Leiria celebrou Centenário do Nascimento de Monsenhor Joaquim Carreira, 1908-2008

Joaquim Carreira nasceu no lugar do Souto de Cima, paróquia da Caranguejeira, a 8 de Setembro de 1908. Seus pais, Joaquim Carreira e Maria Inácia, sendo pequenos lavradores, cedo se preocuparam com a educação do pequenito Joaquim, o único rapaz do ranchinho de 5 filhos que Deus concedeu ao casal. Pais profundamente dedicados à família, ao trabalho e às coisas de Deus, não deixaram de segredar ao pequeno a vocação sacerdotal. Sobretudo a mãe que, sentada no muro da velha eira, acariciava a cabecita do seu filho, falando-lhe das coisas de Deus, de Fátima e do sacerdócio. Como mãe carinhosa, não escondia a alegria de contemplar a beleza do seu filho – de rosto redondinho e olhos vivos, escuros e alegres, cabelo forte e escuro. Um dia disse-lhe: “Olha lá, filho, e se Nossa Senhora quisesse que tu fosses padre? Tu não querias? Às vezes penso que Ela me deu este filhinho para ser padre, mas faça-se a Sua santa vontade! Se Ela te chamar, vai, meu filho, que vais bem, mas nunca sejas mau nem digas mal de ninguém. Reza sempre, mesmo no caminho da escola.”! No silêncio dos anos, a semente foi germinando até se tornar em árvore frondosa e cheia de frutos. Na agonia de minha mãe, tive pena de não lhe ter dito que queria ser Padre. Ainda não entendia muito bem, o que era isso de ser Padre, mas gostava muito do Sr. Prior. Tinha 8 anitos – confessou o filho, mais tarde. A saudade da mãe, foi ferida que nunca fechou completamente, ao longo da vida. O pai, após a morte da esposa, vitimada pela pneumónica em 10 de Outubro de 1918, àquelas que se ofereciam para ajudar e até para casar, respondia: Se Deus quisesse que eu estivesse casado, não me levava a minha esposa e mãe de meus filhos. As aves do céu, não semeiam nem colhem e Deus sustenta-as. Com fé em Deus, eu e os meus filhos, vamos suprir a falta da mãe. A oração diária e em família, fazia parte da vida e da educação. Era homem de palavra. Respeitado e respeitador. 2. No Seminário O Joaquim fez a 3.ª classe na Escola da Caranguejeira, com a Professora D. Libânia e o Professor Joaquim Pereira Ruivo. Para continuar os estudos, teve de imigrar para Monte Real. Aqui, com apenas 10 anitos, entre o trabalho de casa (ir à lenha e à fonte) e a escola, fez a 4ª classe. Preparou-se então para ingressar no Seminário de Leiria. Vencidas as resistências do pai, que se opunha por este ser o seu único rapaz, é aceite em 15 de Outubro de 1920. Tinha 12 anos. No Seminário, foi aluno aplicado, distinto e alegre, revelando os seus talentos e o muito que tinha para dar. Com os seus colegas de curso, fundou a revista manuscrita, “Vida Activa”. 3. Em Roma Por decisão do Bispo de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, foi enviado para Roma, em 1926, para continuar os estudos eclesiásticos na Universidade Pontifícia Gregoriana. Aí concluiu a Licenciatura em Filosofia e Direito Canónico e o Doutoramento em Teologia. A 19 de Setembro de1931 foi ordenado sacerdote, em Roma. Neste mesmo ano regressou a Portugal, cheio de entusiasmo e conhecimentos filosóficos, teológicos e científicos. 4. Em Leiria e Boavista No Seminário de Leiria, de 1931 a 1940, o seu saber, alegria, dedicação aos alunos, amor ao sacerdócio e ao apostolado, eram contagiantes. A actividade sacerdotal multifacetada grangeou-lhe simpatia e colaboração, dentro e fora do Seminário. Era amigo dos seus alunos. Como irmão e Cireneu, a todos dava a mão, sendo tolerante, compreensivo e exigente. Animado pelos conhecimentos da física e química, lançou-se na organização de um Laboratório para fazer experiências naquelas disciplinas. Criado para os alunos do Seminário era, no entanto, aberto aos de outras escolas da cidade. Paladino da comunicação, pôs no ar a sua Rádio local que, com graça, rotulou de “Rádio Esfola Gatos”! De Roma, trouxe consigo uma máquina fotográfica. Com ela, guindou-se a fotógrafo do Santuário, elaborando um pequeno album intulado “Vistas de Fátima”. As paredes do Seminário não podiam enclausurar, dentro de si, uma pessoa que nascera para comunicar e dar-se de mil e uma maneiras! Tinha boa voz, dom de palavra e doutrina, capazes de levar os que o ouviam, a pensar duas vezes e a converter-se. Assim sucedeu com o seu amigo, na Igreja de Santa Cruz de Coimbra. Nomeado capelão da Boavista (1931-1940), para lá caminhava todas as semanas, quer chovesse, ventasse ou fizesse sol. Não tinha carro. Apenas uma bicicleta. Mesmo assim, chegava a tempo e horas, tantas vezes com a batina repassada pela chuva e lama dos caminhos. A caridade de algumas famílias enxugava a batina do seu bom Capelão. Na Boavista deu o melhor da sua vida, através de uma pastoral pensada e organizada para um povo faminto de Deus e de cultura. Fundou a Acção Católica e Conferência de S. Vicente de Paulo. Organizou a catequese e formou as catequistas através de retiros e cursos. Para as crianças, além da catequese, havia récitas, magustos, amêndoas e concursos. Fomentou os encontros inter-paroquiais e diocesanos. Promoveu e acarinhou as vocações sacerdotais e religiosas que acompanhava com solicitude paternal. A devoção ao Santíssimo Sacramento-Eucaristia, ao Coração de Jesus e a Nossa Senhora, que tanto divulgou e encareceu, era vivida através de tríduos preparatórios e solenizados. No silêncio do confessionário, sempre acolhedor e afável, orientava espiritualmente o seu povo, ouvindo e compreendendo os seus problemas, horas a fio. Como bom pastor, procurava não ferir as ovelhas mais débeis. Somos todos irmãos, dizia. Educou o povo para que, no fim da Eucaristia, ninguém o perturbasse, durante 15 minutos. Queria estar a sós com Deus para, a seguir se tornar disponível para todos. Em 1940, após os treinos no aeródromo de Leiria e Monte Real, fez exame em Alverca e, sendo considerado apto e idóneo, recebeu a carta para pilotar aviões de turismo. Válida em Portugal e na Itália. 5. De novo em Roma Em Maio de 1940, o Bispo D. José Alves Correia da Silva mandou-o ir novamente para Roma. Foi de comboio. A Europa estava em guerra. Hitler e Mussolini faziam distúrbios em Roma. Não era risonho o cenário que o esperava. Na casa paterna, encostado à porta do seu quarto, desabafava: “para que uma mãe criou um filho”! Nomeado Vice-Reitor do Colégio Pontifício Português, em breve passou a Reitor. Aqui e durante a guerra, correndo o risco da própria vida, acolheu muitos refugiados, políticos e civis, fascistas, antifascistas, judeus e não judeus. Nunca foi molestado, mesmo quando saía de Roma para as aldeias vizinhas à procura de alimentos. Furtando-se à vigilância dos soldados nazis, lá ia, estrada fora, no carro do Colégio, mendigando alguns quilos de milho e outros mimos para os seus refugiados. E acrescentava: “Se não conhecesse tantos moleiros nos arredores de Roma, os meus hóspedes teriam passado muita fome! O milho, cozido em grão, valia por bom bife! Era a Providência e a Mãe de Fátima que me acompanhavam”, dizia, sorrindo, anos depois da guerra. Medos!? Muitos. Mesmo que os cabelos da cabeça lhe tenham caído, confiava. Era preciso e urgente, fazer o bem sem olhar a quem. Dispensado dos afazeres do Colégio Português, onde viveu 16 anos de intenso trabalho, dedicação e orientação, retirou-se para a sua nova “Tebaida” – a Casa Madonna di Fátima – confiada às Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição. Daqui, fazia caminho para a Embaixada de Portugal junto da Santa Sé, onde era Consultor Eclesiástico. Fiel cumpridor dos seus deveres, por todos era apreciado pela sua inteligência, bondade, desprendimento, hospitalidade e alegria. Acompanhou missões diplomáticas. Recebeu e acompanhou a visita da Imagem Peregrina a Roma. Pregou, viveu e difundiu a Mensagem de Fátima. Era, na verdade, um doido por Nossa Senhora. Incutia a todos o amor a Nossa Senhora. Quando dela falava, o seu rosto transformava-se e os olhos brilhavam de alegria e entusiasmo. Escreveu 5 livros. No seu estilo próprio, escrevia com clareza, verticalidade e simplicidade. Deixar-se ler por todos e que todos o entendessem, era a sua preocupação. Na Capela da Casa Madonna de Fátima, com a sua voz, oração do Terço, catequese, reconciliação, Eucaristia e Primeiras Comunhões, estava sempre presente, como bom pastor zeloso, atento e disponível. 6. A morte e trasladação Tinha apenas 73 anos de idade, quando Deus Pai, Senhor da vida e da morte, veio chamar este seu servo bom e fiel. Faleceu no seu quarto, na Casa Madonna di Fátima, em Roma, no dia 7 de Dezembro de 1981, em ambiente de simplicidade e pobreza franciscana, como era o seu viver. Nada fazia prever este súbito desenlace. No entanto, Monsenhor Carreira preparou, com muita antecedência, a sua viagem para a casa do Pai, como podemos ler nas cartas que escreveu, depois de ter celebrado, com a família e na casa paterna, as suas Bodas de Ouro Sacerdotais, em Setembro de 1981. Podemos dizer que ele, aproveitando todas as migalhas do tempo, tinha pressa em comunicar o muito que lhe ia na alma. À Mãe do céu pedia que o levasse para Deus, em dia de festa ou solenidade Sua. Assim aconteceu. Ficou sepultado em jazigo do Pontifício Colégio Português, no cemitério do Campo Verano, em Roma. Volvidos 20 anos, os seus restos mortais foram trasladados para o cemitério dos Soutos-Caranguejeira, sua terra natal. Era o dia 25 de Fevereiro de 2001. Paz e Bem. Oração do Terço a Nossa Senhora. Eucaristia. Perdão. Conversão. Amor a Deus, ao Coração do Seu divino Filho e Mãe Santíssima! Obediência. Fidelidade. Acolhimento. Eis a mensagem que Monsenhor Joaquim Carreira a todos deixa, no silêncio e contemplação da sua vida e obra.

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