Tony Neves, em Roma
Com o Advento renasce, ano após ano, a esperança de melhores dias. Este solene anúncio do Natal faz despontar nos corações a ternura do Presépio. Neste 2020, os Bispos de Portugal inovaram, ao publicar uma mensagem inédita no estilo. Não estávamos habituados a este género de ‘provocações pré-natais’. A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) escreveu um texto de reflexão para este tempo litúrgico marcado pela pandemia. ‘Deus vem e enche o nosso tempo de “Bom-Dia”!…é um título provocador, como o resto do texto o comprova. Dizem os nossos Pastores: ‘Advento. Deus vem. Deus vem, Deus saúda, Deus fala, Deus ama, Deus chama, Deus ordena, Deus escuta, Deus responde, Deus envia. Advento. Sujeito Deus. Primeiro Deus. O Deus do Advento, o Deus que Vem traz consigo uma grande carga verbal, que convém que se torne “viral” na nossa vida. Imitação de Deus. Deus que vem para nos dizer “Bom-Dia!”, que é o modo de fazer do Senhor Ressuscitado quando se apresenta no meio de nós, e diz: “Shalôm!”, “A Paz convosco!”’.
Somos obrigados a responder ‘bom dia’ ao ‘bom dia’ de Deus, com todas as implicações que tal resposta traz às nossas vidas. Dizem os Bispos: ‘Quando alguém te diz: “Bom-Dia!”, já sabes então o que isso significa, implica, replica, multiplica. Imagina agora que à beira da estrada encontras um pobre homem caído, abandonado, a esvair-se em sangue. Ao ver-te passar, balbucia para ti, ou apenas acende uma voz dentro de ti, que te diz, mesmo sem o dizer: “Olha para mim”, “olha por mim”, “cuida de mim”. Repara bem que o pobre não te diz: “Se quiseres, podes cuidar de mim”. Se assim fosse, podias pensar e decidir, sem precisares de descer do trono da tua sacrossanta liberdade de escolha. Mas o “cuida de mim” que o pobre balbucia para ti não é opcional: é uma súplica que é um mandamento; não tens opção de escolha; tu é que foste escolhido; tens de responder que sim, debruçando-te sobre o pobre desvalido que ordena e implora o teu auxílio. Repara bem: o pobre que jaz à beira da estrada elege-te e obriga-te, sem te obrigar, a debruçares-te sobre ele. Movimento inaudito: agora que te debruçaste sobre ele, que ordenou e implorou o teu auxílio, podes entender melhor a sua condição de soberano. Ele é, na verdade, o único verdadeiro soberano, pois sem te apontar nenhuma espingarda ou maço de dinheiro, fez com que tu te debruçasses sobre ele, libertando-te dos teus projetos e negócios, horários, agendas, calendários. Os poderosos e tiranos podem e sabem apenas escravizar-te. Mas não podem nem sabem libertar-te!’.
A preparação para o Natal faz-se, este ano especial, com a angústia de um vírus que nos obriga a enfrentar juntos a tempestade que ele levantou. Como ninguém se salva sozinho e tudo está interligado, este tempo vai-nos obrigar a uma redobrada atenção para com os mais pequenos e descartados: ‘O andamento do Advento traz-nos um Deus que vem para o meio de nós e da nossa anemia e pandemia, e diz: “Bom-Dia”, e suplicando ordena: “Cuida de mim”. É terrível termos de assumir que, se não cuidamos bem dos pobres e necessitados, também não cuidamos bem de Deus! Mas é agora o tempo favorável! É agora o dia da salvação! É agora o tempo da enchente da Palavra de Deus, de que não devemos fugir, mas a que nos devemos expor. O nosso “eu” patronal e autorreferencial entrará em crise, e teremos de mudar comportamentos. Acolher e responder deve ser o nosso alimento. O Deus que vem não vem mudar as situações. Vem mudar os corações. E são os nossos corações mudados que podem mudar as situações. O Advento é tempo de mudança e de esperança. Celebrar o Advento é deixar entrar em nós esta torrente de Bondade, esta Saudação, este Shalôm, esta Paz, este “Bom-Dia”, este “Cuida de mim”. E responder “Bom-Dia!”, e responder que “Sim”’.
Os Bispos de Portugal fizeram a sua parte: incomodaram-nos com uma Mensagem que obriga a reflectir, a rezar e a agir. Somos empurrados nas direções das periferias e margens onde se encontram os que foram batidos pelos bandidos e estão à espera dos bons samaritanos. Todas as vítimas da história aguardam uma resposta de Deus aos seus dramas. Mas…’ a resposta de Deus hoje somos nós. «Desci a fim de libertar o meu povo da mão dos egípcios…», diz Deus a Moisés, mas pega logo em Moisés pela mão, e diz-lhe: «E agora vai; Eu te envio ao Faraó, e faz sair do Egito o meu povo» (Êxodo 3,8.10). Texto grandioso e emblemático. O Deus do Advento vem para o meio desta pandemia, pega na nossa mão, muda o nosso coração e envia-nos a mudar a situação. Está aberta a oficina do Advento: enquanto uns se afadigam na vacina, outros nos hospitais, outros nos lares, nas farmácias, na padaria, empenhemo-nos todos em encher este mundo de Paz, de Esperança e de “Bom-Dia”, à imagem e sob a proteção maternal de Maria!’.
Multiplicam-se campanhas e apelos à solidariedade com os mais frágeis das nossas sociedades, ao perto e ao longe. O Natal que aí vem chama a atenção da urgência da partilha com quem vive nas periferias e margens e, por isso, faz parte dos descartados que não têm vez nem voz, vítimas da globalização da indiferença. É tempo de gritar mais alto por justiça, paz, pão, casa, trabalho para todos, em qualquer parte do nosso mundo onde vivem humanos.
Advento é tempo de esperança. Não de espera pachorrenta de que algo de especial venha sentar-se ao nosso colo no sofá. É Uma esperança viva, activa, persistente, que nos faz viajar ru
mo a Belém onde o Deus do Presépio nos visita com a finalidade de a todos salvar. Caminhemos, com amor solidário, em direcção ao Natal.