LUSOFONIAS – Os gritos de Cabo Delgado

Tony Neves, em Roma

O norte de Moçambique está a ferro e fogo. É uma catástrofe sem fim à vista, que se vem abatendo já há algum tempo sobre populações indefesas e que ninguém parece querer defender. Ninguém, não é verdade, pois há nomes grandes nesta denúncia da situação e num anúncio de tempos melhores. Refiro-me, sobretudo a D. Luiz Fernando Lisboa, o corajoso Bispo de Pemba, que tem sido a voz mais amplificada, a partir das aldeias e vilas daquele norte invadido por forças que se atribuem ao auto-proclamado Estado Islâmico que mais não têm feito, por onde passam, que matar, destruir, raptar e queimar, semeando o pânico. Certamente que este Bispo tem a cabeça a prémio pelas intervenções corajosas, no terreno e pelos media, fazendo ecoar os seus gritos pelo mundo inteiro.

Os Bispos de Moçambique, reunidos em Assembleia, denunciam ‘o recrudescimento dos ataques no norte do país’ e mostraram uma comunhão total com as populações de Cabo Delgado. Neste Comunicado Final, a 13 de junho, os Bispos deploram ‘os actos de barbárie’ ali praticados. Também enviaram uma carta às populações de Cabo Delgado, elogiando a missão do Bispo, D. Luiz, que tem sido ‘a voz do Pastor que alerta sobre a presença de lobos que põem em perigo o rebanho’…e ‘é o grande promotor de uma resposta urgente a esta tragédia’.

Felizmente, os media portugueses têm amplificado estas vozes de denúncia da tragédia vivida por um povo pobre que, nesta altura, anda por aí à deriva e à fome, sendo já alguns milhares os deslocados, em Pemba, Nacala e Nampula, segundo notícias fidedignas que me chegam daquelas paragens. É importante não dar descanso mediático a estes senhores da violência e da morte, com as suas agendas escondidas. Dizem alguns analistas que esta grupo fundamentalista armado vem atrás do gás que é riqueza a explorar naquele norte de Moçambique. E, pelo que se vai sabendo, há autoridades locais coniventes, a fazer o jogo destes bandos armados, contrariando as políticas oficiais do governo moçambicano.

O Papa Francisco tem multiplicado apelos pela Paz naquela região, tendo já citado este caso particular numa das suas intervenções públicas no Vaticano. Agora foi a vez de António Guterres, Secretário-Geral da ONU, falar com o presidente de Moçambique para estudar formas de resolver a situação ou, pelo menos, minorar os efeitos dramáticos destes ataques, apoiando as populações em fuga.

O símbolo mais terrível dos ataques destes bandos armados é a povoação de Macomia que foi totalmente destruída, tendo parte da população conseguido fugir. Os conventos das Irmãs Carmelitas e dos Beneditinos também foram atacados, podendo os Religiosos fugir a tempo, antes de serem maltratados. Igualmente de arrepiar são as descrições do massacre feito em abril na aldeia de Xitati, onde foram mortos 52 jovens e boa parte dos moradores torturados. Segundo testemunhas, os grupos armados queriam recrutar jovens para as suas fileiras e decapitaram ou mataram aqueles que tentaram resistir. Jovens de Cabo Delgado acabariam por escrever uma carta aberta ao presidente da República, fazendo denúncias muito graves sobre a situação.

A vida destes moçambicanos do norte já estava complicada há muitos anos. Primeiro, pela guerra civil; depois pela pobreza e abandono a que sempre foram votados pelo governo central; a cólera tem feito muitas vítimas; no ano passado, veio o furacão Keneth que quase tudo levou; e, nos últimos anos, estes grupos armados; finalmente, os ataques da covid 19, ainda com resultados difíceis de calcular! São muitos dramas juntos…

Acompanho de perto, com preocupação e dor, o que ali se passa, através dos Espiritanos que vivem em Missões nas Dioceses vizinhas de Nampula e Nacala que estão a receber deslocados e a viver nestes contextos de grande instabilidade. As conversas que vou mantendo com eles mostram a sua dedicação total ao povo, mas muita incapacidade de resolver os problemas dramáticos que vitima estas populações indefesas. O P. Alberto Tchindemba, Superior dos Espiritanos de Moçambique, faz parte de uma equipa missionária que o Arcebispo de Nampula nomeou para apoiar os deslocados que chegam a esta capital de Província e engrossam as já grandes famílias, bem como aumentam os problemas acrescentados pela chegada da covid 19. Confessa que as distribuições de bens de primeira necessidade nunca chegam para todos os necessitados e teme que a pandemia se aproveite destes ajuntamentos familiares enormes para multiplicar contágios e semear morte, sobretudo nas imensas e pobres periferias desta grande cidade. O Instituto Nacional de Gestão de Calamidades publicou o número oficial de deslocados que chegaram à Província de Nampula: ao todo, 2228, espalhados por sete distritos! Também na Diocese de Nacala, o Secretariado de Pastoral, coordenado pelo P. Raul Viana, está a trabalhar neste apoio aos deslocados.

Não podemos cruzar os braços. Temos que gritar alto contra estas violações frontais dos direitos humanos. E mais: temos de ser solidários e partilhar o que o temos para que estes pobres sobrevivam e abram caminhos de esperança rumo a um futuro de paz e de justiça.

 

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