LUSOFONIAS – Clero em Simpósio

Tony Neves, em Fátima 

Fátima acolheu o Simpósio do Clero de 29 de Agosto a 1 de Setembro. A participação foi elevada e o programa muito plural.

Uma das intervenções deste Simpósio tocou o tema delicado e essencial da profecia. Os profetas são os que falam em nome de Deus. É preciso ter os ouvidos do coração muito atentos para percebermos qual é a vocação a que Deus nos chama, a missão que nos confia e as formas de nos enchermos do Espírito Santo para irmos pelos caminhos do mundo anunciar o Evangelho e gerar Fraternidade. Os profetas vêem mais longe e mais fundo. Vêem com os olhos de Deus. Antecipam, não correm atrás de prejuízos, lêem os sinais dos tempos, têm sentido de discernimento. Não dão hipóteses às desgraças pois são capazes de ver os ramos de amendoeira floridos mesmo nas invernias mais austeras e trágicas da vida (como fez Jeremias). Não passam a vida a lamuriar-se das Igrejas vazias porque – como diz o provérbio brasileiro – sabem que ‘o que segura a vaca no campo não é a cerca, mas a qualidade do pasto!’. São como os agricultores que acreditam que cada grão de milho tem espigas enormes dentro dele! Não desistem do que é bom, pois sabem que Deus pode arrancar do nosso peito o coração de pedra e lá colocar um coração de carne – como profetiza Ezequiel. Não se precipitam nem chegam atrasados, pois percebem, melhor que ninguém, qual é a hora de Deus. São homens e mulheres de palavra e da Palavra. São pessoas abertas, corajosas, autênticas, capazes de correr todos os riscos em favor da verdade e da dignidade das pessoas, não tendo medo de sujar as mãos nas lamas da história… São pessoas que apostam no essencial (S. Agostinho dizia que no essencial tem de haver unidade, no acessório liberdade e em tudo caridade). Seguem o conselho de Einstein: ’fique longe das pessoas negativas: Elas têm um problema para cada solução!’. O Papa Francisco lembrou, na audiência de 13.11.2019, que os pastores têm de ser os especialistas na proximidade: com Deus, com os Bispos, com os restantes Padres e com o Povo.

Claro que aos Pastores é pedido um estilo de vida orante, simples, próximo, fraterno, dedicado, com cheiro às ovelhas, sinodal, persistente (‘desistir é uma palavra que tem de ser eliminada do dicionário de quem sonha!’), em conversão constante aos valores do Reino. Temos que – como pede o Papa no ‘Alegrai-vos e Exultai’– cruzar as bem-aventuranças com as parábolas do juízo definitivo e do bom samaritano. Sim, temos que cultivar a convicção profunda de que o nosso sacerdócio nos chama, com radicalidade, à santidade e à missão.

Falar de profecia sacerdotal em Portugal obriga a olhar para a figura incontornável do nossa Santo Frei Bartolomeu dos Mártires que, como sabemos, em Trento, propôs aos Bispos conciliares uma eminentíssima reforma. Nada melhor que pedir emprestadas palavras ao seu actual sucessor, D. José Cordeiro: ‘Além de ter lutado pela renovação da Igreja, a sua obra de caridade e preocupação com os mais pobres foram notáveis’ (facebook, 18.5.2022). Como disse há tempos Frei Bento Domingues, a insurreição contra o mal é a melhor forma de testemunhar a Ressurreição dos mortos!

O sacerdote–profeta é alguém que está sempre de saída, na direcção de todas as periferias e margens da história. O cardeal Tolentino Mendonça explicou ao Papa e à Cúria Romana, durante o Retiro, que ‘o verbo grego peripherein significa traçar uma linha ou desenhar uma circunferência. Parece um gesto simples esse. Trata-se, no entanto, de uma decisão antropológica e política da maior importância. Quando traçamos uma fronteira decidimos o que está dentro e o que fica de fora. Estabelecemos o próximo e o distante, o prioritário e o acessório’. O nosso cardeal biblista recorda que o próprio Jesus é um homem periférico e que, por isso, ‘a periferia está assim no ADN cristão, pois aproxima-o do seu contexto originário e do seu programa’. Por isso, conclui: ‘a vitalidade do projecto cristão joga-se nas periferias. (…). Para a Igreja, a periferia não é um problema, mas um horizonte(…).Só saindo de si a Igreja se pode redescobrir a ela mesma’ (José Tolentino Mendonça, O Cristianismo reencontra as periferias, in A Revista do Expresso, 27.01.2018, p.92).

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