LUSOFONIAS – Moçambique a ferro e fogo

Tony Neves

Aproxima-se, a passos largos, a celebração do meio século de independência de Moçambique. Os 30 anos dos Acordos de Paz estão a ser comemorados, como ‘um bonito sonho de paz, de unidade e de democracia’ – dizem os Bispos na nota Pastoral publicada a 11 de novembro. A independência em 1975 também é descrita como ‘um sonho de liberdade e autodeterminação’. Este sonho que se tornou realidade e permitiu ‘sermos donos da nossa terra, protagonistas do nosso futuro’, tem encontrado ‘obstáculos e ameaças que põem à prova a esperança de conseguir a sua realização’. E os Bispos dão nome a esses problemas que vitimam o povo moçambicano, comprometendo o seu presente e o seu futuro.

O terrorismo em Cabo Delgado, com perspetivas terríveis de alastrar a outras Províncias, começou há cinco anos e não teve o combate necessário: ‘são semeadas destruições e mortes violentas de crianças, de mulheres e homens inocentes e pessoas de boa vontade, como foi a Irmã Maria de Coppi, assassinada a 6 de setembro, no ataque à Missão de Chipene, Diocese de Nacala’. Os Bispos consideram inaceitável a continuação deste sofrimento desumano que frustra ‘o sonho de sermos uma nação de paz, concórdia, independente, justa e solidária’. O mais dramático é que ‘jovens moçambicanos continuam a engrossar as fileiras dos que semeiam o terror’. Talvez porque tenham perdido a ‘esperança num futuro favorável’ (…) sem oportunidades de construir uma vida digna’.

Outro problema dramático para as populações é o aumento insustentável do custo de vida. Tal situação dramática para as populações mais pobres arrasta para a miséria extrema pessoas que já têm vidas muito sofridas. Culpa-se a covid, as ‘dívidas ocultas’, as alterações climáticas e a guerra na Ucrânia. Mas, no interior do país, há que combater as desigualdades gritantes, sendo necessárias ‘políticas corajosas que eliminem o crescente abismo existente entre ricos e pobres’, situação que pode conduzir a convulsões sociais, pondo em causa a paz e a coesão social, pois ‘nenhuma paz sobrevive a exclusões e a injustiças sociais’.

A corrupção também é denunciada pelos Bispos, ‘como outro dos grandes males que frustram o sonho de ser uma nação independente, desenvolvida e de bem-estar para os seus cidadãos’. Esta ‘praga social’ está na origem ‘da delapidação e destruição da riqueza e de todo o tecido social’, comprometendo ‘o projeto de um país livre, justo e solidário’. O favorecimento de grandes projetos económicos com capitais estrangeiros também leva à retirada de muitas pessoas das suas terras, sem dar espaço ao diálogo, mas criando um ‘controlo social’ que gera medo e põe em causa os direitos humanos e a liberdade de expressão e manifestação.

As reações a este documento chegam-me de várias regiões do país. O P. Alberto Tchindemba, angolano a trabalhar em Nampula, acha que os Bispos percebem bem quanto o país está a sofrer e considera que ‘a paz em Moçambique é ainda uma miragem, pois não há uma aposta séria em iniciativas geradoras de paz no seio da população’. É de opinião que o governo tem de fazer muito mais pela segurança e bem-estar das populações que se sentem indefesas e empobrecidas, vítimas da corrupção, do terrorismo, de um certo nepotismo, bem como de um rápido e insustentável aumento do custo de vida. O P. Mário João Soares, diocesano do Porto em Nacala, diz que a Nota da CEM ‘fica pelas palavras e não aponta ações concretas para combater estas ameaças. Como nos diz o Papa Francisco na sua mensagem para o dia Mundial dos Pobres ‘não servem retóricas, mas arregaçar as mangas e pôr em prática a fé através dum envolvimento direto’. Eu por cá vou tentar arregaçar as mangas…’ – conclui. O P. Raul Viana, Superior da Missão de Itoculo, reage: ‘Está lá tudo dito: ‘os 50 anos de independência ainda é sonho por concretizar; os jovens não têm perspetivas de futuro, por isso deixam-se levar por grupos de terroristas; a falta de liberdade de expressão é cada vez mais forte em Moçambique; a corrupção e as dificuldades de vida da maioria dos moçambicanos, com uma economia que gera ricos e aumenta a pobreza do povo simples’. Para o P. Edmilson Semedo, caboverdiano, na Matola (Maputo), ‘renasce o sonho de uma Igreja chamada a ser voz dos sem voz e dos oprimidos pela violência, corrupção, guerra, pobreza e falta de perspetiva de futuro’. Cristina Fontes, Leiga Voluntária em Nacala, partilha: ‘A nós, Igreja, cabe-nos continuar a acreditar pelos nossos jovens, continuar a manter viva a esperança de que o bonito sonho de paz, unidade e democracia, que se projectou para Moçambique há quase 50 anos, é possível!’

A palavra final dos Bispos aponta para o seu compromisso em favor do povo, com a firme convicção de que ‘uma sociedade solidária e em paz é possível’.

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Agência ECCLESIA

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