LUSOFONIAS – Os ‘Fragmentos’ do P. João

Tony Neves, em Braga

É um prazer escuta-lo, maior ainda estar com ele. O P. João Aguiar Campos, jornalista de longa experiência, vive com paixão e com humor. Percebemos isto ao lê-lo, ao escutá-lo ou ao partilhar um almoço em que os vizinhos de mesa se espantam com tanta gargalhada.

Director do Diário do Minho e Professor de Jornalismo na Faculdade de Teologia em  Braga, depois Presidente do Conselho de Gerência da Rádio Renascença e Director do Secretariado das Comunicações Sociais em Lisboa, o P. João é um comunicador nato, culto e feliz. Publicou vários livros em que junta crónicas e até um romance cujo título tem assustado muita gente: ‘Morri ontem’.  Acabam de ser impressos os ‘Fragmentos’ que li em dois dias, quase sem perder o fôlego. Por isso, vou apresentar alguns ‘recortes’ destes ‘Fragmentos’ com que ele vai recortando os fios dos dias.

O P. João Aguiar teve de deixar, prematuramente, as suas responsabilidades na RR por razões oncológicas. A sua fragilidade tem-se transformado em força e é sempre com humor que conta as últimas tentativas do seu cancro o arrumar. Ele tem explicado ao seu ‘inquilino que não paga renda’ o seguinte: ‘sou eu que tenho um cancro, não é o cancro que me tem a mim!’.  Grande ideia a copiar!

Voltemos aos ‘Fragmentos’: são 332 curtas reflexões, a começar pelas ‘Janelas’ (1-208), a continuar pelos ‘Sítios’ (209-229), pelas ‘Brisas’ (230-277) e a concluir com ‘Paz’ (278-332). Ouso recortar e sublinhar:  ‘Encanta-me a palavra ‘amor’. Gosto de ouvi-la e escrevê-la transparente, como resumo inteiro que torna supérfluos os discursos e não se corrompe na espera. Aliás, só inteira e limpa tem hálito de mel ‘(2).

 ‘Gosto de rezar descalço. Descalço, parece que o chão reza comigo’ (10).

‘Um sorriso que entra nos olhos, faz-nos bem: por menores que sejam as frestas, dão-nos luz’ (16).

‘Às vezes, até o nosso nome risca dolorosamente o silêncio. Sim, o silêncio desses dias em que andamos a apanhar cacos dentro de nós. Há, no entanto, uma oficina de serviço permanente. Anotem: fica na Travessa dos Humildes, ali na esquina com a Avenida da Misericórdia’ (27).

‘Não gosto da perguntas insensatas que querem espremer o lamento ou a raiva e tudo repetem e repetem, calcando e recalcando a alma moída. As dores ouvem-se de coração ajoelhado’ (36).

‘Há tantas perguntas à espera nas esquinas! Vamos, tranquilos, na rua das certezas e, de repente, desprendem-se ou atravessam-se interrogações. As perguntas são como as surpresas do vento que desalinha as ideias penteadas do sossego’ (42).

 ‘Entre o ‘não posso mais’ e o ‘tem que ser’ há espaço para o ‘dá-me a tua mão’ e o ‘precisas de alguma coisa?’ (47).

 ‘Esta ânsia de ‘ir a todas’, como se o êxito se medisse pelos sítios visitados, pode matar-nos. Há o perigo de ir e não estar; passar e não deixar marcas’(70).

Quero confessar uma coisa: mais do que estar bem, quero estar de bem!… Sim, de bem com Deus, com os outros e comigo (72).

‘O risco das palavras adiadas é o de se estragarem depressa; muito mais que a comida fora do frigorífico em dia de calor’ (77).

 ‘A vida dos que amamos e nos amaram não morre: amadurecida, está nas mãos de Deus’ (91).

 ‘A estrada dobra-se onde os olhos acabam. Mas não termina ali; termina num ali bastante mais longe. É desse lugar sem sítio que somos buscadores’ (117).

‘Não deixarei que se fechem as portas do espanto depois de cada curva: o futuro faz-me tanta falta como o ontem. Sei que morrerei na viagem (todos morremos em viagem…). Mas quero caminhar’ (126).

‘Mas que é o caminho sem as dores do peregrino e as lágrimas do seu amor?’(129).

‘É fácil denunciar a fome. Difícil é pôr um prato na mesa, partilhar, prescindir do que acumulamos e dar o que somos’ (131).

‘Os frios maiores deste tempo, paradoxalmente em aquecimento global, vêm do arrefecimento dos afectos que as amizades sociais não evitam’ (132).

 ‘Os milagres narrados nos Evangelhos nunca foram feitos em dias de fartura…Demos o que somos. Tanto chega para que haja milagre!…’ (142).

‘Continuarei, enquanto Deus quiser, a passar devagar. Ainda que cada vez mais devagar’ (165).

‘Cabemos todos no mesmo sonho, se quisermos sonhar juntos’ (182).

‘Curar o vírus da indiferença está nas nossas mãos. Ao menos para já…’ (188).

‘O céu é, certeza certezinha, o jardim eterno de todas as cores!’ (197).

‘Não há vento, mas hoje rangem (me) as raízes. Não, não sou pessimista. Não vou cair..’(207).

 ‘Para mim é na esperança que começa o abecedário!…’ (246).

 ‘Há um caminho a percorrer. Um caminho que não trilhamos sós. Por isso não desisto. Nem de mim nem dos outros!….’ (280).

‘Um dia voarei o último voo’ (332).

 

Obrigado, João, continua a inspirar-nos e a provocar-nos! A tua aparente fragilidade é uma força capaz de derrubar montanhas.

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