Maria José Pereira Melo Antunes
Na encíclica Laudato Si’, o papa Francisco apela à conversão interior para uma ecologia integral, um paradigma novo.
Vivemos atualmente uma crise ecológica e social, que provém da degradação humana e ética. Este paradigma é definido pelo conceito de que o ser humano age para maximizar o seu interesse pessoal, o seu prazer. Pressupõe-se que, com cada pessoa atuando separadamente e racionalmente desta forma, o bem resulta para todos. O novo paradigma que o papa Francisco aclama é de unidade e não de separação. “Tudo está interligado”, diz ele.
Em 1966, Rachel Carson, em Primavera Silenciosa, foi a primeira a alertar para o dano causado à natureza pelas práticas industriais. O Clube de Roma demonstrou, no relatório Os Limites do Crescimento (1972), que o crescimento económico não pode continuar indefinidamente, por causa da redução de recursos.
Na década de 1980, com o crescente neoliberalismo, visando o aumento do lucro, porque “o dinheiro é rei”, diminuíram as preocupações com a ecologia. A liberalização do crédito trouxe prosperidade, mas causou muitos desgates pelo caminho, com o aumento do consumo. Adveio a crise financeira, porque os agentes atuaram de acordo com seus próprios interesses, sem limites, levando à destruição do nosso bem comum financeiro e à crescente desigualdade. A crise ecológica está diante de nós. E a crise social deixa-nos comunidades em rotura, infelizes, vulneráveis a uma política de medo, de populismo.
Temos tido mudanças, sim, mas no substancial ainda não
Temos agora de novo uma melhor avaliação do desafio climático e ecológico. Sucedem-se as conferências climáticas, com declarações dos países para limitar as emissões de carbono. As ONG que promovem boas práticas ambientais começaram a expandir-se e experimentaram a colaboração com empresas. Em boa parte, porém, tratou-se de estratégias de marketingempresarial para obter vantagem sobre a concorrência. Temos tido mudanças, sim, mas do substancial ainda não.
Para uma mudança verdadeira em resposta ao desafio ecológico, necessitamos das “mudanças profundas nos estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades” (LS 5), o que requer, antes de tudo, uma conversão interior, de coração, de amor pelo nosso mundo.
Somos guardiões, não donos
O Livro do Génesis ensina-nos que a vida humana assenta em três relações intimamente ligadas: com Deus, com o próximo, e com a terra (LS 66). O papa Francisco clarifica que o mandato de dominar a terra (cf. Gn 1, 28) não significa ter licença para explorá-la sem limites. Em vez disso, chama-nos a cultivá-la e guardá-la (cf. Gn 2, 15), numa atitude de amor. Assim chegamos à justiça, fraternidade e paz.
Possuímos tecnologia que nos ajuda a responder ao desafio ecológico, mas a tecnologia não é neutra. A solução não pode ser só instrumental, deve ter em conta o tipo de mundo que queremos construir. O que é o progresso? Não procuramos só a beleza no desenho, mas a beleza de vida. Que tipo de mundo queremos deixar? Com que sentido e segundo que valores? Para que viemos ao mundo? (LS 160)
Que progresso?
Um desenvolvimento tecnológico e económico que não visa dar uma melhor qualidade de vida não é progresso (LS 194). O conhecimento tecnológico requer uma ética sólida, acompanhada de autocontenção. A resposta não se encontra só na lei e na legislação. Se a cultura é corrupta, então a lei é vista como imposição arbitrária para ser transgredida (LS 123). A justiça salvaguarda o bem comum – dita regras que nos obrigam a todos. É vital que estejamos conscientes das consequências da nossa ação. A curiosidade humana procura sempre caminhos novos; a criatividade não pode ser suprimida. Porém, precisamos de estar conscientes dos nossos objetivos, dos efeitos da nossa ação no contexto global e das limitações que a ética impõe (LS 130).
A ecologia integral incorpora a natureza – “nós mesmo somos terra” (LS 2) – e o espírito. O espírito define a ação humana e a cultura. Segue preceitos morais. A ética não é abstrata, mas enraizada na pessoa. O nosso comportamento define a nossa ética. O bem comum é inspirado pelo interesse próprio iluminado, com limites, reconhecendo que a nossa ação tem consequências. O bem comum sobrepõe-se aos interesses individuais.
A terra e a sociedade proporcionam-nos as condições de vida e o desenvolvimento pessoal. Proporcionam-nos recursos e bens materiais e permitem-nos satisfazer as necessidades emocionais e espirituais. A sociedade sustenta-nos e, em troca, é alimentada pelas pessoas que formam a comunidade. É um corpo social dinâmico, com cada parte afetando o todo. Não é só a soma das ações separadas. O bem comum não é uma coleção dos bens privadas, mas o bem humano. É a comunhão dos seres, vivendo uma vida boa. A sociedade como um corpo vivo. O Papa apela à unidade para o bem comum, o novo paradigma da ecologia integral.