Padre Miguel Neto, Diocese do Algarve
Nunca me interessei muito pela moda e pela roupa em si. Vários fatores, certamente, influenciaram esse meu desprezo pela arte de saber vestir.
Em primeiro lugar, penso que por ser o filho mais novo com dois irmãos mais velhos fui habituado, durante grande parte da minha infância e adolescência, a herdar as roupas usadas, mas ainda em bom estado deles e de primos mais velhos, sem isso representasse algum problema de estima para mim.
Em segundo lugar, na juventude e já como adulto, o facto de ser obeso mórbido de nível 3, com um peso entre os 120 e 140 kg, fazia com a escolha da roupa fosse muito mais balizada pelos tamanhos disponíveis, do que pelo gosto pessoal. Aliás, só agora aos 44 anos e com 78 kg e devido a uma perda de peso de 60 kg, por questões médicas e com a necessidade de mudar todo um guarda-roupa em menos de um ano, tive a oportunidade de escolher o vestuário que realmente gostava, por ter acesso ao tamanho normal. Porém, ainda assim, continuei a não ser muito exigente e um pouco kantiano na seleção das peças: uso quase sempre as mesmas cores e o mesmo estilo.
Não pensei que o vestir me define e não gosto de perder tempo com isso, como os que me conhecem sabem. Às vezes, até exageradamente simples e com algum prejuízo para mim. Por isso, penso que o que se veste não revela, obrigatoriamente, o que somos, pensamos, ou defendemos. Há modas e tantas vezes não pensamos nelas, mas as usamos. Uma mulher que vista uma saia comprimida não o faz, sempre, devido à sua religião. Da mesma forma que uma mulher que use uma minissaia, ou roupa provocante, esteja à procura de algum namorado. Cada um deve vestir-se como gosta, como se sente confortável no dia-a-dia, ou em dada ocasião.
Não estou a ser um polícia da moda, mas também não quero que o estado seja. Todavia, parece que em França já não será possível que cada um vá à escola, ou ande, na sociedade, como gosta e quer. E isso preocupa-me. Quanto mais não seja, porque historicamente os portugueses gostam de importam as modas francesas com algum atraso. Segundo o ministro da Educação francês, ouso da abaya será proibido nas escolas desse país. A abaya é um vestido longo, ou túnica, que cobre o corpo de muitas mulheres muçulmanas praticantes e que, segundo o estado francês, (tal como as bandanas e as saias longas, também referidas), podem ser proibidos se forem “usados de forma a manifestar ostensivamente uma filiação religiosa”. Ou seja, Em França, nas escolas, não podemos usar roupa, ou sinais que manifestem filiação religiosa, mas, atenção: a intenção do Governo francês não visa apenas o islão, mas, também, todas as outras religiões, implicando que sejam retirados crucifixos das escolas e que os judeus abandonem a sua “kippa”.
Parece que o Sr. Macron e os seus ministros querem instaurar o “ministério dos trajes”, algo muito típico das ditaduras do médio oriente e aí, como têm petróleo e dinheiro, os franceses não se preocupam com a perseguição aos cristãos. Ou, por oposição, vociferam contra o estado iraniano, que tem perseguido, preso e morto várias mulheres que lutam pelo direito de não usar a abaya, pois a liberdade é – supostamente! – um dos valores mais caros dos “democratas” franceses, herdeiros da famosa revolução de 1789 a 1799.
No fundo, aqui há uma ditadura da laicidade, já que o referido ministro afirma, convictamente, que “a laicidade é a liberdade de emancipar-se através da escola”. Este senhor, que é responsável pela educação do país anteriormente tido como um modelo de pedagogia e gosto, considerou que ir à escola vestindo uma abaya era “um gesto religioso destinado a testar a resistência da República sobre o santuário secular que deveria ser a escola”, prometendo ser “firme sobre o assunto”. O objetivo é “entrar numa sala de aula [e] não ser capaz de identificar a religião dos alunos olhando para eles”.
Ou seja: escondam as cruzes e os terços em público, porque a ditadura da laicidade vem atrás deles. Não tenham ilusões, o caminho que se está a seguir é muito perigoso e perigoso para todas as religiões.
Não é negando a diversidade que se consegue o respeito, a tolerância e a conciliação, quer das religiões, quer, igualmente, ainda que num grau menor, de qualquer tipo de filiação social, política, ou afirmação de pensamento. Esta posição de opressão e de obrigatoriedade de sermos todos anonimamente iguais (qual universo Orwelliano), proibindo a expressão do que somos, pensamos e defendemos através do nosso exterior, só vai desencadear um aumento do extremismo religioso, político e social. Esta estrada terá como destino uma maior afirmação nos grupos de extremistas religiosos e das minorias que se sentem oprimidas.
Cada um deve vestir-se como quer. Cada um deve ser livre para mostrar a sua religião, pensamento e opinião seja através da roupa, de sinais exteriores, de oração em locais públicos. Só com liberdade haverá compreensão e tolerância entre todos.