LUSOFONIAS – Festa da ‘Virada’ em Tarauacá

Tony Neves em Tarauacá

Com um calor de esturricar e chuvas torrenciais de levar tudo na frente, deixei o Cruzeiro do Sul e rumei a Tarauacá, para uns 220 kms, pela famosa BR-364, que começa aqui no Acre, junto ao Peru, e cruza o país todo, até às portas de S. Paulo.

Pelo caminho, mais ou menos esburacado, o P. Stephen, ganense, foi-me apresentando as muitas comunidades católicas situadas ao longo desta estrada, transitável desde 2009. Até ao grande Rio Liberdade (mais de 100 kms do Cruzeiro), é a área missionária confiada ao P. Inácio Sangueve, que ma mostrou numa visita relâmpago a algumas das 30 comunidades, muitas delas situadas dentro da floresta, ao longo dos rios e igarapés. Atravessamos algumas aldeias indígenas que, por lei, não podem ser invadidas. Passamos por vários grandes rios: Liberdade, Tauari, Gregório, até chegarmos à cidade de Tarauacá, plantada na margem do rio com o mesmo nome, nascida da extração e comércio da borracha. A estrada, que pode trazer imprevistos, desde assaltos a acidentes graves, brindou-nos com uma paragem forçada pela polícia militar que nos identificou, obrigou a sair do carro, controlou bagagens e viatura, fez muitas perguntas (são quem, vão para onde, fazer o quê, levam aí o quê?)… A Polícia deve controlar o muito tráfico de droga nesta região que faz fronteira florestal com o Peru e a Bolívia. Finalmente, deixaram-nos continuar a viagem!

Após as aldeias indígenas, em floresta tropical densa, entramos numa ampla região desmatada, cheia de criação de gado, com bois que vemos em longas extensões de floresta abatida. Embora proibidas por lei, a destruição da floresta e as queimadas são frequentes, pois criam condições favoráveis à criação intensiva de gado bovino.

Chegados meios moídos a Tarauacá, fomos recebidos pelos Padres Sylvester e Afonso, Espiritanos responsáveis por dezenas de comunidades espalhadas por centenas de kms! Basta saber que o município de Jordão fica a vários dias de barco ou – como optaram os Padres – é necessário tomar um avião, cuja passagem tem preços proibitivos. Os padres vão lá diversas vezes por ano, ficando uma semana ou mesmo um mês a visitar uma população espalhada pelos rios e florestas.

Pude fazer diversas visitas na região, indo até Feijó, a ‘capital do açaí’, a uns 45 kms, evangelizada pelos Espiritanos e agora confiada a Missionários Redentoristas.

Celebrei em diversas Capelas e, claro, na Igreja Paroquial. O povo é numeroso, as Igrejas são grandes e estão muito bem conservadas, o que mostra bem a fé do povo e o zelo pela missão. Pude, com o P. Sylvester, Pároco, visitar alguns dos bairros, tendo-me marcado o Bairro da Praia, junto ao rio, construído de madeira, onde se percebe que a pobreza é grande. Ali se faz um trabalho social muito intenso. Mas o álcool, a droga, o desemprego estão a destruir muitas vidas e famílias, aumentando o índice de criminalidade e insegurança para as populações da cidade e seus bairros. Sem esta BR-364, todo o Acre estava isolado do resto do mundo, um pouco à mercê de quem governa, política ou economicamente.

Marcaram-me muito algumas visitas que fiz. O sr. Francisco Tomás, com 92 anos e 62 de matrimónio, chegou à cidade em 1947, no período áureo da extração da borracha. O trabalho de seringueiro e comerciante, permitiu-lhe singrar na vida, construir a sua família e por cá ainda continuar feliz, muito comprometido com a Igreja. Falou das disputas antigas entre o Brasil, a Bolívia e o Peru pela propriedade das terras. Partilhou a vida dura dos que trabalhavam na floresta nos seringais. Também fiquei feliz com o encontro com a Prof. Francisca Aragão, nascida há 81 anos num seringal. Apoiada pelos padres, estudaria e viria a exercer altos cargos no mundo da Educação. Conhece muito bem a história deste povo e da Igreja, muito marcada pela presença e intervenção pastoral e social dos Espiritanos. Católica muito convicta, continua empenhada na Igreja como coordenadora dos ministros da Eucaristia e Ministra da Palavra. Contou a história desta terra e desta Igreja, com luzes e sombras, mas muito compromisso missionário.

Tarauacá é a ‘capital do abacaxi’, uma cidade viva, sempre em festa, com muita gente a andar de bicicleta. Este espírito alegre expressa-se nas celebrações na Igreja, mas percebe-se nas visitas às famílias e nos tempos de encontro. Pude aqui viver a ‘Virada’ de 2023 para 2024, ou seja, a Passagem de Ano. Houve Missa de casa cheia na Matriz às 19h e, depois, em todas as praças, ruas e casas, foi festa e foguetório até de manhã. Houve excessos, como em todo o lado, mas gostei de passar por alguns destes espaços e ver as pessoas em feliz confraternização, confiando que o ano agora iniciado trará saúde, paz, justiça, trabalho, união, fé mais profunda. Foram estes os votos que mais ouvi desejar e que faço meus.

Que 2024 seja um ano feliz, comprometido, inspirado.

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