O perfil do padre tem de ser marcado pelo «ministério da síntese», promover o acolhimento e distanciar-se de lógicas do poder
Leiria, 05 nov 2021 (Ecclesia) – D. António Marto celebra este domingo 50 anos de sacerdócio e disse à Agência ECCLESIA que o padre tem de ser um “homem de relações”, assumir o “ministério da síntese” e afirmar que “nem só de algoritmos vive o homem”.
“O Evangelho diz ‘nem só de pão vive o homem’ e hoje temos de atualizar isso e dizer ‘nem só de algoritmos vive o homem’. Os algoritmos são bons e necessários para encontrar meios ou soluções de ordem tecnológica e até financeira, mas a dimensão humana é insubstituível”, afirmou o bispo de Leiria-Fátima.
Em entrevista à Agência ECCLESIA por ocasião das bodas de ouro sacerdotais, D. António Marto lembrou que se vive “de forma inédita a globalização”, uma constante “inovação tecnológica” que “não é só de técnica”, gera “uma cultura que abre muitas possibilidades, mas traz grandes riscos”.
“Hoje, espalha-se uma mentalidade de pôr a confiança numa espécie de omnipotência nos meios tecnológicos digitais como dessem solução a tudo”, afirmou.
Para D. António Marto, a Igreja e o padre hoje tem de seguir as indicações do Papa Francisco e definir-se pela proximidade, o cuidado da casa comum e a fraternidade.
“Não é ir com condenações imediatas ou juízos imediatos. Isso é lógica do poder, do autoritarismo! A Igreja tem de saber falar ao mundo de hoje como Jesus, que não era de condenação ou juízo imediato, mas de acolhimento e compaixão, misericórdia. Melhor dito: proximidade, compaixão e ternura, uma expressão do Papa que resume a presença da Igreja no mundo de hoje e o perfil do padre também”.
Numa entrevista onde partilha o perfil do padre ao longo dos 50 anos de sacerdócio, desde a ocasião em que decidiu entrar no seminário, aos 10 anos, contrariando a vontade do pai que o queria militar e da mãe que via no filho um advogado, o bispo de Leiria-Fátima disse que um “padre tem de ser um homem de relações”, cuidando tanto a “relação com Deus”, porque “as pessoas gostam de um padre muito próximo mas gostam de saber que é um homem de fé e que é diferente”, e também relações com todas as pessoas, que sejam expressão de “acolhimento, atenção a cada um, de escuta, de partilha das alegrias e sofrimentos”.
“Um padre pode saber muito, ter grande formação em Teologia, Filosofia, Sociologia, saber explicar muito bem as coisas, fazer grandes sermões, mas se não tem a proximidade com o seu povo, com as pessoas, falta-lhe algo, não serve! E o que é que lhe falta? Falta-lhe a língua, falta-lhe o poder de falar? Não, falta-lhe o coração, a humanidade”.
Ordenado sacerdote em 1971, em Roma, pelo cardeal D. António Ribeiro, D. António Marto, natural de Chaves, recorda que o pai também foi seu formador quando lhe disse, na altura da ordenação: «Não te suba o poder à cabeça» e «trata sempre bem os pobres e os humildes».
“Eu isso nunca esqueci na vida! Foi uma marca que recordo sempre, praticamente todos os dias, sem grande esforço. Assim, o meu pai também foi educador e formador de um pastor”, reconheceu com emoção.
D. António Marto refere que “hoje a figura do padre não tem o prestígio social que teve antigamente”, “não tem o apoio cultural que tinha”, o que pode gerar “medo do momento presente”.
“Há dois riscos: ficar fechados no imobilismo (sempre se fez assim, vamos continuar) ou ficar no tradicionalismo da nostalgia do passado (o que acontece nalgum clero jovem também)”, afirmou.
Para o bispo de Leiria-Fátima, o padre hoje tem de abandonar as lógicas do poder, deve ser ajudado por um “laicado maduro” e exercer o “ministério da síntese”.
“O ministério do padre não é açambarcamento dos ministérios dos outros, mas o ministério da síntese, a comunhão entre todos, em que todos os ministérios e serviços confluem para o bem da comunidade mas isto leva tempo”.
Após a ordenação sacerdotal, D. António Marto continuou os estudos teológicos, foi depois 24 anos professor de Teologia e formador do Seminário Maior do Porto, até ser nomeado bispo, primeiro como auxiliar de Braga, no ano 2000, depois para Viseu, em 2004, e para a Diocese de Leiria-Fátima, em 2006, e afirma que gosta de “andar neste mundo”, sem ter “medo da morte”.
“Não sei quantos anos mais viverei, mas farei o que puder ao serviço da Igreja e do mundo”, afirmou.
A entrevista a D. António Marto é emitida este domingo, no programa 70×7, na RTP2, às 17h26.
SN/PR
Entrevista: «O meu pai também foi educador e formador de um pastor»