LUSOFONIAS – A conversão da Cúria Romana

Tony Neves, em Roma

‘Pregai o Evangelho!’ – ora que excelente título para a Constituição Apostólica que o Papa Francisco deu à luz em dia de S. José para apresentar a reforma da Cúria Romana. Prefiro falar de conversão porque não gosto da palavra ‘reforma’ aplicada nestas situações em que se pretende mexer nas leis e estruturas para renovar a mentalidade e a forma como se intervém. Aqui no caso, o Papa Francisco, impulsionado por muita gente, de dentro e de fora da Cúria Romana, quis tornar mais moderna, mais ágil, mais testemunhante, mais transparente e menos carreirista a estrutura que, com ele, governa a Igreja católica à escala do planeta.

Li de fio a pavio este documento, apoio a iniciativa e não sinto que se trate de uma grande revolução. Mas é um pequeno passo para dar credibilidade e eficácia aos serviços centrais da Igreja católica e isso é, só por si, uma valor acrescentado. Sublinhei o texto e transcrevo alguns sublinhados.

O preâmbulo é inspirador. Diz: ‘a Igreja cumpre o seu mandato sobretudo quando dá testemunho, com palavras e obras, da misericórdia que ela mesma recebeu gratuitamente’ e ‘o povo de Deus cumpre o mandamento do Senhor, que ao pedir para anunciar o Evangelho, nos instou a cuidar dos irmãos mais fracos, doentes e sofredores’. A Igreja é apresentada como mistério de comunhão, pois, ‘esta vida de comunhão dá à Igreja o rosto da sinodalidade; isto é, uma Igreja de escuta mútua ‘na qual cada um tem algo a aprender. Fiéis, Colégio Episcopal, Bispo de Roma: uns escutando os outros, e todos escutando o Espírito Santo, o Espírito da verdade (cf Jo14,17), para saber o que Ele diz às Igrejas (Ap. 2,7)’.

É dito de forma clara que ‘a Cúria Romana está ao serviço do Papa’ e ‘não se coloca entre este e os Bispos, mas ao serviço de ambos, de acordo com a natureza de cada um’. Como, pelo batismo, todos os cristãos são discípulos-missionários, ‘a reforma da Cúria deve, portanto, prever o envolvimento de leigos, mesmo em funções de governo e responsabilidade’.

O Papa tem consciência da dificuldade que as mudanças trazem e lembra que estas só serão possíveis se ‘brotarem de uma reforma interior’ ao estilo da parábola do bom samaritano. Não se faz reformas só para que sim, pois elas nunca são um fim em si mesmo, ‘mas um meio para dar um forte testemunho cristão, promover uma Evangelização mais eficaz, promover um espírito ecuménico mais fecundo, encorajar um diálogo mais construtivo com todos’.

Este Documento apresenta dez Princípios e Critérios para o serviço da Cúria Romana: serviço à Missão do Papa, Corresponsabilidade na comunhão, serviço à Missão dos Bispos, apoio às Igrejas Particulares, carácter de vigário da Cúria, Espiritualidade, integridade pessoal e profissionalismo, colaboração entre os dicastérios, reuniões interdicasteriais e intradiscasteriais, expressão da catolicidade, redução dos dicastérios, aposta na caridade.

Nas Regras Gerais, diz que todos devem ser ‘discípulos-missionários, dando exemplo de dedicação, espírito de piedade, de acolhimento a quem a ele se dirige e de serviço’. Afirma-se que ‘a idoneidade dos candidatos a Oficiais da Cúria deve ser devidamente verificada’.  O dado mais novo e mais relevante prende-se com a duração do mandato: cinco anos. Há apenas casos excecionais de prolongamento de mandato por mais cinco. E, a partir dos 80 anos, todos perdem o cargo e regressam às Dioceses ou Institutos de origem.

São agora dezasseis os Dicastérios (ou seja, os departamentos) da Cúria: Evangelização; Doutrina da Fé; Serviço da Caridade; Igrejas Orientais; Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos; Causas dos Santos; Bispos; Clero; Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica; Leigos, Família e Vida; Promoção da Unidade dos Cristãos; Diálogo Inter Religioso; Cultura e Educação; Promoção do Desenvolvimento Humano Integral; Textos legislativos e Comunicação. Dado novo é a criação da Comissão Pontifícia para a Protecção dos Menores, integrada no Dicastério da Doutrina da Fé. Apresenta os Órgãos de Justiça e Órgãos Económicos, que devem assegurar ‘uma gestão administrativa e financeira ética e eficiente’. A referência final é para as Instituições Associadas à Santa Sé onde se integram o Arquivo Apostólico e a Biblioteca Apostólica do Vaticano, atualmente confiadas ao Cardeal Tolentino Mendonça.

É simbólico que a data de entrada em vigor seja 5 de junho, domingo de Pentecostes.

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