LUSOFONIAS – Obrigado P. João Aguiar

Tony Neves

Deus chamou o P. João, depois de uma vida toda dedicada ao jornalismo, à Missão. Deu-lhe Fé, sabedoria e tempo para se ir despedindo dos seus. No facebook, onde era seguido por milhares de pessoas, publicou, a 31 de Março, este post ‘Meus amigos, porque a vida se complica, vou suspender o FB, por tempo indeterminado. Não tenho força para dar conta de mim. Este é o momento de cimentar outros laços. Fiquem com a minha oração e os riscos da artista e minha amiga Ana Du: “Tudo me deste, meu Senhor, tudo me deste: a água, o pão e a sede! Mais as flores na areia e o olhar de sal…
Lanço-me no teu colo, faminto de um abraço. E que mais posso querer senão um abraço?”’.
Teve mais de 1100 ‘gostos’ e 625 comentários, a provar quanto os seus amigos gostavam dele e bebiam da fonte da sua inspiração.

Voltaria, como um relâmpago, a 10 de Abril, apenas para dizer: ‘Meu Pai, encurtam-se os dias. Sou, no teu colo, uma espera serena. Tanto me tens dado que muito me sobra…. Abraça-me, que tudo o mais é demasia’. Mais de 850 ‘gostos’ e 360 comentários. E fecharia, com chave de ouro, a sua intervenção nas redes sociais, a 13 de Abril: ‘No silêncio orante do meu quarto, perante meu irmão, minha cunhada e o ministro celebrante, recebi hoje o sacramento da Santa unção. Ouvi bom filial afecto: “Por esta santa unção e pela sua infinita misericórdia, o Senhor venha em teu auxílio com a graça do Espírito Santo, R. Amen. Para que, liberto dos teus pecados, Ele te salve e, na sua misericórdia, alivie os teus sofrimentos. R. Amen.”. Nas Suas mãos; estou, tranquilo, nas suas mãos!…’. Teve quase mil ‘gostos’ e 600 comentários.

Mas, nos últimos anos, em pleno calvário, publicou alguns livros que vale a pena ler, pois constituem uma espécie de testamento espiritual. Recorto algumas das citações que sublinhei. O ‘Intemporal’ nasceu das provocações que o Evangelho faz dia a dia. A reflexão final é uma metáfora da condição humana: ‘vamos de viagem, mas queremos levar a casa connosco. Malas pesadas são a metáfora dos nossos corações pesados; porque cheios de descuidos, de distrações e atrações; de tralhas e ninharias; de vaidade e superficialidade. ‘Tende cuidado’, manda Jesus. Porque o coração é a arca do tesouro e não a garagem ou o sótão onde se acumula à espera de um fim de semana de arrumações, que quase sempre tarda em chegar. Precisamos de arrumar, para ter e manter o rumo’.

‘Fragmentos’ são 332 curtas reflexões. Sublinho e destaco: ‘Mais que o carro, é o coração que precisa de oficina’ (82); ‘Os frios maiores deste tempo, paradoxalmente em aquecimento global, vêm do arrefecimento dos afectos que as amizades sociais não evitam’ (132); ‘O céu é, certeza certezinha, o jardim eterno de todas as cores!’ (197); ‘Há um caminho a percorrer. Um caminho que não trilhamos sós. Por isso não desisto. Nem de mim nem dos outros!….’ (280); ‘Deus é o Amor que se faz dom e não se faz dono!…’ (295); ‘Um dia voarei o último voo’ (332).

‘Cochichos’ foi a sua última obra. São 171 curtos textos, cheios de poesia e profundidade provocadoras. ‘A palavra ‘sempre’ dói nas despedidas, quando se instalam distâncias e se receia viagem sem regresso. Então, o ‘até sempre’ tem o gosto amargo de um ‘talvez nunca mais’, que se enrola no pensamento, arranha a voz e abafa o peito’ (111); ‘O coração sabe sempre dizer!…’(129); ‘Desistir?!…Esse verbo existe?…’(135); ‘As perguntas são uma fome saudável: fome de saber, de purificar e esclarecer.’(150); ‘Lembra o abraço que te segurou. Ou pensas que um coração desligado sobrevive?’ (166);

Termino, como o autor, com um cochicho a que ele deu o título de ‘chegar’:  ‘Quando, em viagem, nos aproximamos da ‘nossa’ estação terminal, há uma espécie de ritual sempre repetido: levantamo-nos uma centena de metros antes, vestimos e alisamos o casaco, descemos a mala da bagageira horizontal e, a passo discreto, vamos procurando a porta…A meio caminho, deitamos um último olhar ao ‘nosso’ banco: ‘não, não esqueço de nada!’. Chegar é um verbo cheio. Nalgum contexto significa mesmo bastar; noutro quer dizer alcançar ou aproximar-se. Oiço chiar as linhas, retorcem-se as vértebras cansadas, olho o banco destes metros…

‘Chegar’ é um verbo alegre!…’(171).

Chegaste ao coração de Deus e mereceste o Seu longo Abraço. Intercede por nós. Descansa na Paz de quem tanto amaste e tão bem serviste.

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