«Levo de Braga a imagem e o testemunho de uma diocese com quem aprendi imenso»

D. António Francisco dos Santos, Bispo Auxiliar de Braga desde Março de 2005, toma posse amanhã, às 16h00, da diocese de Aveiro. D. António Francisco dos Santos, Bispo Auxiliar de Braga desde Março de 2005, toma posse amanhã, às 16h00, da diocese de Aveiro, durante uma celebração eucarística que terá lugar na Sé Catedral local. O prelado nasceu a 29 de Agosto de 1948 em Tendais, no concelho de Cinfães, é padre desde 8 de Dezembro de 1972 e, actualmente, é o presidente da Comissão Episcopal Vocações e Ministérios. Nesta entrevista ao Diário do Minho e Rádio Renascença, reconhece que a passagem pela Arquidiocese de Braga a caminho de Aveiro foi curta, mas vivida «com grande alegria», e que «não será tarefa fácil» suceder a D. António Marcelino, um dos poucos bispos com intervenção regular na comunicação social. Diário do Minho/Rádio Renascença — Escolheu o dia 8 de Dezembro para a entrada em Aveiro como bispo titular, indo substituir D. António Marcelino. Houve alguma razão especial para preferir tomar posse da diocese nesta data? D. António Francisco dos Santos — Eu escolhi o dia 8 de Dezembro para tomar posse da diocese de Aveiro, sabendo que é o dia da solenidade da Imaculada Conceição – essa é a razão primeira e a razão maior. O vínculo de grande devoção filial a Nossa Senhora e à Imaculada Conceição levou-me a escolher esta data. Em segundo lugar, é também uma referência ao dia da minha ordenação de presbítero, em 8 de Dezembro de 1972. Por outro lado, é também uma ligação muito directa aos bispos que me antecederam. A minha nomeação para Bispo de Aveiro foi anunciada em 21 de Setembro [do corrente ano], dia do aniversário de D. António Marcelino e dia da sua ordenação episcopal. E a tomada de posse acontecerá a 8 de Dezembro, que foi o dia da tomada de posse de D. Manuel de Almeida Trindade, em 1962, como Bispo de Aveiro. Portanto, esta ligação aos dois bispos que me precederam, e que felizmente ainda são vivos, é também uma relação de comunhão com a diocese e com aqueles que a serviram como bispos. DM/RR— É bispo há pouco tempo, menos de dois anos — a ordenação foi em 19 de Março de 2005… Foi pouco tempo em Braga, mas foi o necessário para uma diocese exigente como é Aveiro? D. AFS — Foi muito pouco tempo em Braga, menos do que eu sempre imaginei, mas foi o tempo que a Santa Sé julgou tempo possível para me enviar para Aveiro. A surpresa da minha nomeação, também tendo em atenção o tão pouco tempo do meu ministério episcopal, foi superada pela minha disponibilidade e pela decisão que o Santo Padre Bento XVI tomou, na certeza de que o Senhor que me envia me ajudará a fazer que o pouco tempo que vivi aqui em Braga seja transformado em frutos abundantes porque foi tempo de semear, foi tempo também de aprender e foi, certamente, tempo para prosseguir o caminho no meu ministério episcopal agora onde o Santo Padre me pede que vá. DM/RR — Nessa perspectiva, esta passagem pela Arquidiocese de Braga foi um bom estágio… D. AFS — Eu creio que foi uma óptima aprendizagem. Pela minha parte, foi uma oportunidade maravilhosa de comunhão fraterna com o senhor Arcebispo Primaz, com o senhor D. Antonino Dias, com os sacerdotes, com os religiosos e religiosas e com os leigos desta extraordinária Arquidiocese de Braga. Eu costumo dizer que foi pouco tempo, mas vivido intensamente com grande alegria. Parto daqui com imensa gratidão. DM/RR — Sai de Braga, vai para Aveiro, uma diocese muito exigente onde há uma grande actividade dos leigos. Tem noção daquilo que vai encontrar nesta sua nova caminhada? D. AFS — Sim, e tenho de dar graças a Deus por este dinamismo que toda a diocese, a nível dos sacerdotes, dos religiosos e dos leigos, tem manifestado, resultado do grande esforço de formação e de dinamização dos leigos na Igreja de Aveiro. Não posso esquecer, e tenho procurado aprofundar na leitura, na reflexão e na oração, quanto a diocese de Aveiro tem percorrido depois de ser restaurada em 1938. Nestes 68 anos de vida, o primeiro e segundo sínodo diocesano foram momentos importantes na valorização da diocese. Esta consciência que tenho é, sobretudo, uma oportunidade para agradecer o caminho percorrido e para ser capaz de o incentivar e de fazer-me ao largo, numa terra voltada para o mar. Faz-me bem ouvir as palavras de Cristo a Pedro: faz-te ao largo, caminha, olha em frente, sê corajoso, vive a esperança e proclama isso aos diocesanos de Aveiro, a começar pelos sacerdotes, os diáconos, os religiosos e os leigos. DM/RR — Sucede a D. António Marcelino, um dos poucos bispos com intervenção regular na comunicação social. Não é tarefa fácil? D. AFS — Não é tarefa fácil, certamente, suceder e continuar o trabalho tão manifestamente afirmado dos quatros bispos que me precederam, e concretamente do senhor D. António Marcelino. Mas estou convencido que a sua permanência na diocese continuará a ser, também para mim, um auxílio e uma oportunidade de valorização constante. Com a sua presença e com o seu dinamismo, com a sua intervenção tão interpelativa, mesmo na comunicação social, o senhor D. António Marcelino constituiu para a diocese de Aveiro uma referência que não é possível substituir, nesse aspecto, nem copiar. Mas, com a particularidade da minha maneira de ser, procurarei continuar este esforço de um diálogo atento, de um diálogo lúcido e de um diálogo corajoso que a comunicação social nos propõe e nos proporciona. DM/RR — Na sua passagem pela Arquidiocese de Braga, o senhor D. António ficou no coração de muita gente simples, no coração do povo. Visitou uma grande parte das paróquias, quase todos os santuários marianos… O que é que leva, o que é que o enriqueceu mais, sabendo que do outro lado está gente que o olha com bons olhos? D. AFS — Eu tenho de agradecer a Deus, diariamente, esse dom dos bons olhos das pessoas que sempre me acolheram em todo o lado. Aqui em Braga, sempre me receberam e acolheram com uma generosidade inexcedível. Por outro lado, quero dizer que parti sempre para a missão com imensa alegria e que regressei sempre do trabalho realizado com imensa gratidão. Levo daqui o testemunho extraordinário de um povo simples e bom, de um povo que me acolheu de coração aberto e, ao mesmo tempo, de sacerdotes extraordinariamente dedicados ao serviço do povo, de religiosos empenhados na vida e na presença da Igreja. Levo daqui a imagem e o testemunho de uma diocese com quem eu aprendi imenso – foi muito mais, cem por um como diz o Evangelho, aquilo que recebi do que aquilo que aqui deixei e aquilo que aqui realizei nos quase dois anos que vivi como Bispo Auxiliar de Braga. DM/RR — Trabalhou numa equipa e com uma equipa de bispos, agora como titular da diocese de Aveiro trabalhará com outra equipa. O que é que espera quanto à colaboração do senhor D. António Marcelino e do senhor D. Manuel de Almeida Trindade? D. AFS — Eu tive sempre a graça, desde a minha ordenação sacerdotal, de viver em equipa sacerdotal nas várias actividades a que fui chamado e nas várias missões que cumpri por mandato dos meus bispos diocesanos de Lamego. Vivi sempre em equipa, e por isso sou um fervoroso defensor do trabalho em comunhão e em equipa. Tive a graça de iniciar o meu ministério episcopal na equipa episcopal de Braga com o senhor Arcebispo Primaz, com o senhor D. Antonino Dias, e nesta amizade fraterna e episcopal incluo o senhor Arcebispo Emérito D. Eurico Nogueira e o senhor D. Carlos Pinheiro, que foi Bispo Auxiliar. Vou para uma diocese que é única em Portugal, que tem dois bispos eméritos ainda vivos. Uma das primeiras visitas que realizei depois da minha nomeação episcopal foi ao senhor D. António Marcelino e ao senhor D. Manuel de Almeida Trindade. O senhor D. Manuel de Almeida Trindade vive no Seminário Maior de Coimbra, onde foi reitor durante vários anos. Marcado já pela fragilidade própria da idade avançada e da doença, continua a ser uma bênção na oração, na estima, no testemunho, nos livros que escreveu, no bem que realizou e, por isso, eu quero ser muito próximo e recorrer a ele. O seu testemunho e a sua vida é um monumento espiritual que eu nunca me cansarei de agradecer e com quem eu gostaria de aprender imenso. O senhor D. António Marcelino, por decisão dele e por vontade minha, fica a viver em Aveiro e, por isso, será um irmão mais próximo, um pastor solícito, de quem eu tenho tanto a receber e com quem tenho imenso a aprender. «Não é pelo caminho do mais fácil que se resolvem os problemas» Diário do Minho/Rádio Renascença — Foi nomeado bispo por João Paulo II, estamos no pontificado de Bento XVI… Encontra diferenças ao olhar para estes dois Papas? D. António Francisco dos Santos — Eu encontro, sobretudo, uma grande riqueza dos dons e das graças de Deus, que se manifesta nos Papas que nos tem concedido. De facto, João Paulo II foi o Papa que me nomeou bispo e foi o Papa que eu pude encontrar em alguns momentos, concretamente aqui em Braga no dia 15 de Maio de 1982. Foi no seu pontificado que decorreu quase todo o meu percurso de vida sacerdotal, com marcas muito profundas e com referências que nunca mais se esquecem. Impressionou- me o seu carisma e a sua capacidade de doação à Igreja e de entrega ao serviço da humanidade, a abertura na afirmação do Evangelho e a coragem com que levou o anúncio de Jesus Cristo a todos os confins da terra. São, certamente, marcas que nenhum de nós vai esquecer e que para mim, que me escolheu e me enviou como bispo à Arquidiocese de Braga, são uma referência constante na minha oração e na minha gratidão. A presença do Papa Bento XVI constitui, hoje, um grande dom oferecido à Igreja. Basta atender ao testemunho exemplar e corajoso que nos deu na viagem à Turquia – o testemunho exemplar e corajoso de grande compreensão daquilo que Deus nos pede nos tempos de hoje. A nós bispos, cumpre-nos estar atentos às orientações, ao magistério, ao exemplo, ao testemunho de serenidade, de ousadia e de procura do essencial que este Santo Padre nos tem ajudado a compreender e a descobrir. DM/RR — Falou da recente visita de Bento XVI à Turquia, onde o Papa fez um apelo ao diálogo com o Islão. De que forma é que o senhor D. António encara o diálogo inter-religioso? D. AFS — Nós vivemos numa sociedade com uma grande diversidade e uma Interculturalidade que a todos nos interpela e que exige da Igreja uma presença atenta, sem abdicar dos seus princípios essenciais, mas com uma capacidade de compreensão da diversidade e da diferença. O diálogo inter-religioso, concretamente com o islão, é um caminho que urge percorrer e é um esforço que importa realizar. Visitando a Turquia, contrariando os conselhos daqueles que temiam pela sua segurança, o Papa Bento XVI deu-nos o testemunho de que é preciso ir ao encontro de quem, no respeito pela sua diferença mas também no respeito pelas suas convicções religiosas, merece uma palavra de ânimo e ao mesmo tempo um diálogo clarividente que nos faça respeitar a humanidade na sua diferença, mas também construir a comunhão naquilo que é essencial e possível. E com todos, é muito aquilo que nos une! DM/RR — O diálogo inter-religioso é, sem dúvida, um dos desafios da Igreja Católica na actualidade. Olhemos um pouco para dentro da própria Igreja: ainda estamos a poucos anos do Concílio Vaticano II, que pede uma actualização da doutrina e dos métodos… Há poucos dias, o Vaticano anunciou uma reunião do Papa com os cardeais para discutir o celibato dos sacerdotes… É uma preocupação para a hierarquia da Igreja? D. AFS — É, certamente, uma preocupação, até para poder dar resposta às interpelações que surgem um pouco de todo o lado. Contudo, é necessário – também no campo concreto da vida sacerdotal, da vida religiosa e das vocações – afirmar que não é pelo caminho do mais fácil que se resolvem os problemas e que se vencem os desafios. A vida do sacerdote, concretamente, é sempre uma vida de entrega e de doação. A renúncia, o despojamento e a doação implicam esta capacidade de disponibilidade absoluta ao serviço do Reino de Deus. Creio que a Igreja tem consagrado ao longo dos últimos séculos este grande respeito pela vida celibatária dos sacerdotes e a valorização na sua entrega a Deus e na sua disponibilidade ao serviço dos seus fiéis. DM/RR — O senhor D. António, em Portugal, é o presidente da Comissão Episcopal Vocações e Ministérios. Como é que estamos, quanto às vocações? D. AFS — Reconhecemos que a nível dos números são relativamente poucas as vocações e têm sido poucas as ordenações para o presbiterado, sobretudo nos presbíteros diocesanos. Mas, temos feito um esforço, marcados pela esperança e animados por uma firme convicção de que continuam a surgir jovens generosos capazes de responder à vocação. É necessário que nós sejamos capazes de viver a alegria de ser chamados e de testemunhar a coragem de chamar, porque o Senhor da messe continua a fazer despertar na juventude de hoje, que é tão generosa como foi a de sempre, vocações para a vida sacerdotal, religiosa e missionária. Há testemunhos maravilhosos de algumas congregações e de algumas dioceses que nos fazem sentir que surgem sinais de esperança e sinais de algum encanto a nível de vocações, algumas com maturidade afirmada quer na idade, quer na preparação, quer no percurso humano, profissional e cristão que fizeram. Não podemos ter medo nem viver alarmismos, temos de ser realistas e confiar que só com a oração, com o trabalho e com a perseverança, somos capazes de cumprir o mandato de Cristo, que nos diz: Pedi ao Senhor da messe que envie operários para a sua messe. Ele cuida da sua messe, saibamos nós ser mediadores desta certeza e mensageiros desta convicção. “Não” no referendo ao aborto e “sim” na reorganização das dioceses em Portugal Diário do Minho/Rádio Renascença — Aproxima- se o referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. Qual é a sua visão sobre este assunto, sabendo-se que a hierarquia da Igreja já tornou pública uma posição? D. António Francisco dos Santos — A Conferência Episcopal Portuguesa tem um comunicado que é muito claro, muito expressivo, com o título “Razões para escolher a vida”. A realização do referendo é uma oportunidade para afirmarmos ainda mais, em várias frentes de anúncio, as razões que nos levam a escolher a vida, que é um bem e um valor que deve ser preservado intocável desde a sua concepção até à sua morte natural; e, por outro lado, é um dom de Deus para aqueles que acreditam. Afirmar a vida é também ser capaz de reconhecer o valor de tantas instituições que têm dado ao acolhimento e ao cuidado pela vida, como diz o senhor Arcebispo Primaz na nota pastoral que publicou há poucos dias, atenção, desvelo, carinho… São instituições da sociedade civil muitas delas, mas a maior parte são da Igreja. Não nos podemos perder em palavras vãs porque a vida na sua dimensão sagrada não nos pode deixar perder nessas palavras vãs, mas sim em cuidar com atenção, com realismo e mostrando aquilo que já se faz de bem para acolher e para valorizar a vida. A resposta que temos de dar é resposta àqueles que precisam de sentir o apoio e a ajuda nos momentos de decisões difíceis. A opção da Igreja é, sem dúvida, pela defesa da vida humana. DM/RR — A imigração é outro dos assuntos sempre actuais. Portugal precisa de imigrantes? D. AFS — Portugal não se pode esquecer que foi sempre um país de onde partiram centenas e milhares de membros da nossa comunidade nacional, e que pedimos que fossem sempre bem recebidos nos países para onde emigravam. Agora, nós somos um país que recebe imigrantes vindos de outros países. Temos, sem dúvida, necessidade dessas levas de gente que nos vêm de todos os continentes do mundo. Por isso, temos de os saber receber bem. Os imigrantes nunca são uma afronta a quem vive nos países que os acolhe. São sempre um desafio a que tenhamos horizontes mais amplos para acolher aqueles que vêm como estrangeiros mas que devem ser recebidos como irmãos. DM/RR — A Igreja tem sido uma acérrima defensora dos direitos dos imigrantes. E o Estado? Entende que, ao nível do Estado português, tudo tem sido feito no sentido de integrar quantos procuram o nosso país em horas difíceis? D. AFS — Se quisermos mudar o mundo temos que gastar a nossa vida pelos mais pobres, pelos mais simples, por aqueles que não têm voz e os imigrantes são muitas vezes colocados no número dos mais pobres, dos mais simples e daqueles que não têm voz. Aí, é o lugar da Igreja, que deve fazer comprender ao Estado que esta missão lhes diz respeito por inteiro. DM/RR — É natural da diocese de Lamego, conheceu Braga e está a caminho de Aveiro… Considera que está na hora de uma reorganização das dioceses, em Portugal? D. AFS — A divisão administrativa das dioceses portuguesas responde a situações concretas que vão evoluindo e mudando ao longo dos séculos. A nova industrialização e o crescimento das cidades do litoral e a concentração de muita população junto do litoral fez mudar a organização e a distribuição da população portuguesa pelas várias zonas do país. Por isso, eu sou favorável a que se equacione, a que se repense a reorganização administrativa, quer a nível civil e do Estado, quer a nível da Igreja.

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