LUSOFONIAS – Derrubar muros e construir pontes

Tony Neves

O Papa Francisco, na Mensagem para o Dia Mundial da Paz, apresenta os três caminhos que conduzem à pacificação do mundo: o diálogo entre gerações, a educação e o trabalho. Apostemos nos dois últimos.

Os governantes têm de tomar decisões sábias para dirigir bem os destinos dos povos que lhes foram confiados. Assim, é urgente que apostem num ‘real processo de desarmamento internacional que só pode trazer grandes benefícios ao desenvolvimento de povos e nações, libertando recursos financeiros para ser utilizados de forma mais apropriada na saúde, na escola, nas infraestruturas, no cuidado do território, etc.’. Desde a ‘Alegria do Evangelho’ que o Papa Francisco não poupa aos governantes este investimento exagerado em armamentos que deveria ser aplicado no combate à fome e outras situações humanas degradantes.

A educação está ligada ao diálogo entre gerações e culturas, pois deve preparar as novas gerações para uma ‘cultura do cuidado’ que conseguirá ‘abater muros e construir pontes’. Defende o Papa: ‘É necessário forjar um novo paradigma cultural, através de um pacto educativo global para e com as gerações jovens, que empenhe as famílias, as comunidades, as escolas e universidades, as instituições, as religiões, os governantes, a humanidade inteira na formação de pessoas maduras’. E, neste ‘pacto’ terá um lugar especial a ecologia integral que implica amar os pobres e proteger a natureza. Assim se construirá um novo modelo cultural de paz assente no ‘desenvolvimento e sustentabilidade, centrado na fraternidade e na aliança entre os seres humanos e o meio ambiente’.

E, finalmente, o trabalho. Quem promove e assegura às pessoas o trabalho está a construir a paz. Ele é ‘o lugar onde aprendemos a dar a nossa contribuição para um mundo mais habitável e belo’.

Inevitável é a referência aos impactos da pandemia da covid 19. Em pouco tempo abalou os fundamentos do mundo, agravando a situação laboral: ‘faliram milhões de actividades económicas e produtivas; os trabalhadores precários estão cada vez mais vulneráveis; muitos daqueles que desempenharam serviços essenciais são ainda menos visíveis à consciência pública e política’. E, claro, os jovens têm dificuldade de se lançar no mundo do trabalho e há muitos adultos atirados para um desemprego com consequências dramáticas para as suas vidas pessoais e familiares.

O Papa Francisco põe, mais uma vez, o dedo numa ferida social enorme: o impacto da crise nota-se ainda mais na economia informal, afectando particularmente os trabalhadores migrantes. Muitos deles indocumentados, têm de sobreviver como se não existissem: ‘vivem em condições precárias, expostos a várias formas de escravidão e desprovidos de um sistema de providência que os proteja’. Os números oficiais sobre protecção social são arrasadores: ‘apenas um terço da população mundial em idade laboral goza dum sistema de protecção social ou usufrui dele apenas de forma limitada’.

Há ainda a denunciar o facto de existir, em muitos países, a violência e o crime organizados. Além de sufocar a liberdade e a dignidade das pessoas, envenenam a economia e impedem a prática e o desenvolvimento do bem comum. Só o aumento de ofertas de um trabalho digno e bem remunerado, impede que estas redes criminosas condicionem a vida de muitas sociedades, um pouco por todo o lado.

A justiça e a solidariedade em cada comunidade humana só têm condições de sobrevivência e aprofundamento se houver trabalho para todos. Daí que se deva evitar a contínua substituição das pessoas por máquinas tendo como critério único o aumento do lucro com a diminuição do pagamento dos salários. Seguindo a doutrina social da Igreja, o Papa recorda que ‘o trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal’.

O Papa Francisco termina a Mensagem com um apelo aos responsáveis: ‘para caminharmos juntos por estas três estradas: o diálogo entre as gerações, a educação e o trabalho. Com coragem e criatividade. Oxalá sejam cada vez mais numerosas as pessoas que, sem fazer barulho, com humildade e tenacidade, se tornam dia a dia, artesãs de paz’.

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