Tony Neves, em Roma
A ideia não é original, mas as ideias do Cardeal Tolentino, essas sim, são sempre cheias de novidade e inspiração. Os Missionários Claretianos decidiram, à escala do seu mundo, publicar um livro que apresentasse o Evangelho de cada dia do ano. Há muitas edições do género que são preciosa ajuda pastoral e espiritual para quem quer que o seu dia decorra ao ritmo da liturgia da Igreja. Mas, ao pedir um curto comentário ao Cardeal Tolentino, a obra ganhou força, profundidade e prestígio. De facto, cada pequeno texto deste Cardeal biblista e poeta tem a capacidade de nos surpreender.
Tratando-se de um projecto de fôlego, porque traduzido em muitas línguas, foi pedido ao D. Tolentino ainda antes de ele ser cardeal. A passagem do roxo episcopal para o vermelho cardinalício não acrescenta nada à qualidade dos textos escritos, mas projecta mais a obra agora publicada e distribuída.
Para os domingos não há comentário, mas uma proposta de Lectio Divina feita pelos editores.
Estou a ler, diariamente, o texto do Evangelho e o respectivo comentário. E não deixo de me espantar com o que o comentador consegue retirar do texto bíblico, para incentivar os leitores a aplicar a Palavra de Deus no quotidiano. Ele alia uma sabedoria profunda a uma enorme capacidade criativa de dizer e propor.
Escolho como exemplo o que escreve para o Evangelho que narra a cura do leproso: ‘É interessante constatar que os Evangelhos não dão uma visão idealizada da nossa humanidade, mas testemunham uma situação bem real. Os seres humanos vivem uma condição vulnerável, perseguidos por tantos males, atormentados por sofrimentos físicos e espirituais. Os Evangelhos são grandes espelhos do sofrimento, receptáculos das lágrimas, são uma caixa acústica do nosso grito e do nosso silêncio, da nossa sombra e da nossa prece. Por isso, nos sentimos perfeitamente representados pelo cortejo de personagens que vão ao encontro de Jesus: o leproso, o cego, o coxo, o endemoninhado ou a adúltera’ (16 janeiro).
Olho, finalmente, o comentário feito para a Quinta-Feira Santa, reagindo ao texto do ‘lava-pés’. Comenta: ‘Aquele diálogo entre Cristo e Pedro é muito verdadeiro, porque este diz: ‘Senhor, jamais me hás de lavar os pés. Isso não faz sentido nenhum! Temos que ser nós a lavar-te os pés’. E, de facto, não faz sentido, Jesus não é razoável. Mas com este gesto irrazoável, Jesus ensina-nos uma coisa: que aquilo que resgata a nossa vida, aquilo que nos salva não são as coisas razoáveis que fazemos; só o excesso de amor pode ampliar a vida. A paixão de Jesus escancara aos nossos olhos o excesso de amor que Ele oferece a cada pessoa’ (9 de abril).
No fim da obra, aparecem as grandes orações do cristão: o Magnificat, o Cântico de Simeão, as Bem-Aventuranças, diversos Salmos, a Salvé Rainha, a Consagração a Nossa Senhora, o Veni Creator (oração ao Espírito Santo), a Oração de S. Francisco e diversas Orações Vocacionais.
Como diz a contracapa, “‘Palavra e Vida 2020’ procura que a Palavra de Deus se converta no motor da nossa renovação espiritual e eclesial. Esperamos que este instrumento nos ajude a dar resposta aos grandes desafios da nova evangelização, a que a Igreja nos convoca’.
Confesso que ‘estou preso’ a esta edição. Vou passar um ano muito feliz, a crescer ao ritmo das propostas do Evangelho e dos comentários do Cardeal Tolentino. Obrigado aos editores e ao grande biblista e poeta que me abre caminhos novos todos os dias.