LUSOFONIAS – As dez lições paraguaias

Tony Neves, em Buenavista, na Bolívia.

Foto: Tony Neves

Deixei Asuncion e cheguei a Santa Cruz de la Sierra, o que quer dizer que saí do Paraguai e entrei na Bolívia. Na chegada à América Latina, ido de Roma, encontrei um povo sereno a viver tempos de calma, embora na estação muito quente. Mas encontrei a Bolívia a ferro e fogo, depois da prisão do Governador de Santa Cruz, acusado pelo Governo de golpista. Lá voltaremos outro dia. Agora queria fazer um balanço das três semanas paraguaias.

A lição nº1 recebi-a do povo. Percorri o país, fazendo milhares de kms e sempre encontrei pessoas sorridentes e simpáticas, sempre prontas a ajudar e a facilitar a vida de quem é estrangeiro, não fala a língua, não conhece a cultura e está de passagem, como era o meu caso.

A segunda lição entrou-me pelos olhos. O país é verde, por bênção de Deus mas também por opções políticas antigas. Desde há muito que é proibido abater árvores sem permissão e sem um compromisso na sua substituição. Encontramos estradas que têm enormes árvores no meio, porque não foi dada a autorização de corte. Mas – e é pena que apareçam mas! – vi hectares e hectares de desmatação feita para a criação intensiva de gado ou plantação de soja, numa aposta de monocultura que destrói as florestas e abre as portas às ‘fumigações’ contra pragas, matando muitas espécies e atacando a biodiversidade.

Fiquei marcado pelo respeito que têm aos ‘país’, termo guarani que usam para falar do Padre. Onde quer que cheguemos e sejamos reconhecidos como padres, logo as pessoas juntam as mãos e pedem a bênção, antes de darem um grande abraço, saudação muito típica daqui, mesmo em tempos pós-covid. O povo afirma-se muito católico, tendo como centro de peregrinações, o Santuário da Virgem de Caacupé.

A quinta lição é cultural. Embora sejam poucas as comunidades cem por cento indígenas, o guarani é língua oficial que todos falam, nas aldeias ou nas cidades. A língua é sempre a alma de um povo e este – sejam as pessoas de origem mais europeia ou latino-americana – tem honra de ser guarani. Por isso, os missionários fazem questão de aprender a língua.

Os paraguaios valorizam muito a sua gastronomia tradicional. Por isso, oferecem (e vendem em todo lado) a chipa guaçu (feita de farinha de milho verde, ovos, queijo, gordura de porco) ou o simples chipa (feita com farinha de mandioca), a sopa paraguaia (espécie de pão de queijo), o bori bori (milho, queijo, clara de ovos, carne e verduras – uma espécie de carne estufada), as empanadas (como croquetes), o mbeju (prato com farinha de milho e mandioca, queijo e carne de porco). E bebe-se o cosido, que é uma espécie de chá muito doce… Na quadra de Natal, fazem o clericô, que é uma espécie de salada de frutas com rum ou outro álcool. Provei tudo e tudo é excelente!

O Natal -outra lição – é um tempo muito quente, vivido com intensidade. Há presépios enormes e lindos em todas as instituições e jardins das casas. Até no aeroporto internacional de Asuncion está um grande presépio, nas chegadas dos passageiros. E, nas Igrejas e Capelas, não pode nunca faltar!

Voltemos à cultura e à auto-estima dos paraguaios. Em muitas povoações por onde passei, encontrei grandes letreiros a dizer que estávamos numa capital de algo importante. Assim, Caacupé é a capital espiritual do país; General Resquin é a capital do Mbeju; Naranjito é a capital da laranja doce; San Vicente é a capital da mandioca; Guayeibi é a capital da banana e do ananás; Ayala é a capital da chipa; Itauguá é a capital do Nanduti, um tecido em forma de teia, que traduz uma lenda paraguaia muito ancestral…

A nona lição recebi-a da natureza com a visita às Cataratas do Iguaçu. São património da humanidade e ali concluí que Deus faz coisas que não conseguimos imitar! São de encher de olhos aquelas largas dezenas de quedas de água, tendo como expressão máxima a ‘garganta do inferno’. Estas Cataratas juntam três países: o Brasil, a Argentina e o Paraguai.

A última lição recebi-a ao longo de todos estes dias vividos no Paraguai. Por onde quer que passasse, a qualquer hora do dia, via rodas de gente sentada debaixo das árvores, a conversar, a comer, ou a beber o seu mate (de manhã) ou tereré (de tarde), num ambiente muito distendido e familiar.

Após dez lições tão profundas, mergulho agora neste ambiente tenso da Bolívia e dele falarei nas próximas crónicas.

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Agência ECCLESIA

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