Tony Neves, em Roma
Em Itália, sobretudo em Pádua, não vale a pena gastar muito latim (ou italiano) a falar de Santo António! Diz-se ‘il Santo’ e toda a gente sabe de quem se fala! Esta é uma afirmação corrente que aparece também na crónica de ‘uma viagem medieval’ de Gonçalo Cadilhe, ‘Nos Passos de Santo António’. Este escritor viajante decidiu seguir os passos do nosso maior missionário do século XIII que se fez ao mar muito antes dos navegadores empurrados pelo Infante D. Henrique: ‘um dos maiores viajantes da História de Portugal’. Não se ‘atirou’ ao Mediterrânio para alargar o império (nem sequer sabia o que era isso!), mas para aumentar o número dos batizados em Cristo, anunciando o Evangelho em contextos islamizados do norte de África. A sua história já deu para muitos livros, mas vale a pena repegá-la como inspiração para os tempos que correm.
Nesta ‘viagem’, inspiro-me em Gonçalo Cadilhe, nos Sermões do Santo e na visita que fiz a Spoleto. Aqui vivi a semana do Retiro anual da minha Comunidade, num convento de Irmãs, plantado na colina em frente a esta cidade tão antiga, bela, simbólica e estratégica. Situada a cerca de 130 kms de Roma, Spoleto tem séculos de história, pois ali passa uma das vias romanas mais lendárias, a Flaminia. E, claro, para a Igreja e para Portugal, há um acrescento de importância: ali foi canonizado Santo António. Logo que pude, desci a colina e subi à cidade. Que beleza, que inspiração! Só descansei quando entrei na magnífica Catedral de Santa Maria Assumpta, que presta homenagem ao lugar e ao evento que fez de António um dos santos mais aclamados da Igreja, após ‘canonização relâmpago’! Aconteceu a 30 de maio de 1232 quando os franciscanos realizavam a sua Assembleia Geral. O Papa de então, Gregório IX, estava presente e quis brindar a fidelidade dos franciscanos ao Papa, bem como a fé dos habitantes de Pádua e decidiu canonizar António, tornando-o modelo de vida cristã e de monge para a Igreja e para o mundo.
Voltemos ao princípio. Fernando de Bullhões nasceu em Lisboa, fez-se Agostinho em Coimbra, passando a chamar-se António, provavelmente em homenagem a Santo Antão, Abade do Deserto. Ali passariam franciscanos a caminho de Marrocos que – segundo se soube – foram martirizados. António decide fazer-se franciscano e completar a missão que o martírio não permitira concluir àqueles jovens frades que ele conheceu em Coimbra. Homem culto, atravessa o Mediterrâneo, chega a Marrocos e adoece. Tenta regressar a Portugal, mas os ventos (os do Espírito!) atiraram-no para as costas da Sicília onde se tornou famoso pela pregação e santidade. Decide ir a Assis para uma Assembleia Geral onde encontra S. Francisco. Assim se mudaria a história de António, tudo por causa da demonstrada eloquência das suas palavras e sermões. Passará por Bolonha, grande capital intelectual de então, para formador dos novos franciscanos. É eleito responsável da Ordem no norte de Itália, faz parte da delegação que vem a Roma encontrar o Papa para definir o estatuto da nova Família Religiosa fundada por Francisco e que não parava de crescer… Pádua será o ponto alto da sua vida, onde ganha fama de sabedoria e santidade extremas.
Em tempo de ‘heresias’, é mandado ao sul de França. Mas ele sabe que as conversões acontecem mais pela pregação da Palavra e pela Fraternidade do que pelo anátema, ódio ou espada. Com esta convicção bem franciscana, António andou por terras francesas onde se tornou conhecido e amado. Depois, deixou a responsabilidade de direcção na Ordem e, de regresso a Pádua, tentou retemperar forças, rezar e escrever alguns dos seus sermões para alimento de quem viesse a seguir. Morreu às portas da cidade, em Arcella, a 13 de junho de 1231. Diz Gonçalo Cadilhe: ‘nesse dia, a História dava outro passinho para fora da Idade Média, a Europa despertava mais um pouquinho de um torpor de mil anos, António terminava a sua viagem’. Seria canonizado, em Spoleto, menos de um ano depois….
Atento aos mais pobres, fez da vida um hino à contemplação, à missão e à coerência, optando e pregando um estilo de vida simples, orante e fraterna. Gritou um dia, num dos seus sermões: ‘Calem-se as palavras e falem as obras!’ E um grande admirador seu, o P. António Vieira, quando pregou na Igreja de Santo António dos Portugueses a 13 de junho de 1670 disse do Santo: ‘Para nascer, pouca terra; para morrer, toda a terra; para nascer, Portugal; para morrer, o mundo’!
Por isso, não vale a pena ficarmos chateados quando vamos a Zanzibar ou às montanhas da Huasteca Potosina no México e lá encontramos Santo António de Pádua! Queríamos que fosse de Lisboa, mas a verdade é que ele um Santo sem fronteiras. É de todos. Que a todos inspire e mobilize para uma fraternidade universal.