Jornal do Vaticano lembra Saramago

O Jornal do Vaticano, “L’Osservatore Romano”, publica na sua edição dominical um artigo dedicado ao escritor português José Saramago, falecido na passada Sexta-feira, aos 87 anos de idade.

Intitulado “A (presumível) omnipotência do narrador”, o obituário assinado por Claudio Toscani fala num “provocador” Prémio Nobel da Literatura e começa mesmo por citar um excerto do romance “Todos os Nomes” para apresentar o pensamento de Saramago sobre a morte.

Após um breve aceno ao percurso biográfico do autor português, o jornal do Vaticano fala num “eterno marxista”, “um homem e um intelectual de nenhuma admissão metafísica, ancorado até ao final numa confiança arbitrária no materialismo histórico”.

“Colocado lucidamente entre o joio no evangélico campo de trigo, declara-se sem sono pelo pensamento das cruzadas ou da Inquisição, esquecendo a memória do ‘gulag’, das purgas, dos genocídios, dos ‘samizdat’ culturais e religiosos”, assinala o longo artigo.

A obra de José Saramago, lê-se, tem um “tom de inevitável apocalipse, cuuo perturbador presságio pretende celebrar o falhanço de um Criador e da sua criação”.

Toscani recorda a produção literária do escritor português, qualificando o romance “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” (1991) de “obra irreverente” que constitui um “desafio à memória do cristianismo”.

“Relativamente à religião, atada como esteve sempre a sua mente por uma destabilizadora intenção de tornar banal o sagrado e por um materialismo libertário que quanto mais avançava nos anos mais se radicalizava, Saramago não se deixou nunca abandonar por uma incómoda simplicidade teológica”, escreve.

Para o Jornal do Vaticano, “um populista extremista como ele, que tomou a seu cargo o porquê do mal do mundo, deveria ter abordado em primeiro lugar o problema das erróneas estruturas humanas, das histórico-políticas às socio-económicas, em vez de saltar para o plano metafísico”.

O artigo afirma que Saramago não devia ter “culpado, sobretudo demasiado comodamente e longe de qualquer outra consideração, um Deus no qual nunca acreditou, através da sua omnipotência, da sua omnisciência, da sua omniclarividência”.

Particularmente dura é a crítica sobre o “inaceitável” «Caim», que o “Osservatore Romano apresenta como “um romance-saga sobre a injustiça de Deus, uma antileitura bíblica parodiante”.

Em Portugal, a morte de Saramago levou à publicação de um “voto de pesar” do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (organismo dependente da Conferência Episcopal Portuguesa), no qual se recordava que “o cristianismo e o texto bíblico interessaram muito ao autor como objecto para a sua livre recriação literária”.´

“Há uma exigência e beleza nessa aproximação que gostaríamos de sublinhar. O único lamento é que ela nem sempre fosse levada mais longe, e de forma mais desprendida de balizamentos ideológicos”, assinala o texto.

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