LUSOFONIAS – Angola à porta das eleições

Tony Neves, em Angola

Angola mudou muito depois da guerra. Alguns dos sinais são promissores de tempos novos. As cidades e vilas estão, regra geral, em franco desenvolvimento, mais organizadas e limpas, mostrando que uma parte da população vive bem. Em Luanda, pude ver a beleza da Ilha. Em todas as viagens vi muito gado ao longo da estrada e áreas de cultivo. Há muito comércio informal, nos mercados populares, que ajudam a escoar a produção local: mandioca, papaia, batata doce, inhame, mel, banana, citrinos, ananás…. Há muitas crianças e jovens, a provar o 2,7% de aumento da população. Na viagem de Benguela para Luanda, em tarde de domingo, havia jogos de futebol em quase todas as povoações, com muita assistência jovem. São belos o nascer e o pôr do sol…

Nota-se um crescente respeito pelo pluralismo partidário, vendo-se em muitas cidades e vilas, colocadas nos mesmos postes as bandeiras do MPLA, UNITA e outros partidos.

As celebrações estão cheias de pessoas e a festa é garantida pelo canto e pelas danças que dão uma enorme beleza e se tornam cativantes para todas as gerações. As iniciativas de formação e reflexão também motivam a participação de muitas pessoas, demonstrando interesse em saber mais para ser mais.

Mas também ouvi vezes sem conta as pessoas a lamentar-se da situação complicada em que vivem. Pude experimentar os dramas que afectam uma parte significativa das populações. Os indicadores mostram uma economia em recessão, 27% de inflação, tudo agravado com a covid 19. Todas as periferias são pobres e em crescimento descontrolado, com muita construção nos musseques super-povoados por pessoas, na maioria, desempregadas. Pude percorrer alguns deles em Luanda, Lubango, Benguela, Lobito e Huambo. O excesso de lixo, a falta de saneamento básico e de água potável continuam a justificar muitas malárias, tifóides e cóleras que fazem vítimas aos milhares. A seca e a falta de irrigação impossibilitam boas colheitas. Ainda se fazem queimadas à toa e se abatem árvores para fazer carvão. Há sinais de guerra muito evidentes. O mau estado de muitas estradas dificulta a circulação, encarece os produtos, abrandando a economia. Há muita criminalidade e consequente insegurança e sentimento de medo entre as pessoas.

Angola é hoje um país com múltiplas fracturas. A notícia da morte do ex-presidente Eduardo dos Santos colheu-me em Luanda. Esperava ondas de grande consternação, como fora com Agostinho Neto, mas não. Os media do governo deram muito espaço a esta morte, sem nunca referir as enormes polémicas levantados à volta do funeral. Todas as sedes de governo local abriram espaços de homenagem, com a colocação de livros de condolências, mas as discussões eram quase todas para tentar saber se a família tinha ou não razão para não deixar o corpo voar para Luanda e ali se realizar um grande funeral de Estado.

Esta ‘telenovela’ foi politicamente muito aproveitada pela oposição que percebeu quanto o histórico MPLA, que sempre foi governo sem oposição, estava fracturado. Nas muitas conversas que mantive em Angola, percebi que, além da luta política MPLA-UNITA, há outra ainda mais evidente e decisiva entre as diversas facções do partido do governo. Veremos nos resultados das eleições qual terá sido o real impacto desta morte acontecida num momento delicado da história de Angola.

Estes ‘mais’ e ‘menos’ vão acompanhar o povo angolano nos próximos anos.

Deixei Angola com muitos abraços e alegrias, mas também preocupações. Recordo alguns desabafos: ‘Queremos uma Angola mais feliz’ – dizia-me uma senhora no Lubango. ‘Nada ficará como dantes, ganhe o MPLA ou a UNITA!’ – assegurava-me um professor universitário em Benguela. ‘Ou se mata a corrupção ou morremos nós todos!’ – atirava com convicção um jurista no Huambo. ‘Os grandes têm tudo, nós nem sequer temos um prato diário garantido!’ – lamentava, com revolta, uma jovem nas periferias de Luanda. ‘Angola parece ‘a quinta dos animais’ de George Orwell. Somos todos iguais, mas uns são mais iguais que outros!’ – partilhava, com humor, um dos futuros Espiritanos, na Missão do Munhino.

São apenas cinco frases registadas das muitas que ouvi ao longo de quase um mês a percorrer os caminhos de Angola, de Luanda ao Lubango, passando por Benguela, Lobito, Huambo e uma longa lista de vilas e povoações.

 

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