LUSOFONIAS – Balanço boliviano

Tony Neves, em Portugal

Buenavista, cidade que nasceu da Missão dos Jesuítas, é um pequeno paraíso, porta de entrada do grande Parque Natural do Amboró. Mangueiras gigantes protegem do sol as casas térreas, só oferecendo flores nesta época do ano. Foi pena, pois o que mais gosto das mangueiras é o seu fruto, e ali as mangas são uma doçura! Pude ir molhar os pés no rio e participar na feira nocturna que, todas as sextas feiras, toma conta de uma das ruas mais importantes da cidade e fornece ao povo e turistas um pouco de tudo, como é típico destes espaços comerciais.

Visitei o país num momento muito crítico. Nas bombas, não havia gasóleo e a gasolina ameaçava acabar, o que se torna terreno fértil para todas as negociatas típicas dos mercados paralelos. Metia dó ver as filas de kms com camiões parados ao longo das grandes estradas, bem como as filas de pequenos veículos a gasolina nas imediações das bombas. Como habitualmente, o povo reage e, mais uma vez, apostou nos bloqueios de estradas, não deixando passar ninguém. Veremos até onde esta crise irá neste Estado que se afirma Plurinacional.

A Igreja em Santa Cruz de la Sierra é uma instituição forte e reconhecida. O atual arcebispo, D. René Leigue, é filho da terra, acabado de suceder a D. Sergio Gualberti, italiano. Ambos marcam o ritmo da Igreja local há muito anos, pois D. René era já um dos Bispos Auxiliares da Arquidiocese. Tive a alegria de conversar com ambos, pois D. René presidiu à Missa do ‘Encontrão Espiritano’, na Igreja de San Juan Bautista e D. Sérgio orientou uma manhã de reflexão aos jovens padres que chegaram à América Latina nos últimos cinco anos. Guardo de ambos a simplicidade, a proximidade dos padres e do povo e, sobretudo, a opção clara pelos mais pobres.

É longa e profunda a tradição cristã do país. Mas há que reconhecer que o impacto mais relevante foi provocado pelos Jesuitas, através da sua metodologia com a construção das Reduções, essas Missões em que os povos indígenas recebiam uma formação humana integral, com apostas na agricultura, nos trabalhos de construção com madeira, na aprendizagem das letras, das artes e ofícios. Fundamental era igualmente o investimento na música, pelo que, ainda hoje, as Missas são quase sempre tocadas pela ‘Orquestra Missional’. Visitei San José e fiquei fascinado, como já tinha ficando aquando das visitas a Concepcion e Xavier.

Há imagens que saltam aos olhos e provocam inquietações. Na Bolívia, uma delas, é verificar que muitas pessoas aparentam ter graves dores de dentes, pois andam com bocas inchadas! Basta estar algum tempo a conversar com as pessoas para perceber que muitas metem à boca folhas de coca, mastigam e fazem uma bola numa das bochechas, guardando-a horas a fio. Não experimentei, mas disseram-me que é uma prática ancestral para esconder a fome e excitar o corpo para o trabalho. Corresponde ao nosso vício de fumar! Afinal, não há urgência de destacar dentistas para a Bolívia, como me ocorreu quando verifiquei o fenómeno!

Dois eventos serviram de pretexto para mais uma visita à Bolívia: o ‘Encontrão da Família Espiritana da América do Sul’ e o Encontro de Espiritanos em Nomeação Missionária. Ambos atingiram os objetivos propostos, com umas seis dezenas de participantes no primeiro e apenas treze no segundo. Na América do Sul, os Espiritanos trabalham no Brasil, na Bolívia e no Paraguai.

Prometi na última crónica que falaria um pouco da flora e da gastronomia locais. Os olhos enchem-se sempre que vemos floridas duas árvores: o tajibo, com flores lilás, amarelas, brancas e rosa e o toborochi, árvore bojuda que também tem flores muito berrantes e dá um fruto de que se faz sumo. Quanto a comida, há muitos assaditos, empanadas (com recheios para todos os gostos!), cunhapé (pão de queijo), sopa de mani (amendoim), churrascos…e, para beber, há a chicha (bebida típica dos povos incas, feita de milho que, depois de fermentar, fica muito alcoólica) e o mocochinchi, feita com pêssego desidratado, muito doce, até porque Santa Cruz é a terra de cana do açúcar!

Muito mais se poderia dizer deste povo e desta terra, mas lá voltarei mais vezes e continuarei a falar da Missão que ali acontece. Agradeço a hospitalidade fantástica. Desejo a continuação de uma missão inspirada. Tudo de bom, até breve!

Tony Neves, em Portugal

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