D. António Carrilho, bispo do Funchal, passa em revista as comemorações deste aniversário e projeta futuro da Igreja na região
Que Balanço é que faz das celebrações que têm decorrido por ocasião dos 500 anos da constituição da Diocese do Funchal?
D. António Carrilho – A apreciação que nos chega é bastante positiva nos diversos âmbitos e setores tanto da parte de muitos sacerdotes, como da parte dos bispos que aqui estiveram e partiram e deixaram uma palavra de mensagem, como da parte da nossa gente que se cruzando connosco se aproxima, felicita e alegra pelo modo como tudo decorreu.
Eu alegro-me e dou graças a Deus por aquilo que foram estas comemorações e até por aquilo que elas significaram em termos públicos e sociais. Foram comemorações que tiveram três celebrações religiosas realmente marcantes, o Pentecostes, o dia 12 de junho, dia da assinatura da bula (‘Pro Excelenti Praeminentia’ do Papa Leão X) da diocese, como no dia 15 a grande assembleia jubilar. Portanto, foram três assembleias, três celebrações nucleares e muito participadas.
Depois a preocupação de ser presença social e cultural. Fizemos três concertos com muita qualidade e muita mensagem, a publicação de um livro que sobre a diocese, a edição filatélica com seis selos, em parceria com os Correios de Portugal (CTT), que ficam a assinalar esta data em aspetos importantes porque as imagens que foram escolhidas são integradas nestes 500 anos desde o seu início, como a Bula ou a vinda do Papa João Paulo II, que foi um grande momento histórico e eclesial da nossa diocese.
Nestes diversos aspetos, como na exposição de arte sacra também quisemos trazer 500 anos de história em 56 peças selecionadas com muito cuidado e que fossem significativas do desenvolvimento da fé da nossa gente ao longo deste tempo, assim expresso com amor, dedicação e generosidade em obras e arte que espelham aquilo que foi o crescimento da fé, das devoções e da vivência das próprias comunidades.
Foi uma oportunidade de a diocese se dar a conhece melhor à sociedade?
D. António Carrilho – Em parte sim, porque não ocultamos nada e procuramos ser uma presença ativa e interventiva na sociedade, com as pessoas a intervirem, cada uma aos seus diferentes níveis, nas suas diferentes posições. Um dos meus lemas das preocupações e princípios pastorais é o da corresponsabilidade e participação, esta consciência que o bispo não é tudo. Não é o bispo com os padres e com religiosos, a Igreja somos todos nós e por isso mesmo, cada um no seu posto tem de assumir as suas responsabilidades. O bispo tem responsabilidades que são dele, que as assuma, os sacerdotes têm responsabilidades que são deles, que as assumam mas não podemos prescindir nem dos religiosos nas suas posições, nem sobretudo dos leigos nesta presença social.
O Papa Francisco, na linha do que vinha de trás, com a autoridade que tem, diz que é preciso que cada um assuma as responsabilidades nas próprias famílias, nos grupos, na sociedade, na ação social e política. Quer dizer, o cristão onde está tem de ser cristão e a Igreja está com ele e ele está na Igreja, assim realmente se reflita a grande mensagem da Igreja que é a sua mensagem social. Gosto de sublinhar este aspeto porque muitas vezes olha-se a mensagem da Igreja como o catecismo doutrina mas há um segundo catecismo, consequências sociais da doutrina que é exatamente o catecismo social. Os princípios de ordem humana, os valores da ética e o compromisso social são princípios essenciais e que tornam a Igreja presente através da totalidade e das diversas responsabilidades dos seus membros.
Na semana jubilar contaram sempre com entidades políticas, culturais, no fundo representantes da sociedade civil. Esta presença é fruto das boas relações que se estabelece entre Igreja e Estado, Igreja e a Cultura e a Igreja e a Sociedade?
D. António Carrilho – Existe um princípio que sempre defendi e na minha entrada afirmei, que foi o princípio da autonomia e da cooperação. Autonomia em relação a todas as instituições públicas e privadas que nós temos de respeitar uns aos outros na nossa natureza, nos nossos objetivos ma quando está em causa o bem-comum temos de cooperar. A boa articulação e a boa cooperação têm de fazer-se com todos na linha do bem-comum e por isso mesmo nó tivemos desta vez como sempre a preocupação de criar espaço e abertura precisamente para quem quiser participar. Evidentemente, não podemos esquecer a responsabilidade daqueles que tendo sido eleitos têm uma especial representatividade do próprio povo e respeitando-nos uns aos outros, nos nossos objetivos, e na nossa natureza damos as mãos e queremos dá-las com todos para bem dom nosso povo.
Qual é o papel do bispo nestes novos tempos, no século XXI?
D. António Carrilho – É ser pastor, sendo muito direto. O bispo tem de ser pastor que significa, olhando para Cristo o bom pastor ser aquele que torna Jesus próximo de todos como Ele esteve próximo. Diz que Ele conhecia as suas ovelhas e que elas que o Conheciam, que estava disposto a dar a vida por elas, e aquilo que tinha para lhes dar era corresponder às suas necessidades fundamentais, satisfazer as suas sedes, satisfazer a necessidade de alimento para prosseguir um caminho de vida com aquela força espiritual eu naturalmente terá que poder usufruir. Portanto, a presença de um bispo numa diocese, e o Papa Francisco tem falado nisso muitas vezes, é exatamente o ser pastor atento, o ser pastor que acompanha, que se dá conta das necessidades, que não prescinde de anunciar os valores que são aqueles que brotam do Evangelho de Jesus, aliás, Ele sempre o fez, nunca calou aquilo que tinha para dizer, tinha princípios, valores a anunciar e dava-se por eles.
A responsabilidade de um bispo é fundamentalmente esta, por isso é importante um bispo próximo, as pessoas vêm isso no Papa e alegram-se com essa proximidade. Nós queremos estar próximos com uma palavra acessível, uma palavra de resposta, mas que se assuma exatamente naquilo que é específico e é próprio. As responsabilidades são participadas e partilhadas, evidentemente que o bispo não poderá fazer tudo nem a Igreja se deve confundir com o bispo. O lugar do pastor é de pastor mas há lugar daqueles que acolhendo a palavra, deixando-se conduzir por ela também com o bispo vão dando a vida e é nesta comunhão como corpo que é a Igreja que a nossa missão se vai realizando.
Qual a importância da formação cristã das comunidades madeirenses?
D. António Carrilho – A questão da pastoral, da formação, do esclarecimento, aprofundamento e transmissão da fé e aqui na Madeira é fundamental porque estamos numa sociedade não só pluricultural mas multicultural e religiosa pela circunstância até de um turismo que cria mobilidade e traz por aqui milhares e milhares de pessoas e a nossa gente está constantemente em relação com outras ideias, costumes e perspetivas de vida. E, portanto, queremos pessoas que tenham os seus próprios critérios, que tenham a sua formação própria porque hoje as pessoas têm de agir em termos religiosos numa linha de fé, como alguém que tem razões da sua fé e da sua esperança e crê conscientemente. Não é uma razão de costumes somente, embora as tradições tenham muita força e não deixem de ter de um momento para o outro, e é bom que as tradições continuem a aflorar valores e a ajudá-los até a repensar. Sem dúvida nenhuma que queremos que cada um assuma conscientemente as suas próprias posições, o testemunho da sua fé porque só isso é que se pode tornar positivo. Não é por costume, não é por tradição mas é porque creio e assim o testemunho.
É uma educação na fé da própria religiosidade popular?
AC – Sem dúvida nenhuma que temos de partir daquilo que temos e esclarecer e enriquecer em termos de projeto de vida cristã o que nos chega como tradição. Existem tradições muito bonitas, que podem ser enriquecidas e temos responsabilidade de o fazer mas em toda a Igreja esta preocupação existe ou deve existir porque a tradição forma-se ao longo dos tempos, entra numa prática que pode em algumas situações tornar-se rotineira, porque é o costume, é o que se faz, mas dar o sentido daquilo que se faz e porque é que se faz em termos práticos e concretos das nossas tradições é fundamental. O esclarecimento, o aprofundamento e a transmissão da fé é exatamente nesta linha.
Depois, é evidente que gostaria de chegar com muito empenho às famílias para que possam quês e possam apresentar como verdadeiras famílias cristãs dentro do projeto da Igreja. Portanto, unidos pelo sacramento do matrimónio, com as graças próprias desse sacramento e caminharem para a comunhão de vidas ao serviço da vida mas ao serviço da felicidade das próprias pessoas. Eu costumo dizer que sobre a família muito já está escrito mas espero que muito mais se venha a escrever através do sínodo dos bispos, em outubro.
Em relação à família nós temos a preocupação de olhar a nossa realidade, do país e a dinâmica da Igreja universal, portanto existem princípios que assumimos, mas sem nos deligarmos do que são os dinamismos, seja um projeto da Conferência Episcopal Portuguesa ou um projeto a partir do Papa.
Uma questão fundamental é a vertente social. Nós felizmente temos em grupos organizados, e não corresponde a toda a pastoral social porque existe muita atividade de presença, de apoio, de caridade e serviço fraterno que só Deus conhece porque as pessoas na sua simplicidade e descrição vão procurando fazer o bem a quem podem e há muito bem que se faz e que não conhece mas Deus conhece. Em grupos organizados temos conferências vicentinas em mais de 50 por cento das paróquias e temos a Cáritas Diocesana procurando estar sobre as situações mais criticas, sobre as dificuldades maiores e numa situação de crise é um alerta e uma preocupação constante de ajudar, dentro de uma orientação, mas de atenção e procurando caridade.
A questão da solidariedade, da caridade é cada vez mais uma parte importante do plano pastoral da Igreja?
D. António Carrilho – É uma consequência necessária dos espírito cristão que é espírito de fraternidade. São Tiago diz que “a fé sem obras é morta, as obras da fé são as obras do amor, as obras da caridade” e mais do que solidariedade gosto de dizer fraternidade para dar o sentido de comunhão de irmãos que brota desta relação de filhos de Deus. Não tiro nada à solidariedade apenas acrescento esta dimensão de uma exigência de fé de quem crê realmente nesta relação filial com Deus e na relação fraterna com os outros.
Não há dúvida nenhuma que é uma exigência de sempre e numa exigência de crise, pode em certas situações tornar mais exigente e ser necessário uma resposta mais generosa, mais delicada, mais pronta, mais próxima. É verdade mas é uma exigência de sempre porque “a fé sem obras é morta” e o amor, caridade tem de se traduzir na proximidade.
De 17 a 20 de setembro vai realizar-se o congresso internacional ‘Diocese do Funchal, a Primeira Diocese Global – História, Cultura e Espiritualidades”. Este evento inserido nas comemorações dos 500 anos da criação da Diocese do Funchal vai ser um momento importante?
D. António Carrilho – A nossa programação teve um crescente em diversas áreas. O aspeto pastoral praticamente, ao longo destes três anos, em cada um tivemos um lema e um conjunto de objetivos que analisados levaram-nos a rever quase toda a ação pastoral na nossa diocese e diante de um princípio que a paróquia deve fazer as suas opções mediante as suas necessidades, os arciprestados devem também fazer as suas e a diocese também deve ter as suas organizações.
Ao longo de três anos caminhamos assim procurando tocar aspetos da liturgia, da religião, das manifestações e expressões cultuais mas também na linha dam cultura, do património que são aspetos que nunca estiveram desligados e tudo foi convergindo para a hipótese de um grande congresso porque queremos conhecer melhor a nossa realidade, queremos aprofundar esse conhecimento de um modo científico numa linha muito aberta sem ocultar ou relevar aspetos. Nós queremos com simplicidade assumir as nossas realidades, aquilo que é o nosso passado, interpretá-lo no seu contexto, porque é extremamente importante que não se faça com os olhos do presente porque interpretamos mal, num contexto desligado. Por isso conhecer a realidade, procurar aprofundá-la no seu contexto específico, próprio, de ocasião e depois tentar ver através disso os dinamismos que presentes na identidade da nossa gente, como também nas exigências daquilo que o futuro apresenta.
Tem sido importante para a Igreja, e certamente que vamos profundar no congresso, verificar como a sementeira de valores humanos, dos valores da solidariedade e da fraternidade e outros valores evangélicos, forma moldando o perfil do homem e da mulher madeirenses. Quer queiramos, quer não queiramos, as marcas ficaram e foi dentro deste contexto que desenvolvendo toda uma ação cultural queremos ao mesmo tempo verificar que os dinamismos que brotam do nosso passado se podem interpretar hoje, no seu significado mais autêntico. Este trabalho implica muita pesquisa que não estará ao alcance de todos fazê-lo mas poderemos contar com muita gente apta, capaz para efetivamente o fazer.
Queremos ir mais longe tanto na linha humanista, esta aposta na pessoa humana que marca a ação da Igreja na nossa terra: Os hospitais que se fizeram, a resposta aos problemas da peste, a presença junto de crianças, jovens e idosos. Tudo isso é evidentemente a aposta na pessoa mas não apenas nos aspetos humanos e sociais mas naquilo que é mais intimo e profundo em termos de aspirações, em termos de projetos e há princípios fundamentais que brotam do Evangelho e que penso que realmente abrem caminho a quer viver e ser feliz.
Jesus disse “eu sou caminho verdade e a vida, quem vai por mim vai bem”, e eu queria que pudéssemos, aprofundando aquilo que somos, descobrindo mais profundamente dinamismo que nos podem relançar ou lançar para o futuro e depois abrir caminhos de felicidade para as pessoas.
Que as pessoas sejam felizes com Deus e a Igreja possa ser um instrumento a que nós nos comprometemos, o bispo como pastor e a Igreja toda com o bispo nesta comunhão procurando servir amando.
Celebrar 500 anos também é olhar o futuro. Quais são os grandes desafios para esta Igreja madeirense?
D. António Carrilho – Em termos de princípios, repito aqueles que nortearam à chegada. Quero contar com as pessoas e digo às pessoas que contem comigo e esta ideia de corpo e comunhão é fundamental como motor de qualquer ação pastoral. O da autonomia e da cooperação também é fundamental. Depois, a corresponsabilidade e participação, o bispo não é tudo, nem as suas instâncias, nem os seus órgãos são absolutos. Nesse sentido, queremos pensar naquilo que podemos pensar juntos, delinear juntos as respostas que têm de ser dadas e assumirmos conjuntamente, cada um com a sua parte, por isso é participação.
A continuidade e a criatividade pastoral são fundamentais. Eu não posso criar descontinuidade, eu tenho de saber de onde venho, o que tenho e para onde devo partir mas não posso parar diante de um passado ou de um presente, eu tenho de abrir os olhos e responder aquilo que são as novas questões, as exigências de um futuro. Nesse sentido, considero que dentro desta base não tínhamos mais a fazer do que procurarmos generosamente discernir a realidade, para podermos prosseguir segundo as nossas responsabilidades.
A entrevista, publicada no Semanário ECCLESIA, resulta de uma colaboração entre o Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (CLEPUL) e a ECCLESIA, que incluiu a produção de uma série de documentários televisivos sobre os 500 anos da Diocese do Funchal.