Tony Neves, em Roma
‘Triplex funiculus difficile rumpitur’. Começar com uma tirada em latim dá nível a qualquer crónica! Mas a ideia não é mostrar sabedoria clássica, mas a força deste provérbio que garante a dificuldade de romper um fio com três linhas. É o lema dos Antigos Alunos dos Seminários do Espírito Santo, organizados na Associação ASES. Traduzido em máxima lusa, fiquemo-nos por um ‘a união faz a força!’. Tudo isto a propósito de três intervenções recentes de Conferências Episcopais. Refiro-me a Angola, ao Brasil e a Moçambique. Ora, os tempos que vivemos à escala do planeta são duros e complexos, a abarrotar de problemas cujas soluções são quase inexistentes. Mas a história da Igreja ensina, após dois mil anos, que uma pessoa só é alvo fácil de atingir. E mais: quando é preciso gritar para denunciar injustiças, os que as praticam são capazes de tudo para silenciar a voz dos profetas. E quando digo ‘tudo’, refiro-me a ‘tudo’ mesmo, incluindo, caluniar e matar.
Desde há umas décadas que as Dioceses se reagrupam em Conferências Episcopais para trabalharem mais unidas, gritarem mais alto e serem uma força mais difícil de neutralizar. Se esta comunhão é um valor acrescentado a todos os níveis e em todos os lugares, ganha um relevo especial em contextos onde a liberdade ainda é apenas ou quase palavra de dicionário. Aí, alguém que se lembre de falar sozinho corre o mesmo risco de um pobre antílope que se isola da manada quando o leão ataca!
Deixemo-nos de teorias e vamos à prática. Angola vive tempos complexos por um acumular de razões que não vou aqui dissecar. A verdade é que o povo passa mal, falta pão, saúde, casa, trabalho e começam a levantar-se ondas de protestos que não sabemos onde vão parar. A Igreja católica, a maior força da sociedade civil, habituou-se a intervir com lucidez e coragem através da Conferência Episcopal. Fê-lo nos tempos duros da guerra civil e dos partidos únicos, continua a faze-lo nestes tempos que pretendem ser novos. A sua última Mensagem põe dedos em muitas feridas, pede mais competência aos governantes, mais compromisso aos cidadãos, dias melhores para todos. No fim, a palavra é sempre de esperança: ‘somos capazes unidos de construir pontes, dialogando e erguendo Angola como casa da fraternidade’.
Moçambique – todos acompanhamos – vive tempos de tragédia, sobretudo no norte, na província de Cabo Delgado. D. Luiz Lisboa, Bispo que foi transferido para o Brasil, foi uma voz corajosa e incómoda a quem tentaram silenciar e arrumar (conseguiram-no, em parte!). Após a sua partida e o recrudescer dos ataques no norte, a Conferência Episcopal de Moçambique saiu à praça para gritar em nome do povo um ‘basta!’ à dramática situação que muitos vivem. Falam de mais de 2 mil mortos e 700 mil deslocados, raptos, destruições e toda a espécie de violação dos direitos humanos. Depois de vermos tanta a gente a atacar D. Luiz, achamos estranho que agora haja unanimidade em relação a esta Mensagem dos Bispos, que decidiram falar a uma só voz. Até o Presidente da República os recebeu para partilharem notícias, ideias e sugestões.
O Brasil também está nas bocas do mundo por más raz ões. É um dos países com pior resposta à pandemia da covid 19, misturando negacionismos com o absoluto desprezo pelas mais elementares regras sanitárias de combate a pandemias como esta que a todos vitima. Alguns Bispos foram manifestando a sua posição crítica à governação e logo surgiram os ataques ferozes de quem acha que os governantes da nossa linha ideológica são sempre intocáveis nas suas decisões e práticas. Mas, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, reunida na sua 58ª Assembleia Geral, tornou pública uma Mensagem para apoiar as inúmeras vítimas da pandemia, pedindo, ‘sensatez e responsabilidade’, exigindo que todos os cidadãos observem as medidas sanitárias e sejam caridosos no apoio aos mais frágeis. Sobre esta tomada de posição pública, os Bispos dizem: ‘Não podemos nos calar quando a vida é ameaçada, os direitos desrespeitados, a justiça corrompida e a violência instaurada’. Completam assim a intervenção: ‘Na sociedade civil, os três poderes da República têm, cada um na sua especificidade, a missão de conduzir o Brasil nos ditames da Constituição Federal, que preconiza a saúde como “direito de todos e dever do Estado”. Isso exige competência e lucidez. São inaceitáveis discursos e atitudes que negam a realidade da pandemia, desprezam as medidas sanitárias e ameaçam o Estado Democrático de Direito. É necessária atenção à ciência, incentivar o uso de máscara, o distanciamento social e garantir a vacinação para todos, o mais breve possível. O auxílio emergencial, digno e pelo tempo que for necessário, é imprescindível para salvar vidas e dinamizar a economia, com especial atenção aos pobres e desempregados’. Juntos, os Bispos fizeram denúncias corajosas e propostas construtivas.
Nunca foi tão decisivo ‘cantar em coro’. Vozes afinadas constroem melodias de encher o coração! Para o mundo ser melhor, são precisas as mãos e os corações de todas as pessoas de boa vontade…