LUSOFONIAS – Todos irmãos, mesmo todos?

Tony Neves, em Roma

O Papa Francisco continua a ‘primeirear’, como propôs na ‘Alegria do Evangelho’, o seu primeiro grande texto programático. Sim, ‘primeirear’ é tomar a iniciativa, ser primeiro a dar certos passos, avançar à frente ….rumo a uma Igreja e um mundo onde a  fraternidade não seja mais palavra de dicionário, mas corresponda a vidas concretas e felizes.

‘Todos somos irmãs e irmãos’, é muito claro para o Papa Francisco, como foi claro demais na vida e palavras de Cristo há dois mil anos. Durante mais de dois milénios, o mundo está a marcar passo na realização deste objectivo maior. Muitas vezes focamos mais aquilo que nos separa do que o que nos une. E, com estas posturas arrogantes, o mundo tem construído mais muros do que pontes.

Com este documento, o Papa Francisco tenta dar um passo rumo a um futuro de fraternidade universal. Se formos verdadeiramente irmãos, serão pouco decisivos a raça, a cor, o país, as ideias, a religião, o clube de futebol, os gostos pessoais, os títulos académicos, a conta bancária, o emprego, as músicas preferidas… porque, no essencial, estamos abraçados: somos todos irmãs e irmãos uns dos outros, sem fronteiras.

É um texto bonito, inspirador para estes tempos de pandemia mundial. Publicado em Assis e em dia de São Francisco, é um sinal para o mundo inteiro, como Francisco é símbolo de paz e fraternidade universal. É um documento ousado que não agrada a todos. Uns o definem como algo que ultrapassa a dogmática católica, outros o consideram como ideal ainda aquém do que o mundo precisa para ser mais humano. Independentemente dos rios de tinta que fará correr, quero já deixar bem clara a minha posição: a favor, completamente. A única viagem que faz sentido é aquela que nos levar ao coração dos outros, a começar por aqueles que pensam e rezam diferente de mim. Deus criou-nos irmãos e Cristo pediu-nos que nos amássemos uns aos outros e partíssemos ao encontro de todos, como ele andou por terras da Galileia e Samaria.

Não quero crer que este seja apenas mais um lindo texto para decorar estantes e encher bibliotecas. Também não quero que seja uma encíclica aplaudida (ou contestada), mas que não ajude as pessoas a aumentar os seus indicadores de bondade. Temos que melhorar o estado de saúde do nosso mundo, pois essa é a nossa missão primordial. O resto virá tudo por acréscimo…

As palavras e os gestos do Papa em Assis. foram tão densos, tão intensos, tão profundos, tão provocadores…. Aos Bispos, o Papa explica: ‘o título é a mensagem de Jesus animando-nos a reconhecermos todos como irmãos e irmãs e assim viver na casa comum que o Pai nos confiou’. Esta Carta Encíclica, sobre a fraternidade e a amizade social, tem por título a expressão que S. Francisco de Assis usava para se dirigir a todos para lhes propor ‘uma forma de vida com sabor a Evangelho (FT 1).’ S. Francisco propunha uma ‘fraternidade aberta que permite reconhecer, valorizar e amar cada pessoa, para além do contexto físico, para lá do lugar do mundo onde tenha nascido ou viva’ (FT1).

Francisco é exemplo porque semeou a paz por onde passou e caminhou com os pobres, abandonados, doentes e descartados. Em resumo, esteve sempre ao lado dos últimos.

Tinha um coração sem fronteiras, não fazia guerras de ideias, pois achava que o caminho certo era o de viver e partilhar o amor de Deus, despertando o sonho de uma sociedade fraterna.

São Francisco fez uma aposta de vida corajosa e impensável para as pessoas do seu tempo: ‘libertou-se de todo o desejo de domínio sobre os outros, fez-se um dos últimos e procurou viver em harmonia com todos’ (FT4).

A chegada da covid 19 vem dar mais razão de ser a esta encíclica pois, apesar de tanta conectividade tecnológica, os países demonstram incapacidade de atuar juntos.

O primeiro capítulo reflecte sobre as sombras de um mundo fechado. O segundo, com o título ‘um estranho no caminho’, propõe uma reflexão a partir da parábola do bom samaritano. O capítulo terceiro convida a pensar e gerar um mundo mais aberto. Depois vem a proposta de um coração aberto ao mundo inteiro. Pede-se, de seguida, uma melhor política que afaste de populismos e liberalismos. Finalmente, o Papa partilha sobre o diálogo e a amizade social, abrindo caminhos de reencontro assentes na verdade, na paz e no perdão. O capítulo oitavo, em jeito de conclusão, põe as religiões ao serviço da fraternidade, afastando-as de toda a espécie de violência.

Estou a devorar a encíclica da primeira à última linha. Ela será excelente pretexto para mais crónicas. Merece ser lida, relida, meditada e aplicada. Vamos a ela, irmãs e irmãos!

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Agência ECCLESIA

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