D. Carlos Azevedo, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, aborda em entrevista o tema escolhido para a Semana Cáritas, destacando a importância de um esforço conjunto para a erradicação da pobreza
D. Carlos Azevedo, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, aborda em entrevista o tema escolhido para a Semana Cáritas, destacando a importância de um esforço conjunto para a erradicação da pobreza e perspectivando as implicações que a visita de Bento XVI poderá trazer para esta área. Cada um deve também reequacionar o seu posicionamento face ao mundo do trabalho, adverte, frisando também que o combate contra a pobreza e a exclusão social depende muito de comportamentos pessoais.
Agência ECCLESIA (AE) – Recentemente a UE indicou que 17 % da população vive abaixo do limite de pobreza. Em Portugal o desemprego ultrapassa os 10% e mesmo alguns empregados estão em risco de pobreza. Como explicar esta situação?
D. Carlos Azevedo (CA) – A conjectura internacional – mas também a uma opção económica e o modelo de desenvolvimento – não tem em conta a disparidade de salários, não tem em conta que o emprego falha, não só pela mobilidade das empresas, mas também pelos recursos tecnológicos que vão dispensando pessoas. O emprego vai ser escasso no futuro, por isso é preciso repensar a forma como a pessoa se relaciona com o seu trabalho e com a remuneração inerente.
AE – Há um desfasamento entre a realidade e a forma como as pessoas estão habituadas a fazer a sua vida?
CA – Esse “equacionamento” exige, quer da parte dos que governam, como das empresas, mas também do país, tanto do ponto de vista económico como político, uma regulação exigente do poder político sobre o poder económico. Esta regulação tem sido inexistente e por isso se caiu nesta crise. Também as pessoas necessitam reorientar as suas opções de vida – não optar pelo consumo desenfreado. Vive-se acima das possibilidades e isso tem de terminar. Não se pode viver de empréstimos, porque quando falha o emprego, cai-se no desespero. O “primeiro gasto, depois pago”, o incitamento verdadeiramente diabólico ao consumo tem de ser repensado.
AE – A nível governativo, as causas estruturais e a ajuda de emergência são confundidas?
CA – São duas frentes que se têm de enfrentar. Por um lado, providenciar o socorro imediato para quem precisa, mas também dar condições para que essas pessoas saiam da pobreza, porque é possível erradicá-la. Se assim é, torna-se necessário fazer uma estratégia para atingir esses objectivos.
AE – Tem-se feito pouco ou as políticas estão mal direccionadas?
CA – A sociedade civil, nomeadamente alguns movimentos na Igreja – Cáritas, Misericórdias, a Sociedade São Vicente de Paulo, entre outras organizações –, têm feito um bom trabalho, mas o seu trabalho não é visto. Os políticos não gostam do trabalho que exige muito esforço e pouco rendimento. Formar pessoas é lento, exige paciência, com fracassos, desânimos, resistências pelo meio. Estas instituições, porque têm outro espírito, insistem e persistem até ver resultados. A nível político, as pessoas não têm esta resistência e persistência.
Desenvolver este trabalho exige um movimento de pedagogia social. E quanto mais global for, mais resultados terá. Só com a sociedade como um todo, envolvendo também, o poder político, poderemos encontrar alguns modos que, com o tempo, irão resultar num país diferente.
AE – Qual a oportunidade do Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social?
CA – Como todas, estas campanhas são sempre oportunidades para sensibilizar as pessoas. Depende depois de como cada um fica sensibilizado e altera os seus comportamentos, quer associativos quer pessoais. O combate contra a pobreza e a exclusão social depende muito de comportamentos pessoais, na relação com o outro, mas também de empresas para que assumam com mais atenção a sua responsabilidade social. Será nestes dois níveis que poderá advir fecundidade e realismo resultante das campanhas, que são positivas porque despertam as pessoas. O facto de estarmos a falar nisso é já uma consequência desta iniciativa internacional.
AE – Como desencadear medidas concretas a partir destes momentos de sensibilização?
CA – Há exclusões que podemos alterar de modo eficaz se houver medidas de apoio. A exclusão de pessoas deficientes, a exclusão de pessoas com diferentes formas de pensar, a exclusão vária de grupos minoritários, a questão dos imigrantes que em Portugal é muito importante…
Há medidas relacionadas com estes grupos identificados que podem ser tomadas com vista a acabar com a exclusão. Para o combate à pobreza é necessária a implicação de todos. Só uma acção comum, alicerçada em medidas de quem tem a missão de governar, podemos enfrentar essa situação.
AE – São todos esses grupos por si focados que o tema da semana Cáritas – «Erradicar a pobreza, radicar a justiça» – quer colocar no centro?
CA – Valorizando também a dimensão que o Papa Bento XVI foca na encíclica «Caritas in veritate», onde junta justiça e caridade. É preciso alterar algumas dimensões jurídicas para haver uma atitude de caridade. A justiça e caridade devem andar unidas e ser complementares. A caridade vai além da justiça mas pressupõe a justiça. Não se pode esquecer um apelo para uma sociedade mais justa, para que as disparidades de ordenados e entre ricos e pobres permaneçam sem medidas eficazes no combate a esta degradação que se tem acentuado.
Por justiça há coisas que devem ser feitas para que exista também a vontade de cada um em colaborar. Precisamos ver sinais positivos por parte de quem tem o poder legislativo.
AE – É possível haver uma coordenação nacional da pastoral social na Igreja?
CA – As múltiplas iniciativas que em 2009 se desenvolveram têm como objectivo criar uma rede social. O Simpósio «Reinventar a Solidariedade», as Jornadas Pastorais do Episcopado, a Semana Social, em Aveiro, e também o próximo encontro, de Pastoral Social que tem como tema «Dar-se de Verdade» e que vai seguir as directrizes da última encíclica do Papa, dando continuidade à reflexão sobre a inovação e que obriga a alterar o nosso modo de pensar, quer criar essa rede entre Cáritas, Centros Sociais e Paroquiais, Misericórdias, Vicentinos, e demais agentes. Cada vez mais é necessário este trabalho em rede. As inovações tecnológicas ajudam-nos também para este trabalho em rede. Mas há obstáculos. Cada diocese é independente, cada bispo tem os seus próprios mecanismos e a nível nacional pode haver dinamismos que não sejam aplicados nalgumas dioceses.
AE – Há dioceses mais despertas para a área social do que outras?
CA – Sim, sem dúvida, e isso acontece porque algumas pessoas são mais sensíveis e acabam por envolver movimentos e dinamizar dioceses. Noutros locais não há “discípulos do bem comum” capazes de movimentar a diocese nesta linha, mas estou certo que se rezarmos para que o Espírito Santo dinamize a Igreja, isso acontecerá. É possível fazer uma coordenação maior, em cada diocese, dos vários movimentos e grupos para um melhor aproveitamento de recursos. Por vezes, podemos fazer o mesmo ou quase estar em competição nos mesmos trabalhos, e isso é negativo.
AE – Poderá haver demasiada atenção nalgumas áreas e haver outras descuradas?
CA – Compete a quem coordena olhar muito para realidade, porque a realidade muda. Hoje fazem-se análises e cinco anos depois, já a realidade mudou. É necessário um olhar atento. E a Igreja está, como ninguém, próxima das pessoas. Dentro dessa proximidade podemos ver novas formas de pobreza como a solidão, podemos perceber a precariedade laboral. Tudo isto exige, a quem coordena, pensar as situações que têm sido descuradas. Também o bispo deve mobilizar os cristãos para responder concretamente a apelos e não apenas a situações já equacionadas mas, que por questões de rotina se continua a atender, descurando outros campos.
AE – A proximidade com as situações de carência é uma mais-valia que a Igreja chama a si para a criação de um Observatório Social. Como está esse processo?
CA – A Cáritas assumiu este projecto através do N. O. S. – Núcleo de Observação Social e continua a fazer permanentes levantamentos nas dioceses para, juntamente com especialistas, poder dar um retrato fiel da realidade.
AE – Que oportunidade constitui o encontro que o Papa vai ter com os membros da pastoral social, na sua visita a Portugal?
CA – O Papa Bento XVI tem sido um grande mestre em doutrina social. Todos os que o puderem ouvir pessoalmente vão receber um estímulo, a confirmação da utilidade do seu trabalho em prol dos mais carenciados e débeis, mas também irão receber as orientações que o Santo Padre poderá dar para este campo tão exigente de permanente verdade e de um amor sem medida.