Levar o barco na planície do Alentejo

O arcebispo de Évora, D. Maurílio de Gouveia, está a celebrar 50 anos de sacerdócio e recorda à Agência ECCLESIA os pontos marcantes desta caminhada pastoral Agência ECCLESIA – Faltam poucos dias para comemorar 50 anos de sacerdócio. Um tempo predilecto para avaliar esta caminhada de pastor. D. Maurílio de Gouveia – A verdadeira avaliação é feita por Deus. Nós podemos sentir algumas alegrias por aquilo que foi feito ao longo dos anos e alguma tristeza por não ter feito mais. Celebrar 50 anos de sacerdócio é chegar, de algum modo, ao fim de uma etapa. Uma sensação de quem viveu um período longo ao serviço da Igreja com a consciência de ter procurado responder aos apelos de Deus e aos pedidos que a Igreja que fez AE – Madeira, Roma, Lisboa e Évora. As quatro realidades onde desempenhou o seu múnus pastoral. MG – A Igreja é católica, engloba as mais diversas realidades. A mim coube-me servir a Igreja em situações diversas. A Madeira tem um contexto diferente de Lisboa e Évora, mas faz parte de um todo que é a Igreja. No arquipélago da Madeira servi como sacerdote até aos 41 anos. Depois estive 8 anos como bispo auxiliar de Lisboa e há 24 anos estou a servir a Igreja na planura alentejana e nas terras ribatejanas. Espaços diferentes que exigem reflexão e dedicação. AE – Tempos marcantes. MG – Comecei a exercer o meu ministério sacerdotal numa paróquia madeirense. Fui coadjutor durante 16 meses. Esse primeiro tempo de serviço marcou-me profundamente: uma paróquia grande e diversificada. Tive que trabalhar no terreno concreto (catequese, jovens, doentes). Esse contacto directo com a realidade ajudou-me a perceber um aspecto importante da minha missão: o trabalho no terreno. Uma vocação precoce AE – Suponho que desde cedo – tinha cerca de quatro anos – quando afirmou que queria ser padre. Uma vocação precoce? MG – Aconteceu sem saber bem porquê. Não tinha familiares no sacerdócio mas vivia numa família cristã normal. Gostava de ver os seminaristas passarem junto da nossa casa e senti uma atracção muito sincera. Uma atracção que foi crescendo com o tempo mas sem qualquer oposição e sem qualquer pressão. Um crescimento natural. A descoberta da minha vocação teve ainda outro aspecto importante: o Seminário Menor do Funchal admitia até à Filosofia seminaristas externos. Uma situação diversa do internato porque vivia em minha casa. Esta experiência vivida na adolescência, permitia que participasse em actividades sociais como, por exemplo, ir ao domingo ao futebol com o meu pai e irmãos. AE – Então temos um pastor desportista. MG – Joguei futebol até há poucos anos já como Bispo, por exemplo, no seminário, com superiores e alunos. Jogava na linha avançada na ala esquerda, porque sou esquerdino. Gosto, de facto do desporto; pratiquei voleibol e ténis de mesa no Seminário. A convocação do II Concílio do Vaticano AE – Estava em Roma quando João XXIII convocou o Concílio Vaticano II. Uma data histórica. MG – Era aluno da Universidade Gregoriana, quando, nesse dia, 25 de Janeiro de 1959, João XXIII anunciou a celebração de um concílio ecuménico. Ficámos todos entusiasmados. Foi um período interessante, porque vivi aqueles anos de preparação deste acontecimento histórico. No regresso a Portugal acompanhei-o também, sobretudo, através do «Observatório Romano». AE – Ouviu a convocação e depois coube-lhe aplicá-lo em Lisboa e Évora. MG – A minha experiência em Lisboa foi muito rica. Tive a felicidade de iniciar o meu ministério episcopal de uma forma colegial. Numa equipa presidida por D. António Ribeiro. As questões e os problemas que se levantavam eram objecto de reflexão quinzenal. Uma experiência rica numa ocasião muito difícil, visto que cheguei a Lisboa dois meses antes da Revolução de 1974. Foi a implantação da Igreja num regime democrático. AE – Tempos difíceis… MG – É verdade. Os problemas apareciam em catadupa e tínhamos que dar soluções a qualquer hora. AE – Esteve sempre muito ligado a D. António Ribeiro. Era um dos mais íntimos do antigo Patriarca de Lisboa? MG – Trabalhei bastante com ele e estabelecemos uma amizade grande mesmo depois de vir para Évora. Já o conhecia dos tempos de Roma. Duas voltas ao Alentejo AE – Está há cerca de 25 anos em Évora. Podemos dizer que conhece bem o Alentejo real. MG – Tenho procurado conhecê-lo. De facto, durante estes anos já dei duas vezes a volta ao Alentejo, em visitas pastorais. Contactei directamente com a realidade (escolas, empresas, hospitais, campos, casas particulares). Um conhecimento personalizado. AE – Como lidou com o Alentejo «vermelho»? MG – Aprendi uma coisa muito rapidamente: saber distinguir o fundo do coração das pessoas. Estas faziam as suas opções políticas – muitas vezes difíceis de interpretar – mas, isso não impedia que eu encontrasse uma boa receptividade nas localidades por onde passava. As pessoas convidavam-me e eu ia a toda a parte, mas nunca me senti pressionado. Entendo que a Igreja vive em qualquer situação política. Temos que saber o terreno que pisamos e procurar evangelizar e testemunhar a mensagem cristã. A acção social da Igreja é enorme nesta área e as pessoas percebem que a Igreja testemunha a caridade. AE – Um dia disseram-lhe: «Os alentejanos não se abrem à primeira vista com qualquer pessoa». D. Maurílio respondeu: “Estou certo de que nos vamos entender». MG – É verdade. O alentejano não se abre à primeira vista. É um pouco interiorizado, fechado, mas verificamos que é sensível. AE – Os seus colaboradores mais directos dizem que é muito metódico, organizado e pontual. Características que contrastam com a calmia alentejana. MG – A mim compete-me chegar a horas. Não sei se os alentejanos são mais ou menos pontuais do que as pessoas que vivem nos locais com mais agitação; têm certamente outro ritmo. A minha disciplina do tempo vem dos tempos em que fui estudante. Só com a vida programada posso fazer alguma coisa. É o meu estilo. AE – Apesar de madeirense já se sente alentejano? MG – Sinto-me bem neste meio. Sinto também que há reciprocidade. Para isso é fundamental o contacto directo com as populações. Foi-me grato assistir ao crescimento das novas gerações. Já tive a tentação de fazer um encontro com os casais novos que eram crianças quando cheguei ao Alentejo. AE – Viu crescer o Alentejo. MG- Não há dúvida. O Alentejo tem progredido, embora esteja muito longe do patamar a que tem direito. A Universidade tem sido um factor significativo de desenvolvimento. AE – Habituado ao mar, como lidou com a planície do Alentejo? MG – Estava habituado a olhar o Atlântico como se fosse uma planura; aqui, olho a planura que assume diversos tons ao longo do ano: verde, amarelo, multicolor. É uma paisagem que favorece a contemplação. A religiosidade popular no Alentejo AE – Favorece a contemplação mas as assembleia dominicais têm poucos participantes. MG – Depende das zonas. Mas o que importa é evangelizar. Quando um missionário vai para África evangelizar, não se interroga sobre se há muita ou pouca gente; o que lhe compete é anunciar o evangelho. Porventura a comunidade aumentará tempo depois. É assim que eu vejo a minha acção pastoral. A prática dominical é baixa no Alentejo; mas, por exemplo as procissões têm tanta gente como em qualquer parte do país. AE – A vivência da religiosidade popular MG – Também tem havido um esforço muito grande, quer nas paróquias, quer na catequese, quer nos movimentos laicais, por exemplo, nos Cursos de Cristandade. O Alentejo é bastante diversificado. O que me preocupa é levar o barco sempre um pouco mais adiante. AE – A sua experiência na Comunicação Social também o ajudou neste caminho pastoral? MG – É um sector fundamental. No Alentejo procurámos lançar – logo que cheguei – um emissor regional da Rádio Renascença que tem o nome «Voz do Alentejo». Desempenhou e desempenha um papel importante na pastoral. As preferências AE – Um livro? MG – Um dos livros que li recentemente e que mais me agradaram foi o de João Paulo II: «Levantai-vos! Vamos!» AE – Clube? MG – No Funchal, o União da Madeira e em Lisboa o Belenenses AE – Um filme? MG – Quando era mais novo, via filmes com certa regularidade; ultimamente não tenho acompanhado muito esta área; falta o tempo. AE – Um santo? MG – S. João de Deus. AE – Um Papa? MG – João Paulo II.

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