Jovens de Lisboa evangelizam no Nordeste algarvio

Os “jovens amigos de Lisboa”, como são carinhosamente apelidados pelos habitantes do Nordeste algarvio, já quase são considerados pelos residentes dos diversos montes como membros da sua própria família. As populações rurais das freguesias de Alcoutim, Vaqueiros e Martinlongo, têm vindo a ser alvo da concretização de um projecto pastoral promovido pelo MSV – Movimento ao Serviço da Vida. Fortemente implantado em Lisboa, o MSV surgiu quando, há 12 anos, um grupo de jovens estudantes que trabalhava na margem sul com as irmãs Escravas do Sagrado Coração de Jesus, ao acompanhá-las num projecto que desenvolviam num bairro social, sentiu que gostava de converter esse trabalho de fim-de-semana, numa experiência mais alargada no tempo, aproveitando se possível as férias. Pretendiam realizar um trabalho que compreendesse não só a dimensão social, mas sobretudo uma vertente pastoral. Acabaram por ir para o Brasil. Mais tarde, em 1997, como resposta ao desafio lançado pelo padre Atalívio Rito, então pároco das comunidades do Nordeste algarvio e amigo de alguns membros do movimento, vieram para o Algarve. Composto na sua maioria por estudantes universitários e alguns trabalhadores, o grupo desloca-se ao Algarve um sábado por mês, e no princípio de Agosto regressam de armas e bagagens para trabalhar, durante todo o mês, no Algarve esquecido das câmaras de televisão e dos marketings turísticos. O mesmo que tem sido dramaticamente esquecido pelas políticas dos homens e que, intencionalmente, será cada vez menos alvo dos homens da política. No fundo, o que fazem durante o mês de Agosto e que depois se prolonga pelo resto do ano é – como fazem questão de referir – “ir ao encontro de uma população que está isolada e envelhecida para levar uma presença da Igreja”. “É um testemunho que damos junto dessas pessoas”, desenvolvendo “um conjunto de actividades que pretendem congregar as várias comunidades” – refere Inês Fernandes, de 21 anos de idade, a porta-voz do grupo para quem as problemáticas daquela zona algarvia estão bem identificadas. “Existe uma falta de investimento material e humano e uma pobreza espiritual enorme. Investimento humano no sentido de criação de estruturas para que as pessoas fiquem cá e as famílias se reciclem. O que se vê é um bocadinho aflitivo e às vezes incompreensível: um desvalor pela vida humana na velhice, um desvalor pela pessoa humana que já não é auto-suficiente, no sentido de se poder bastar a si própria, mas que está lúcida, que tem uma história de vida riquíssima e que agora todos os outros lhe dizem que não é uma pessoa capaz” – afirma Inês Fernandes. Também para ajudar a combater esta cruel realidade o grupo do MSV organiza orações do Terço, jornadas de reflexão e visitas domiciliárias, que, realizadas em grupos de dois elementos, são normalmente a primeira forma abordagem. “Primeiro mandam-nos entrar e depois dizem que estão cheios de medo” – referem, testemunhando, a natural apreensão com que são recebidos. “Hoje em dia ninguém fala por falar, nem está só por estar” – acrescentam, reconhecendo a normalidade de uma reacção inicial que rapidamente dizem transformar-se em acolhimento familiar. As características do projecto de Verão dependem em cada ano das necessidades locais específicas do momento. Em 2001, por exemplo, o grupo trabalhou no Centro de Dia de Martinlongo. Este ano, visitaram o Lar duas vezes por semana para rezar o Terço e, com as comunidades religiosas cooperantes em férias, foram também eles que asseguraram a realização das Celebrações da Palavra e da animação litúrgica. Dadas as características da população, o movimento garante também muitas vezes o seu apoio domiciliário concretizado na assistência às mais elementares tarefas domésticas. O actual pároco da Unidade Pastoral do Nordeste algarvio, o padre Carlos Aquino, reconhece o esforço do grupo e a colaboração prestada. “Há montes que são quase familiares e às vezes têm dificuldades de relacionamento entre si. Portanto, esta proposta de os unir e de os congregar para se sentirem Igreja a partir da oração é muito difícil, mas o grupo tem conseguido” – reconhece o sacerdote. A dimensão da vivência em comunidade também é outro aspecto valorizado pelo grupo. Para além das tarefas domésticas, não descuram igualmente a formação de todos. Assim, a cada semana é atribuído um tema, para ser preparado e apresentado por grupos de dois elementos. Finalizado o mês de Agosto, é altura de regressar às origens. Mas a experiência que classificam de “radical”, realizada em pleno Verão algarvio, fá-los regressar “mais sensíveis”. “Mais sensíveis para tudo o que podemos fazer no dia-a-dia” – esclarece Inês Fernandes. “É isto que no fundo nós ganhamos. Aquilo que o movimento faz, a longo prazo, com estes projectos na história da humanidade. No bocadinho de humanidade que a cada um de nós é dado modificar” – acrescenta, manifestando a certeza da influência das experiências adquiridas no movimento nas opções vocacionais de cada um. “Temos já um jovem sacerdote jesuíta e outro que casou com uma rapariga de Vaqueiros, estando lá a residir e a trabalhar neste momento” – justifica. A opinião da porta-voz é partilhada pelos restantes elementos do grupo. Diogo Alvim, de 23 anos, garante regressar a casa com as férias aproveitadas da melhor maneira. “Ganhamos imenso durante este mês e não perdemos absolutamente nada. Nos montes, as pessoas ensinam-nos imenso com a sua experiência de vida e de fé. Todos estes testemunhos que vamos recebendo enriquecem-nos muito as férias” – assegura. E porque procuram manter “uma presença continuada” para que as pessoas sintam que não é uma trabalho esporádico, localizado no tempo e que depois acaba, o regresso ao Algarve dá-se logo em Outubro para o retorno ao trabalho uma vez por mês. No início do ano civil, estipulam previamente quais os sábados das vindas ao Sul e os trabalhos acabam por ser os mesmos que fazem durante o Verão, mas limitados a menos montes. Cada sábado é dedicado a dois montes. No mês de Dezembro promovem um fim-de-semana para a vinda ao Nordeste algarvio de todos os elementos do movimento, especialmente os que trabalham e que não têm disponibilidade para vir em Agosto ou uma vez por mês. Garantindo que a adesão ao projecto tem “aumentado” nos últimos tempos, os membros do MSV estão certos que o que leva os jovens a aderir ao movimento é o “aprofundamento da fé”. “À partida a abordagem social destes projectos pode ser muito mais apelativa, mas esgota-se. Por isso a oração (tendo também presente a dimensão mariana) é fundamental e cada vez mais se batalha isso dentro do próprio movimento” – explica Inês Fernandes, defendendo que “sem oração é difícil conseguir uma comunidade verdadeira, honesta, em que as pessoas se dêem em verdade e onde desempenhar um serviço não seja uma formalidade de cumprir horários”. Por isso a filosofia do MSV é assente em três pilares: oração, comunidade e serviço. A seriedade e a exigência semanal dentro do movimento acabam por impor, naturalmente, a triagem dos membros. “Uma das coisas que se procura no MSV é que os jovens estejam ao serviço do que quer que seja. E estar ao serviço como fruto da oração” – refere Inês Fernandes. Este aspecto aliado à imprescindível assiduidade semanal acaba então por comprometer muitos e por afastar alguns. Também para se participar nos projectos de Verão exige-se, para além de uma preparação que pode levar até dois anos, que, durante o ano anterior, se tenha participado em duas actividades: um retiro e uma peregrinação a Fátima. Sobre a afinidade mantida com os poucos jovens daquelas comunidades reconhecem: “já os interpelámos, mas ainda não os conquistámos”. “Pelo menos parece-me que olham para a Igreja com outros olhos. Como uma proposta mais abrangente, uma instituição em que cabemos todos e que também é deles” – atesta Inês Fernandes. No fundo, os jovens do MSV pretendem apresentar-se aos seus congéneres algarvios tal como são. Como jovens que se divertem tal como os outros, mas que têm um espaço e uma presença importante na Igreja. A aceitação e o apoio da família à sua opção resume-se, segundo os membros do MSV, a um sentimento que classificam de “ambivalente”. Por um lado, a “imensa felicidade, o orgulho e até a tranquilidade”, quando pensam que poderiam optar por outros “programas” que os deixariam mais apreensivos, e por outro lado, um sentimento de “falta” pela sua ausência. Samuel Mendonça, “Folha do Domingo”

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