LUSOFONIAS – Caminhar juntos, lado a lado

Tony Neves, em Roma

Há provérbios que ajudam a perceber o ritmo e o estilo que o Papa Francisco está a tentar imprimir na Igreja. Ouso avançar com dois: ‘quem quer ir mais depressa, vai sozinho; quem quer ir mais longe, vai em grupo’; ‘uma viagem de mil milhas começa com o primeiro passo…’. Ora, a sinodalidade da Igreja pretende isto mesmo, que todos nos coloquemos a caminho, na mesma direcção, de olhos, ouvidos e corações abertos à novidade constante que o Espírito é e desperta. Temos de aceitar caminhar juntos, o que exige desinstalação, arriscar erros de discernimento, viver o incómodo do imprevisto e da mudança. Nada fácil…

Tudo isto a propósito do próximo Sínodo, cuja Assembleia Geral será em outubro de 2023, já depois das Jornadas Mundiais da Juventude, a realizar em Lisboa, no verão anterior. O tema é desafiante: ‘Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão’. O Documento Preparatório veio a público no passado dia 7 e lança as bases de um caminho a percorrer juntos. Basta, apenas a título estatístico, notar que a palavra ‘sinodalidade’ aparece 26 vezes, para concluir que a focagem no tema é evidente. Diz o texto que ‘o caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do Terceiro Milénio’, pois, ‘o nosso caminhar juntos é o que mais implementa e manifesta a natureza da Igreja como Povo de Deus peregrino e missionário’.

A urgência vai para a escuta do Espírito que implica abertura às surpresas do caminho. Há muitos objectivos de Evangelização a atingir: ‘fazer memória do modo como o Espírito orientou o caminho da Igreja ao longo da história e como hoje nos chama a ser, juntos, testemunhas do amor de Deus; viver um processo eclesial participativo e inclusivo; reconhecer e apreciar a riqueza e a variedade dos dons e dos carismas que o Espírito concede; experimentar formas participativas de exercer a responsabilidade no anúncio do Evangelho e no compromisso para construir um  mundo mais belo e mais habitável; examinar como são vividos na Igreja a responsabilidade e o poder, e as estruturas mediante as quais são geridos, destacando e procurando converter preconceitos e práticas distorcidas que não estão enraizadas no Evangelho; credenciar a comunidade cristã como sujeito credível e parceiro fiável em percursos de diálogo social, cura, reconciliação, inclusão e participação, reconstrução da democracia, promoção da fraternidade e da amizade social; regenerar as relações entre os membros das comunidades cristãs e entre estes e todos os outros crentes e organizações da sociedade civil; favorecer a valorização e a apropriação dos frutos das recentes experiências sinodais nos planos universal, regional, nacional e local.

Começa agora o tempo da escuta e consulta do Povo de Deus nas Igrejas Particulares, uma fase que irá até abril de 2022. Há que ‘investigar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho’.

O mundo vive ainda em choque com as consequências da pandemia que ajudou a perceber que ninguém se salva sozinho, mas também acentuou o fosso entre ricos e pobres e complicou ainda mais a fragilidade das condições de vida de muitos migrantes. É urgente a escuta do clamor dos pobres e da terra e podemos ser ajudados pelas encíclicas ‘Laudato Si’ e ‘Fratelli Tutti’. Também há que olhar para as minorias perseguidas, em alguns países: ‘nalguns deles, os católicos, em conjunto com outros cristãos, experimentam formas de perseguição até muito violentas, e não raro o martírio’.

O clericalismo está muito presente na vida da Igreja e, por isso, há que o ultrapassar, pois ‘é impensável uma conversão do agir eclesial sem a participação ativa de todos os membros do Povo de Deus’.

Voltando ao tema, ‘a sinodalidade representa a via mestra para a Igreja, chamada a renovar-se sob a acção do Espírito Santo e graças à escuta da Palavra’. Por isso – lembra o documento – ‘uma Igreja capaz de comunhão e de fraternidade, de participação e de subsidiariedade, em fidelidade ao que anuncia, poderia colocar-se ao lado dos pobres e dos últimos, emprestando-lhes a própria voz’.

Já que estamos juntos, a caminho, na mesma direção, demos tempo ao tempo, façamos a digestão da primeira parte deste Documento Preparatório. Para a semana haverá mais caminho a percorrer. Somos Igreja em saída, estamos juntos, claro.

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