LUSOFONIAS – Eslováquia: Não chorar as cebolas do Egipto

Tony Neves, em Roma

A Eslováquia acolheu o Papa Francisco com alegria e festa, de 12 a 15 de setembro. Em quatro dias, o Papa teve nove intervenções, tão incisivas como plurais nos destinatários, contextos e ideias reflectidas e partilhadas.

A visita abriu com um Encontro Ecuménico. O Papa falou da fé cristã como semente de unidade e fermento de fraternidade na Eslováquia. Com uma história recente marcada pela perseguição aos crentes, Francisco defendeu a beleza da liberdade, mas lamentou que muitas pessoas a troquem por estilos de vida anestesiados e acomodados com promessas de pão e segurança. Alertou: ‘cálculos de conveniência, razões históricas e laços políticos não podem ser obstáculos irremovíveis no caminho’. Apontando caminhos de ecumenismo, o Papa apelou a uma unidade que se conquiste com compromissos comuns a favor dos mais pobres, pois ‘a partilha da caridade abre horizontes mais amplos e ajuda a caminhar mais rápido, superando preconceitos e equívocos’. O Encontro com a Comunidade Judaica permitiu fazer memória dos mais de cem mil judeus eslovacos mortos durante a II Guerra Mundial. Disse o Papa: ‘Estejamos unidos na condenação de toda a violência, de todas as formas de antissemitismo’.

Às Autoridades e Diplomatas, o Papa recordou que a Eslováquia é um dos ‘locais de interacção entre o cristianismo ocidental e oriental’, o que constitui uma mensagem de paz no coração de uma Europa que se exige mais solidária, hospitaleira, integradora e justa: ‘É preciso trabalhar para construir um futuro onde as leis se apliquem equitativamente a todos, com base numa justiça que nunca se deixe comprar’. Ao citar os grandes missionários Cirilo e Metódio, o Papa recordou estes santos eslavos que ‘mostraram que preservar o bem não significa repetir o passado, mas abrir-se ao novo sem se desenraizar’.

O encontro com os Bispos e outros responsáveis pela pastoral permitiu ao Papa lembrar que o mundo precisa de ‘uma Igreja que caminhe em conjunto, percorrendo as estradas da vida com a chama do Evangelho acesa’. A Igreja tem de atrair para Cristo através da alegria do Evangelho e do acolhimento das interrogações e expectativas do povo. Espera-se da Igreja o compromisso pela liberdade (ajudando o povo a não ser como o de Israel que, no deserto, chorava as cebolas do Egipto, trocando-as pela perspetiva de liberdade que se desenhava!), pela criatividade (percorrendo e propondo novos caminhos, modos e linguagens para anunciar o Evangelho) e diálogo (com todos).

A opção pelas periferias e margens está bem presente em dois dos momentos mais simbólicos desta viagem: a visita ao Centro Belém’, onde as Irmãs de Madre Teresa de Calcutá trabalham com pessoas sem abrigo e portadoras de deficiência; o encontro com a comunidade cigana no bairro Lunik IX, em Kosice, onde vivem cerca de 5 mil pessoas em condições precárias, completamente à margem da sociedade. Ali o Papa proclamou bem alto: ‘Na Igreja, ninguém deve sentir-se estranho nem marginalizado; juízos e preconceitos só aumentam as distâncias; colocar as pessoas em guetos não resolve nada; o caminho para uma convivência pacifica é a integração’.

Três grandes celebrações, com milhares de pessoas, marcaram esta peregrinação papal. A Divina Liturgia Bizantina de S. João Crisóstomo permitiu ao papa uma profunda reflexão sobre a importância da cruz na vida dos cristãos. Não aceitar o Deus frágil e crucificado é uma tentação de todos os tempos e lugares: ‘aspiramos a um cristianismo de vencedores, triunfalista. Mas sem cruz, ele é mundano e torna-se estéril’. No Encontro com os Jovens, o Papa pediu um combate ao amor banalizado, assente numa prática de usar e deitar fora. Pediu a construção de projectos de amor para toda a vida, assentes na fidelidade, dom e responsabilidade. No jogo da vida todos são titulares, não dando ouvidos a quem fala de sonhos, mas vende ilusões.

Na Missa Final, no Santuário Mariana de Sastin, evocou-se a Fé de Maria, uma mulher sempre a caminho, com uma fé profética que não se reduz a açúcar para adoçar a vida. Concluiu o Papa ‘Esta é a prova da compaixão: ficar junto da cruz. Ficar com o rosto marcado pelas lágrimas, mas com a fé de quem sabe que, no seu Filho, Deus transforma o sofrimento e vence a morte’.

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