Tony Neves, em Roma.
‘Os santos são nossos amigos!’ – ouvi isto um ano inteiro, da boca de um venerando missionário de mais de 90 anos. Nunca duvidara de tal, mas este argumento era usado pelo P. Isalino Gomes, em Coimbra, nos anos 80, para justificar a comemoração – de forma obrigatória – de todo e qualquer santo que aparecesse nas agendas litúrgicas e nos almanaques. Alguns nomes soavam a muito estranho, mas o P. Isalino lá contava a sua breve biografia e avançava para a sua memória. Na prática, este velho missionário das Áfricas e de Portugal tinha a convicção de que o mundo cresce com o testemunho de homens e mulheres que deixaram atrás de si um rasto de serviço à humanidade, sobretudo aos mais frágeis. 40 anos depois, só lhe posso dar razão.
Quando S. Pedro precisou de falar de Cristo a quem não o conhecera, usou uma expressão simples mas clara: ‘Jesus passou pelo mundo fazendo o bem’ (At 10,38). Dificilmente alguém irá dizer melhor. Podemos romantizar formas de expressão, conseguiremos até falar poeticamente, mas no fim é ali que temos que chegar: as pessoas boas, amam, fazem o bem bem feito.
Precisamos de gente boa, que se entregue totalmente na construção de um mundo que seja mais humano e mais fraterno, um mundo melhor do que aquele que herdamos. Esta tem de ser a nossa Missão. Mia Couto, Prémio Camões, escreveu um dia a propósito de um amigo: ‘as pessoas boas (querendo dizer pessoas íntegras, generosas, solidárias e disponíveis) deviam ser protegidas como um património da humanidade. Um património cada vez mais raro, cada vez mais em risco. Uma pessoa boa ensina mais que todos os compêndios’. Mas que forma feliz de falar da santidade do pé da porta, como o Papa Francisco escreve na Exortação ‘Alegrai-vos e exultai’, publicada a 19 de março de 2018, dia de S. José. O Papa refere-se àquelas pessoas que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da ‘classe média da santidade’’ (GE, nº7). Neste documento, as Bem-Aventuranças são como que o bilhete de identidade do cristão’ (nº63). ‘Ser pobre de coração: isto é santidade’ (nº70); ‘Reagir com humilde mansidão: isto é santidade’ (nº74); ‘Saber chorar com os outros: isto é santidade’ (nº76); ‘Buscar a justiça com fome e sede: isto é santidade’ (nº79); ‘Olhar e agir com misericórdia: isto é santidade’ (nº82); ‘Manter o coração limpo de tudo o que mancha o amor: isto é santidade’ (nº86); ‘Semear a paz ao nosso redor: isto é santidade’ (nº89); ‘Abraçar diariamente o caminho do Evangelho mesmo que nos acarrete problemas: isto é santidade’ (nº94).
Mas o Papa Francisco não se deixa ficar pelas teorias inspiradoras do Sermão da Montanha. Avança: ‘no capítulo 25 do Evangelho de Mateus (a parábola do juízo definitivo), encontramos precisamente uma regra de comportamento com base na qual seremos julgados’ (nº95). Ou seja: ‘o critério de avaliação da nossa vida é, antes de mais nada, o que fizemos pelos outros’ (nº104). E conclui: ‘A misericórdia é a arquitrave que suporta a vida da Igreja, é a chave do Céu’ (nº105).
O compromisso no quotidiano é o grande indicador da santidade de vida. As palavras ajudam, mas as são obras que as aplicam. Alerta o Papa: ‘Será difícil que nos comprometamos e dediquemos energias a dar uma mão a quem está mal se não cultivarmos uma certa austeridade, se não lutarmos contra esta febre que a sociedade de consumo nos impõe para nos vender coisas, acabando por nos transformar em pobres insatisfeitos que tudo querem ter e provar’ (nº108).
As margens e as periferias são lugares onde a santidade acontece com mais radicalidade. Lembra o Papa Francisco: ‘Deus leva-nos aonde se encontra a Humanidade mais ferida e aonde os seres humanos continuam à procura de resposta para a questão do sentido da vida. Se ousarmos ir às periferias, lá O encontraremos: Ele já estará lá’ (nº135).
Por fim, vem um convite à Missão: ‘O testemunho dos que arriscam a vida pelo Evangelho lembra-nos que a Igreja não precisa de muitos burocratas e funcionários, mas de missionários apaixonados, devorados pelo entusiasmo de comunicar a verdadeira vida’(nº138).
Ao celebrar todos os Santos, nunca poderemos esquecer Maria: ‘viveu como ninguém as Bem-aventuranças de Jesus. É a mais abençoada dos santos entre os santos, aquela que nos mostra o caminho da santidade e nos acompanha. Conversar com ela consola-nos, liberta-nos, santifica-nos’ (nº176).
Só os santos mudam o mundo para melhor. Ousemos ser um deles!