LUSOFONIAS – Francisco na ONU

Tony Neves, em Roma

A ONU fez 75 anos em pleno tempo de pandemia. A celebração, a 25 de setembro, foi simples e as intervenções feitas, quase todas, online. Forte foi a videomensagem do Papa Francisco que dissecou os grandes dramas da humanidade e apontou caminhos de solução.

Começou, claro, pelo impacto brutal da covid 19, que está a pôr em questão os sistemas económicos, sanitários e sociais em que assentamos o mundo. Este é um tempo de escolhas e exige ousadia e coragem para repensar a nossa forma de estar na vida e de organizar a sociedade. Há que mudar sistemas que cavam um fosso cada vez mais profundo entre ricos e pobres, abandonando estes à sua má sorte. Há que investir cada vez mais no multilateralismo que expressa uma corresponsabilidade mundial, uma solidariedade assente na justiça e na realização da paz e da unidade da família humana.

Esta pandemia veio mostrar como são frágeis os sistemas de saúde e exige aos governos que assegurem aos mais pobres os cuidados essenciais. Também as vacinas que aí vêm têm de ser para todos.

O trabalho deve de ser garantido e digno e não se pode apenas pensar nos lucros das empresas.  Ultrapassemos a cultura do lixo excessivo, do desperdício, pois desrespeita a dignidade humana e compromete a vida das gerações futuras.

Há que investir mais na defesa e implementação dos direitos humanos. Muita gente está espezinhada. A liberdade é miragem para milhões de pessoas que não se podem exprimir e, em muitos casos, nem sequer podem celebrar a sua Fé, sendo mortas, presas ou excluídas por causa das suas convicções religiosas.

O número de refugiados e migrantes continua a aumentar, mostrando ao mundo que há sítios onde não se pode viver com dignidade. Estas pessoas sofrem o abandono, a rejeição ou a indiferença dos povos das terras onde chegam e não são acolhidas. Também são numerosas as vítimas dos tráficos humanos, escravatura sexual ou laboral.

Todas estas crises – diz o Papa na mensagem – são uma grande oportunidade para a ONU ajudar a construir um mundo mais fraterno e compassivo.

Os países mais pobres estão a ser esmagados pelo peso das dívidas externas aos países mais ricos. Este é um tempo favorável para pedir aos mais poderosos que perdoem as dívidas aos mais frágeis, ajudando-os no seu desenvolvimento, pondo fim às injustiças económicas.

O combate à corrupção deverá ser sem tréguas, eliminando os paraísos fiscais, evitando as fraudes e o branqueamento de capitais. Tal implica a coragem de renovar a arquitetura financeira internacional.

A ecologia integral tem de avançar. A ONU tem de olhar para a situação trágica que se vive na Amazónia, ligando uma crise ambiental a uma crise social.

Há milhões de crianças que não vão à escola, estão subnutridos, espezinhados nos seus direitos. O Papa citou Malala Yousafzai que disse na ONU: ‘uma criança, um professor, um livro e um lápis podem mudar o mundo’.

É urgente olhar mais e melhor para as mulheres que, em muitos contextos, continuam a ser vítimas da escravatura, do tráfico, da violência, da exploração e de outros procedimentos degradantes.

O papa lembrou ainda na ONU as grandes ameaças à paz e à segurança: a pobreza, as epidemias, o terrorismo, bem como a corrida aos armamentos, sobretudo os nucleares, que gastam o dinheiro que deveria ser investido em desenvolvimento integral das populações e na proteção do meio ambiente.

É preciso desmantelar a ideia corrente de que ter armas poderosas dá segurança às pessoas e povos. Tal convicção apenas enriquece a indústria das armas e alimenta o clima de desconfiança entre os países e seus habitantes. É urgente reafirmar e aperfeiçoar os principais instrumentos de direito internacional sobre o desarmamento nuclear, a não proliferação e a interdição.

Num mundo cheio de conflitos, a ONU tem de ser uma ‘oficina’ cada vez mais eficaz na construção da paz. Devem diminuir as sanções internacionais que impedem os Estados de fornecer ajuda adequada às populações mais frágeis.

Cito as palavras finais do Papa: ‘Não se sai igual de uma crise: ou saímos melhores ou piores.(…). A pandemia mostrou-nos que não podemos viver sem o outro, e muito menos, uns contra os outros’.

O futuro está nas nossas mãos. Temos de o construir com humanidade.

 

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