus recebe uma recompensa maior. José de Arimateia, és o profeta da coragem ousada. Para dar o teu dom a um morto, vais ter com o temido Pilatos e fazes-lhe um pedido, para poderes oferecer a Jesus o túmulo que fizeras construir para ti. O teu pedido é tenaz, e às palavras seguem-se as obras. Tu, José, recordas-nos que a oração insistente dá fruto e atravessa até a escuridão da morte; que o amor não fica sem resposta, mas oferece novos começos. O teu túmulo – único na história – será fonte de vida: era novo, há pouco escavado na rocha. E eu, o que dou de novo a Jesus nesta Páscoa? Um pouco de tempo para estar com Ele? Um pouco de amor para os outros? Os meus medos e as minhas misérias sepultadas, que Cristo espera lhe sejam oferecidos como fizeste tu com o túmulo? Será verdadeiramente Páscoa se der algo de meu Àquele que por mim deu a sua vida: pois é dando que se recebe; a vida é encontrada quando se perde, e é possuída quando se dá.

Rezemos dizendo: Tende piedade, Senhor

De mim, preguiçoso para me converter                  Tende piedade, Senhor

De mim, que gosto muito de receber e pouco de dar                     Tende piedade, Senhor

De mim, incapaz de me render ao vosso amor                  Tende piedade, Senhor

De nós, prontos a servir-nos das coisas, mas lentos em servir os outros              Tende piedade, Senhor

Do nosso mundo, infestado pelos túmulos do egoísmo               Tende piedade, Senhor.

 

Invocação final (do nome de Jesus, 14 vezes)

Senhor, nós Vos suplicamos como aqueles necessitados, frágeis e doentes do Evangelho que Vos invocavam com a palavra mais simples e familiar, isto é, com o vosso nome.

Jesus, o vosso nome salva, porque Vós sois a nossa salvação.

Jesus, sois a minha vida e, para não perder o rumo no caminho, preciso de Vós, que perdoais e ergueis, que curais o meu coração e dais sentido ao meu sofrimento.

Jesus, tomastes sobre Vós o meu mal e, da cruz, não me acusais, mas abraçais-me; Vós, manso e humilde de coração, curai-me do rancor e do ressentimento, libertai-me da suspeita e da desconfiança.

Jesus, olho para Vós na cruz e vejo escancarar-se diante dos meus olhos o amor, sentido do meu ser e meta do meu caminho: ajudai-me a amar e a perdoar, a superar a impaciência e a indiferença, a não me lamentar.

Jesus, na cruz tivestes sede, e é sede do meu amor e da minha oração; precisais disso para realizar plenamente os vossos projetos de bem e de paz.

Jesus, agradeço-Vos por todos aqueles que respondem ao vosso convite e são perseverantes na oração, têm a coragem de acreditar e a constância para avançar nas dificuldades.

Jesus, apresento-Vos os pastores do vosso povo santo: a sua oração sustenta o rebanho; que eles encontrem tempo para estar diante de Vós, conformem o seu coração ao vosso.

Jesus, bendigo-Vos pelas contemplativas e os contemplativos, cuja oração, escondida do mundo e agradável a vossos olhos, guarde a Igreja e a humanidade.

Jesus, trago à vossa presença as famílias e as pessoas que rezaram esta noite nas suas casas, os idosos, especialmente os que estão sozinhos, os doentes, joias da Igreja que unem os seus sofrimentos ao vosso.

Jesus, que esta oração de intercessão alcance as irmãs e os irmãos que, em muitas partes do mundo, sofrem perseguições por causa do vosso nome; aqueles que sofrem o drama da guerra e quantos, com a força que lhes vem de Vós, carregam cruzes pesadas.

Jesus, com a vossa cruz fizestes de todos nós um só: uni os crentes em comunhão, infundi sentimentos fraternos e pacientes, ajudai-nos a colaborar e a caminhar juntos; guardai a Igreja e o mundo na paz.

Jesus, juiz santo que me chamareis pelo nome, livrai-me dos juízos temerários, da crítica e das palavras violentas e ofensivas.

Jesus, antes de morrer dissestes «tudo está consumado» (Jo 19, 30). Incompleto como estou, não poderei dizer o mesmo; mas confio em Vós, porque sois a minha esperança, a esperança da Igreja e do mundo.

Jesus, quero dizer-Vos ainda uma palavra e ficar repetindo-a: obrigado! Obrigado, meu Senhor e meu Deus.

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