Tony Neves, em Roma
Ascensão rima com Comunicação e, por isso, todos os anos é nesta Solenidade que se celebra o Dia Mundial das Comunicações Sociais. O P. Victor Silva, no editorial do jornal ‘Ação Missionária’, recorda que é o único Dia ‘exigido’ pelo Concílio Vaticano II. De facto, no documento sobre os Meios de Comunicação Social, o ‘Inter Mirifica’, essa ordem está dada. E foi cumprida pelo Papa Paulo VI em 1967.
Ano após ano, a ONG Repórteres sem Fronteiras publica um extenso relatório sobre o estado dos Media no mundo. Um dos indicadores mais citado pela imprensa é a estatística referente aos jornalistas mortos. Em 2020 foram assassinados em missão 50 profissionais dos media. O mais doloroso é saber que apenas 16 foram mortos em frentes de batalha ou contextos de alta violência. Os restantes 34 não estavam a trabalhar em zonas de conflito armado. Tais números provam que o jornalismo é uma profissão de alto risco. Dizemos alto e bom som que a verdade liberta. Só que liberta apenas aquelas pessoas que a buscam com sinceridade, mas fere quem a despreza e a viola.
Desde 1967, o Papa escreve uma Mensagem para este Dia Mundial, este ano celebrado a 16 de maio. ‘Vem e verás’ é a frase bíblica para inspirar a atitude de ‘comunicar encontrando as pessoas onde estão e como são’. E aqui entre a história das solas que é preciso romper para cumprir tão ousada como decisiva missão. Nas Jornadas Mundiais da Juventude de Cracóvia (2016), o Papa pediu aos jovens que deixassem a comodidade do sofá, calçassem as chuteiras e entrassem no relvado para jogar como titulares! Isso de ficar no sofá, na bancada ou mesmo no banco de suplentes não constrói futuro, não melhora o mundo.
O Papa Francisco pede, então aos jornalistas, que evitem mostrar ao mundo ‘jornais fotocópia’, iguais aos restantes media porque feitos a partir de uma mesma e única fonte, por vezes pouco ou nada credível. O Papa sabe que a crise no mundo dos media é grande, mais por questões de ordem orçamental do que por razões ideológicas: ‘a crise editorial corre o risco de levar a uma informação construída nas redacções, diante do computador, nos terminais das agências, nas redes sociais, sem nunca sair à rua, sem ‘gastar a sola dos sapatos’’.
Há dados que são incontestáveis: na comunicação, nada pode substituir, de todo, o ver pessoalmente. Algumas coisas só se podem aprender, experimentando-as. Na verdade, não se comunica só com as palavras, mas também com os olhos, o tom da voz, os gestos’ – lembra o Papa.
Ir onde todos têm medo de se deslocar é um acto de coragem que alguns profissionais dos media ousam praticar. Tal exige amor à verdade, paixão. Mas são estas solas rompidas, estas vozes corajosas, por vezes esse sangue derramado que fazem da comunicação social uma missão nobre, de extrema importância para o presente e o futuro da humanidade.
O mundo ficou chocado, estes dias, com o ataque de que foi alvo o Bispo eleito de Rumbek, no Sudão do Sul. Trata-se de um missionário comboniano italiano que foi nomeado Bispo desta Diocese e que, umas semanas antes da cerimónia da sua Ordenação Episcopal, vê entrar no seu quarto homens armados que disparam contra ele, ferindo-o com certa gravidade. Foi evacuado de urgência para Juba – a capital – e, depois, para o hospital de Nairobi – no vizinho Quénia – , onde ainda se encontra em tratamento. As notícias circularam depressa, através das redes sociais, mas eu só percebi o que se passou depois de escutar o P. José Vieira, jornalista que viveu e trabalhou alguns anos neste novo país africano. Trata-se de alguém que lá rompeu as solas e, por isso, conhece bem a cultura, as alegrias e os problemas daquela Igreja jovem e daquele povo pobre e muito martirizado.
Estamos na era da rede e esta tem a capacidade de multiplicar os relatos e as partilhas. Mas também é caminho para manipulações sem conta e ‘fake news’ que pervertem, incentivam ao ódio e geram ondas de desconfiança. No fim da Mensagem, Francisco publica um poema-oração onde pede a Deus: ‘Ensinai-nos a ir aonde ninguém vai, a prestar atenção ao essencial, a não nos distrairmos com o supérfluo, a distinguir entre a aparência enganadora e a verdade’.
Volto ao P. Victor Silva e ao Papa Francisco: ‘vamos lá desconfinar. Gastar as solas dos sapatos e ‘sair da presunção cómoda do ‘já sabido’ e mover-se, ir ver, estar com as pessoas, ouvi-las, recolher as sugestões da realidade, que nunca deixará de nos surpreender em algum dos seus aspectos’.